Confissões de uma leitora 07/08/2021
[AVISO] Livro não indicado para quem gosta de histórias mastigadas e idealizadas. Esta é uma leitura complexa tal qual a humanidade de seus protagonistas.
Com uma escrita de gente grande e um prólogo impactante, capaz de levantar defunto, @jassilva_escritora nos conduz num romance tórrido e dramático digno das telonas.
O prólogo me fez refletir sobre “como podemos exigir de adolescentes comportamentos/atitudes tão exemplares numa das fases mais conturbadas e de grandes erros, alguns imutáveis, no qual qualquer conflito se torna extremo?”.
Então lembrei, o julgamento valida nossos próprios erros (Olá, projeção!).
Sendo franca, me assusta a crença polarizada “se ama/gosta, não machuca”. Isto pressupõe uma perfeição utópica e a idealização CRUEL do outro.
Viver é se arriscar; não é preto no branco, é uma miríade de cores coloridas e sombrias.
Embora queira dar um tiro em Adam, preciso ressaltar a construção desse personagem, quão rico ele é em caráter psicológico e dramático, bem como Georgia e a história como um todo.
Esta leitura é um exercício de escuta. Adam fala, fala e não diz nada, porém diz tudo no uso exacerbado da negação, do isolamento afetivo e da projeção. Deus, como ele projeta!
Não apenas isso, ele faz de seu desejo – Gigi – impossível. Ela é seu fruto proibido, suculento, que de longe faz seus olhos brilhar com a intensidade de sua entrega; ele pode olhar, desejar em segredo, mas não pode ter. Se tocar, ele colapsa. Então, Adam a destitui de valor, fere incontáveis vezes, dúvida, rumina e a reduz a sexo, objetificando-a, tudo pra criar impossibilidades e validar sua escolha que, inconsciente, sabe ser errada. Não é o que ele quer, mas é o que se adequa as suas exigências internas e externas. Desta forma, depois de meses adiando, Adam pode fazer a decisão “perfeita”, no caso Hannah – a sagrada; é reservado a sua mulher o mesmo lugar de santidade que a mãe ocupa –, que ninguém poderá criticar. Muito pelo contrário, ele é exaltado por todos na cidade, o casal 20. E assim, ele estará seguro da turbulência que Gigi, a profana, representa, que o faz perder o controle, quebrar regras e entrar em contato com o desejo recalcado que evoca a culpa, vergonha e autocritica. Ele não tomou a decisão porque Hannah o obrigou como faz parecer que, aliás, não passa de uma manobra para terceirizar a responsabilidade da tomada de decisões (se der merda, ah, não fui eu). Hannah o ultimou, mas a escolha sempre foi dele.
Adam está sempre tentando se convencer da própria mentira.
Adam tem altas expectativas e projeta em quem e como se relaciona (presente da mamãe Grace que estabeleceu um alto padrão de comportamento, o que fica nítido em seu comportamento com o próprio marido – mantendo-se na relação, apesar de saber de suas transgressões, afinal, ela é a esposa de um médico, portanto, uma mulher forte e poderosa por aturar tudo em nome de um bem maior, quase imaculada). Espera-se de Adam essa conformidade. Não é à toa que ele é o “menino de ouro.”
Adam e Hannah enxergam a conveniência que cabe em seu conforto – e aqui eles dão vazão a perversidade –, pois quanto mais desclassificam Gigi, mais fácil é lidar com o que fazem. Sobretudo, Adam, que embrenhado nessa luta interna, bota pra fora seu pior lado.
E se no passado, ele ridicularizou Gigi para legitimar sua escolha “perfeita”, agora visa à restauração desse amor e se lança a servidão (casamento, filhos, amor, entrega, famoso topa-tudo); tudo para ela na tentativa de reparar o dano causado.
Podemos ver sua evolução de garoto a homem, mas não há redenção. Há uma amenidade no comportamento devido a seu amadurecimento. E é aqui que reside meu encanto, Jas foi certeira na construção e veracidade deste personagem.
Gigi é intensa, apaixonada, explosiva e sedutora.
Ela tem ganas de viver, de amar e ser amada.
Sob a negligência da mãe, na falta de bons exemplos que fortalecessem sua autoestima e autoconfiança, Gigi não teve amor, mas ela pode sê-lo ou tentar... Quem sabe assim, amando com todo o fervor, ela não se prove digna da retribuição? E aí, ela se lança numa busca pela satisfação, atenção, proximidade amorosa e erótica, criando uma dependência perigosa. Que muitas vezes a coloca em situações de risco e de drama pessoal. E diante dos conflitos vividos, combinado a sua personalidade, ela é desacreditada, a exagerada.
Não há modelos de amor, há modelos de migalhas, de mendicância, tudo foi deturpado, falho, alimentando sua baixa autoestima, desvalor e insegurança; criou-se uma carência e uma falta gigantesca, que nos desperta o protecionismo e o senso de justiça. Diante de um pingo de amor, que possa suprir a falta imprimida nela em sua relação com a mãe que não a amou o suficiente, Gigi se entrega de corpo e alma as suas relações afetivas, tudo que é bom sempre foi imediato e sem garantias e um “a longo prazo”; é assim com Hannah e depois com Adam, que representa o que lhe falta, supre sua carência e a faz crer que poderia sonhar com a felicidade, ser amada, querida e desejada.
Não é à toa que ela se vê presa ao passado, que nas relações futuras ela entre num ciclo de autossabotagem que a própria não entende. Ela está tentando, pelo amor de Deus!
Gigi fez seu melhor dentro das possibilidades que ela tinha e nem sempre ela teve opção. E, sejamos honestos, não era apenas ela que precisava de terapia, Adam também.
Me pergunto aqui se não foi amor próprio quando ela disse não ao pedido de Adam e escolheu a si mesma, respeitando seus sentimentos e limites? Ou quando deu um basta nas migalhas, deixando claro que era tudo ou nada? Quando escolheu partir para se preservar?
Amor próprio seria Gigi abrir mão da possibilidade de uma vida feliz que sempre quis com a pessoa que ela ama e que demonstra querer o mesmo por puro orgulho ou pelo que os outros iriam pensar? Em como a julgariam, como muitos já fizeram?
Gigi já sofreu tantas perdas, tantas trombadas, que não hesita em perdoar; ela foca em SER FELIZ, em tentar, apesar de tudo. Se isso não faz dela uma mulher resiliente e corajosa, não faço ideia do que estas palavras significam. Não seria isso amor próprio?
Seu perdão para Hannah me parece ser um perdão a si mesma do que qualquer outra coisa.
E por falar na peçonhenta, Hannah não conhece o significado de amizade, e se faz, é deturpado e a favorece, típico de pessoas egoístas e arrogantes. Suas atitudes são mesquinhas e perversas.
A carta, os nomes das filhas, o peso do último pedido e suas motivações ocultas.
Se por um lado penso que ela possa estar tentando compensar sua traição, em outra mão, não deixa de ser um ato perverso transvestido de boa ação por saber que nunca foi a escolhida, mas a apropriada. É como se ela dissesse: estou te devolvendo o que tomei, o combo completo, mas saiba que só o tem porque estou queimando no inferno; você sempre foi o terceiro corpo na cama, e agora eu serei o fantasma entre vocês pelo resto da vida.
A única coisa que salva é sua sinceridade sobre sentir culpa, mas não arrependimento.
Diferente de Gigi que escolheria o outro acima de si mesma, Hannah escolheu ela própria. Não é por menos que ela faz tal pedido, ela conhece Gigi, e aqui se acentua sua perversidade.
E é óbvio que Adam não se casaria com Gigi e, muito provável, não reconheceria seus erros se Hannah estivesse viva; a morte e ressurgimento de Gigi fizeram as coisas tomarem outro rumo, que os próprios não esperavam. E não é assim que a vida acontece?
Não acho que Grace mudou, ela como, provável, narcisista adaptou-se. Era isso ou estar fora da vida de quem ela crê que lhe pertence. Que Deus salve essa família.
Sobre o pai de Gigi, bem, distancia é uma boa palavra.
MEU final seria diferente, mas o livro não fala de mim, da minha vida.
É o final de GIGI.