Diana 16/02/2024
Vencedora dos prêmios Nébula e Hugo, novela Benti se perde em continuação
Vencedora dos prêmios Hugo e Nébula na categoria novela curta, Binti, da escritora nigeriana Nnedi Okorafor, se perde no desenvolvimento da trilogia. O primeiro livro/conto promete muito, mas não há progressão e evolução das personagens, com soluções ingênuas e sem qualquer lastro de verossimilhança, imprescindível para qualquer boa história. (ATENÇÃO: contém spoilers)
Na novela, conhecemos Binti, uma humana especialista em comunicação que decide abandonar o futuro pré-estabelecido por sua cultura para se aventurar em uma universidade intergaláctica. No caminho, a nave é atacada por medusas, um povo impiedoso, que mata todos no caminho. A protagonista só sobrevive por conta de um artefato que descobriu no deserto.
A premissa é boa, o universo descrito é totalmente original e os temas abordados são importantes. Entendo porque foi premiado pela academia, apesar de um final pífio, onde tudo é solucionado com rapidez e simplicidade. A obra traz diversidade, uma mensagem de esperança e mitologia própria, características exigidas pelo leitor nos anos 10. Uma década depois, tenho mais referências de produções do gênero com maior qualidade.
A primeira história da trilogia afrofuturística realmente despertou meu interesse por essa jovem de uma sociedade matriarcal que, mesmo quebrando paradigmas de gênero, é estratificada, com quase zero mobilidade criativa e muitos preconceitos e xenofobias. Para melhorar, o conto tem uma reviravolta, onde Binti se transforma em uma embaixadora da paz improvável.
Pena que, logo, as coisas começam a degringolar. Gosto do nonsense, que transforma referências conhecidas em seres totalmente novos, com propósitos obscuros e, muitas vezes incompreensíveis. Não me importo de embarcar em uma nave totalmente perdida no que vem a seguir e apenas acompanhar o fluxo, parando para avaliar os símbolos e mensagens deixadas nas entrelinhas. Amei isso em ‘O Guia do Mochileiro das Galáxias’ e também ‘Ubik’. Mas Binti se prende demais em valores totalmente terrestres para quem está entrando no mundo da imaginação.
Uma vez na nave em direção à universidade, Binti mantém sua identidade rimba e consegue se mesclar aos futuros colegas de classe com facilidade. O ataque que mata todos na nave é um plot twist de respeito. O desfecho desafia a lógica da justiça, o que pode não agradar, mas não tira a qualidade da obra. O problema começa realmente na sequência do breve conto, que ganha mais dois títulos completos.
Nos livros seguintes, o leitor acompanha os impactos das decisões de Binti na comunidade originária e no próprio futuro. São apresentados novos povos e também as peculiaridades da sociedade rimba, que perde totalmente a identidade levemente progressista construída na novela.
Os irmãos de Binti parecem apenas invejosos com zero preocupação com o bem-estar da jovem. A comunidade matriarcal na verdade é governada por homens e as origens do pai de Binti são mais importantes que todo o resto. O interesse amoroso de infância vira apenas um machista comum com um arco bobo de redenção e um concorrente é estrategicamente introduzido com quase nenhuma função além de orbitar em torno da protagonista.
Binti vira um grande panfleto de "vamos normalizar a terapia" utilizando técnicas para controle do pânico diversas vezes, só que não resolve nenhum problema psicológico. Concordo com a mensagem, discordo da execução. A personagem se transforma em vários povos, sempre aproveitando novas habilidades. Uma ‘Macunaíma’ que se propõe a representar todos com sua miscigenação e mensagem de paz, porém com a complexidade de um pires.
Para fechar com chave de ouro, Binti tem sucesso em conquistar a paz, que não vale de nada, pois as nações agem independentes de suas lideranças - aqui achei sagaz - e morre. Porém, faltou coragem neste momento. A família de Binti, assassinada na guerra, na verdade está viva. A mártir ressuscita e viaja até um planeta distante apenas para dar um conselho a um povo novo: "busque conhecimento", como diria o ET Bilu.
No fim, a jovem retorna à universidade sem expressar nenhuma gratidão a todos que a ajudaram crescer para se envolver em um drama adolescente de popularidade e ficar chocada que não pode mais ter filhos. Ela não manda um oi pra família, não está nem aí com a nave filhote que está presa a ela, sem poder viajar, e só pensa em se vestir como começou a saga, lamentando que não pode procriar por não ser mais humana.
Eu só queria conversar com Binti e dizer: “você morreu e teve o corpo quase totalmente reconstruído, conheceu os deuses de sua religião e ainda ganhou um namorado no processo. Revise suas prioridades!”.