O parque das irmãs magníficas

O parque das irmãs magníficas Camila Sosa Villada




Resenhas - O parque das irmãs magníficas


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Bookster Pedro Pacifico 02/03/2023

O parque das irmãs magníficas, de Camila Sosa Villada
Já antecipo para vocês que esse livro de apenas 200 páginas conseguiu me emocionar e despertar tanta compaixão pelas personagens que, sem dúvidas, foi uma das melhores leituras de 2022.

E é engraçado que, para mim, é mais difícil escrever sobre livros que me impactam muito do que sobre as leituras que não deixam tantas marcas. Talvez porque o que mais conquista o leitor não são os aspectos mais objetivos de uma narrativa, mas os sentimentos que compartilhamos. E é essa parte subjetiva da experiência que exige mais de mim na hora de escrever uma resenha para vocês.

Nessa obra com fortes traços autobiográficos, Camila Villada, uma mulher trans, nos leva para a cidade argentina de Córdoba, para um parque que dá nome ao livro. Não bastasse as angústias de crescer em conflito com o próprio corpo, a protagonista enfrenta a rejeição da sociedade. E é nesse parque que um grupo de travestis que compartilham de suas doares a acolhem.

A realidade desse grupo, comandado por Tia Encarna, uma figura forte e amorosa, é marcada por violências. Marginalizadas pela sociedade, as travestis precisam se submeter a uma violência de seus corpos para conseguir sobreviver. Não bastasse isso, elas são vistas com repulsa por quem cruza seu caminho, em um constante sofrimento psicológico. E nessa realidade brutal, as irmãs magníficas são tudo o que lhes resta. Uma irmandade que ameniza o sofrimento.

Além de escrever de forma cativante e poética, a autora tempera a narrativa com uma mágica que desafia a realidade. Uma personagem se transforma em pássaro, outra vive muito mais de cem anos e tantos outros detalhes que deixam a leitura ainda mais impressionante. Talvez toda essa mágica seja uma forma de apaziguar tanta dor que as personagens sentem, uma tentativa de escapar por alguns segundos da triste realidade que não fica presa às páginas do livro, mas que toma conta de tantos outros parques, casas e corpos pelo mundo. Livro maravilhoso, triste, sensível, que merece a leitura de todos!

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mpettrus 21/08/2022

O Realismo Mágico das Travestis
Que livro é este que me deixou literalmente boquiaberto? Uma história de vida real sobre um grupo de travestis, apresentada sob a forma de ficção? Um manifesto contra discriminações que dominam certas pessoas quando colocadas face ao outro, aquele considerado ?diferente?? Um livro sobre seres humanos que, justamente, ousam proclamar sua ?diferença?? Um olhar entre antropológico/sociológico lançado pela autora do livro sobre um grupo de excluído pelos ?bons cidadãos? que durante o dia desprezam as travestis, mas que, na calada da noite as cobiçam? Um grito vindo do fundo da garganta de um garoto, que tentou harmonizar seu corpo e sua identidade íntima? A história romanceada de uma jovem travesti argentina que, para sobreviver, torna-se prostituta?

??O Parque das Irmãs Magníficas? da escritora argentina Camila Sosa Villada é um romance que descreve a travessia de uma personagem transclasse que é a própria narradora cuja voz, por vezes, se confunde com a voz da autora. Ela assume a condição de travesti e se une a um simpático grupo que realizou a mesma escolha que ela. Para ganhar a vida tornam-se prostitutas. Ao lado da narrativa de vida da personagem principal aparecem outras narrativas, a de suas amigas travestis. Observa-se também o realismo mágico da América Latina e as ocorrências irônicas, bastantes numerosas no romance.

?Dentro do mundo construído por Villada conhecemos a travesti Camila, narradora em primeira pessoa da história do livro. Ela é a protagonista apresentada em um corpo de homem que seguindo o instinto natural busca torna-lo feminino desde cedo, dentro de suas parcas possibilidades. Enfrentando sua família e o mundo, assume um outro prenome, uma outra identidade. Nessa luta, vai embora para Córdoba, onde, por curiosidade, observa o Parque Sarmiento, local em que será acolhida pelas suas iguais. Onde também conhecemos suas irmãs magníficas.

As irmãs de Camila são: Tia Encarna, a mais velha, aquela que tem cento e setenta oito anos. É a Travesti quem tem a oportunidade de tornar-se mãe de um bebê recém-nascido, abandonado entre folhas e plantas espinhosas do Parque. Um bebê que, acredita-se, seria filho da Defunta Correa, uma espécie de mártir, protetora das prostitutas. Temos María, a frágil, que não consegue falar, só balbuciar coisas confusas. Não é esclarecido se ela é surda. Aqui nesta personagem, a autora pincela o arco dessa personagem de realismo mágico de forma tão brilhante e hipnótica. A personagem sofre tanto que, aos poucos sofre uma estranha metamorfose, transformando-se em uma ave.

?Conhecemos Natalí, sétima filha de uma família que, como reza a maldição, nas noites de lua cheia se converte em lobisomem ou como diz a narradora, de modo tragicômico: ?lobiscate?. Sandra, a travesti mais melancólica de todas, que nos guarda um dos finais mais inglórios da narrativa. Angie, a mais bela, a rainha, a autora de uma frase que impressiona Camila: ?Virei travesti porque ser travesti é uma festa?.

??A Machi Travesti?, exerce um papel importante na narrativa, o de feiticeira e sacerdotisa, era dito que tinha o poder de ressuscitar as moribundas com magia negra. Cito também Patrícia, a manca e A Pato, sem me esquecer de Tia Mara, uma personagem enigmática que prendeu totalmente a minha atenção. Ela mais que travesti e prostituta, era um ser dotado de um estranho poder, bastante independente das outras. A descrição de sua casa mostra um ambiente corriqueiro, mas ao mesmo tempo, estranho. Eu enxergo essa personagem como uma espécie de vidente ou terapeuta, que escuta com atenção e transmite conselhos judiciosos a quem a procura em sua casa. Lá ela é doce e calma; por vezes, na rua, mostra-se completamente indiferente às outras travestis.

?Concretamente, deparamo-nos com uma descrição de Tia Mara que nos lembra a de um ser mitológico, capaz de enfeitiçar todos os homens que, nobremente, construíram uma nação, mas, que morreriam felizes se pudessem se deitar com aquela mulher. Pareceu-me que a autora quis fundir a história dessa personagem com à história da Argentina. Há aqui uma glorificação à pátria, à sua construção que reuniu tantos homens diferentes, todos unidos pelo trabalho são habilmente mescladas alusões sobre o poder sexual dessa personagem.

? Conhecemos também outra maravilhosa personagem: Laura. Curiosamente, ela é mulher e convive com o grupo de travestis, exercendo a mesma profissão de todas: a prostituição. O fato de Laura ser mulher é narrado de um modo que oscila entre a realidade cruel e a poesia. Em uma determinada cena, é feita a descrição dos órgãos genitais de Laura. À poesia crua que se refere à vagina feminina como ?flor carnívora? sucede-se o relato penoso do membro fálico das travestis, escondido, amassado, guardado e a angustiante construção de uma falsa vagina em um corpo masculino, talvez feito às pressas. Poesia e dor se misturam. Esse detalhe é muito importante para o arco que a autora desenvolveu para essa personagem, pois, conhecemos então Nandina, a travesti que constrói uma relação de afeto e amor com Laura, nos trazendo um raro momento de esperança e felicidade naquele mundo permeado de violência e sangue.

? Por fim, quero destacar aqui o incrível realismo mágico das travestis. O estilo da escritora introduz - de forma bem sutil e delicada ? muitas doses de realismo mágico, recurso próprio de escritores da América Latina. Camila Sosa Villada faz reviver, a seu modo, Gabriel García Márquez, Jorge Luis Borges, Isabel Allende entre outros. A escritora argentina introduz esse mundo surreal já nas primeiras páginas do livro, ao mencionar a idade da personagem Encarna: cento e setenta e oito anos. Talvez por isso ela se considerasse ?eterna, invulnerável como uma deusa de pedra?.

? Acredito eu, que tal forma de escrever venha da visão da narradora, de seu ponto de vista sobre si e sobre as travestis que formam o grupo ao qual ela se integra, São feiticeiras, animais, pecadoras, santas e mártires ao mesmo tempo, segundo os imaginários que dominam sua vida e seu povo. Eu simplesmente amo o realismo mágico da nossa literatura latino-americana porque me lembra que a realidade da vida na América Latina escapa à lógica e ao bom senso de outros povos. Talvez por força de tanto penar com a opressão de uns e outros, aqui aprendemos a escapar pelo uso de figuras: metáforas, pleonasmos e, sobretudo, pelo humor.

?A mim, o momento de maior epifania que esse romance me trouxe é quando a protagonista nos revela quem foi seu modelo de ser humano para se espelhar na sua vida futura como pessoa adulta: Cris Miró. Essa pessoa quase mitológica do entretenimento argentino de fato existiu e deve ter inspirado muitos jovens que sentiam a necessidade de passar por uma transformação, sem ainda estar plenamente consciente disso e do que fazer, qual caminho seguir. Do que eu sei, é que Cris Miró foi alguém especial, um ser dotado de muita perspicácia, inteligência e coragem para conseguir vencer e impor seu talento, assumindo que era travesti, em um país machista e católico como a Argentina.

?A vida de uma travesti não é fácil. Tem de suportar a brutalidade dos machos que a procuram, a precariedade financeira, o frio, a chuva e mesmo a fome. A história não se detém especificamente neste ponto, embora ele flutue por toda a narrativa. Nela é exposta - por vezes de modo violento, outras por meio de uma linguagem poética e fluída ? o relato de vida não só da narradora, a travesti-prostituta, mas também o de uma pequena coletividade representada pelas irmãs de profissão de Camila.

Elas, as travestis, que irão, juntas ou sozinhas, enfrentar ?contra o vento e a maré? muitas adversidades para pode ultrapassar as barreiras, sofrendo, apanhando, lutando, mas também, aos poucos, ganhando mais confiança em si ao perceberem que nelas começou a germinar a resiliência, fruto da superação das dificuldades que enfrentaram em sua travessia de vida, como sujeito transclasse.

? Leitura recomendadíssima, bookstan.
DANILÃO1505 31/08/2022minha estante
Parabéns, ótimo livro

Livro de Artista

Resenha de Artista!




dani 12/05/2022

Como uma flor no meio do deserto
Quanto mais gosto de um livro, mais difícil é escrever uma resenha. Ainda mais quando a narrativa é cativante desde o primeiro parágrafo, provocando quem está diante das páginas a chorar, rir, refletir e se indignar. Camila Sosa Villada compartilha aqui um relato íntimo, belo e explosivo de um recorte que vemos pouco (ou nunca) na literatura. A autora retrata de forma nua e crua a vida das travestis, com altas doses poéticas e fantásticas.

Camila alterna memórias de infância com momentos da vida adulta. Cresceu numa cidade pequena e as relações com a família de sangue sempre foram difíceis. A fim de cursar a faculdade, muda-se para Córdoba. Nas noites de prostituição no Parque, encontra um grupo de travestis que logo se tornam suas irmãs. Uma família também unida por sangue, sangue que escorre, fruto da violência policial, brutalidade dos clientes, dos serviços hospitalares negados, do abuso de drogas.

Contrastando com a desumanização a que são submetidas, a sororidade entre as irmãs do Parque é encantadora. Os momentos de ternura salpicados na narrativa funcionam como uma celebração, um ato sagrado de afirmação da existência e identidade travesti. Como a querida personagem Angie diz: "ser travesti é uma festa"! No meio do deserto da violência e do menosprezo, as travestis desabrocham como flores deslumbrantes de resistência.
Gigio 12/05/2022minha estante
Também curti demais!




Vania.Cristina 20/11/2023

Autobiografia, lugar de fala e realismo mágico
Livro que tem muito de autobiográfico, mas que, ao mesmo tempo, é obra de ficção. À princípio temos a história da protagonista Camila, que veio de uma pequena cidade do interior da Argentina para estudar Comunicação na cidade grande. Camila nasceu menino, mas desde pequena gostava de se vestir de mulher. Os pais não entendiam a criança, o pai bêbado reprimia, a mãe submissa se omitia. E a pobreza atormentava a todos.
Anos depois, na cidade, Camila passa a levar vida dupla, de dia é o estudante universitário tímido, um rapaz para seus colegas e professores, mas à noite vira Camila, a travesti, e se prostitui no Parque Sarmiento, para pagar as contas.
O livro é narrado pela perspectiva da protagonista, mas traz uma série de pequenas histórias sobre as vidas das personagens secundárias: prostitutas, travestis, clientes, namorados, companheiros, abusadores... Aos poucos, e ao mesmo tempo que Camila vai encontrando e convivendo com essas pessoas, nós também vamos conhecendo suas histórias.
Algumas delas são delicadas, outras tratam de abuso extremo. Algumas são românticas, outras violentas. O livro todo é repleto de poesia, mas também de cenas escatológicas. Há histórias que falam de miséria, AIDS, conflitos familiares, solidão, depressão... Outras são sobre alegria, festa, acolhimento, feminilidade, comunhão...
O que moveu a atriz e jornalista Camila Sosa Villada a escrever esse livro, foi a atitude de um fã anônimo, que recuperou um antigo blog que ela escrevia nos tempos de estudante e o qual tinha deletado quando virou atriz. Deletou para apagar seu passado, mas uma vez que o releu, encontrou as histórias de suas irmãs e entendeu que devia a elas, e a si mesma, o reconhecimento dessas histórias.
Legitimada pelo seu lugar de fala, Camila Sosa Villada faz um retrato sincero desse mundo peculiar, cheio de contradições e injustiças. Mas o que surpreende é que a autora faz uso também do realismo mágico, porque talvez a realidade não seja suficiente para descrever o que eram e como viviam as irmãs magníficas.
P.S. Reparem como o título brasileiro é muito mais interessante que o título original.
Débora 21/11/2023minha estante
Que resenha maravilhosa!!!????


Pri.Kerche 21/11/2023minha estante
Adorei a resenha!!


Silvia Cristina 21/11/2023minha estante
Parabéns pela bela resenha


Vania.Cristina 21/11/2023minha estante
Obrigada Débora, Priscilla e Silvia! Fiquei feliz ?




Angela 18/07/2021

'Alguma vez chegaram a pensar que a poesia podia ter forma tão concreta?'
“Todas as noites, as travestis sobem desse inferno sobre o qual ninguém escreve para devolver a primavera ao mundo”.
.
Recém-chegada de uma cidadezinha para estudar jornalismo numa universidade de Córdoba, aos 18 anos, Camila Sosa Villada decidiu ir, mesmo com medo, espiar as travestis da lendária zona vermelha do Parque Sarmiento. Elas a acharam tão vulnerável que a adotaram na mesma noite, e no Parque, Camila aprendeu o quanto valia o seu corpo e qual o preço que deveria colocar nele, e como se defender dos policiais e dos clientes.

A origem do livro se deu após a autora ler suas próprias palavras num blog antigo que mantinha na adolescência, um blog copiado (sem ela saber) por um fã anônimo antes dela ter excluído e ele publicá-lo, novamente, anos depois.

Nas páginas d’O parque das irmãs Magníficas, Camila escreve sobre a transformação da vergonha, do medo, da intolerância, desprezo e da incompreensão, inventando os seus próprios papéis, já que ninguém havia pensado em personagens travestis como ela e suas amigas.

A narrativa mescla a autobiografia, num dos relatos mais íntimos que eu já li, e o realismo mágico, como uma fábula. A autora não poupa o leitor da crueldade violenta da transfobia, das mortes das suas irmãs mais próximas, quando muitas foram queimadas, agredidas até o fim, os problemas que enfrentaram com os óleos de silicone, suicídio, e da prostituição nada glamourizada, até o Parque Sarmiento se desfazer.

Mesmo árduo, o seu relato se mistura com fantasia, então acompanhamos de uma maneira única uma das mulheres de seu grupo, aos poucos, se transformando num pássaro, uma outra (a sétima filha homem de sua família) se convertendo em lobiscate, e um batalhão de Homens Sem Cabeça fiéis a matriarca das travestis, Tia Encarna, de 178 anos de idade, fazendo filas para vê-la, isso porque a percepção dela para com as travestis do Parque era a de que elas são super-heroínas. (Por isso o realismo mágico).

O livro não ignora em momento algum a marginalização que atinge as transexuais, porém ele fala dos encantos das amigas que Villada encontrou em Córdoba, situando o leitor desde o início sobre a magia nele, sendo essa também uma homenagem as mulheres que já não fazem mais parte da sua vida, das que tiveram uma morte prematura, mas que a ensinaram ser uma trans. É incrível!
.
“Na verdade, somos noturnas, para que negar isso. Não saímos de dia. Os raios de sol nos enfraquecem, revelam as indiscrições de nossa pele, a sombra da barba, os traços indomáveis do homem que não somos. Não gostamos de sair de dia porque as massas se revoltam diante dessas revelações, expulsam-nos com insultos, querem bater na gente e dependurar nas praças. O desprezo manifestado, a desfaçatez de nos olhar e não se envergonhar disso”.
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Carolina.Gomes 02/12/2022

Um olhar no submundo
Assisti a Camilla, na Flip e gostei do jeito dela. Achei-a irreverente, sem papas na língua e sem vontade nenhuma de panfletar a causa. Por tudo isso, resolvi ler o livro que tem sido bastante elogiado.

A linguagem é bem crua, mas há certa poesia, ao mesmo tempo.

Há quem chame de realismo mágico o que a própria autora refuta. Eu não consegui me conectar, nem achei tudo isso que dizem.

Gostei de ter lido por ser uma abordagem de um universo pouco conhecido, mas não é o tipo de leitura que me agrada.
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Toni 03/03/2022

Leitura 061 de 2021
*Cortesia da editora*

O parque das irmãs magníficas [2019]
Camila Sosa Villada (Argentina, 1982-)
Tusquets/Planeta, 2021, 208 p.

No ensaio “A dificuldade de imaginar outras pessoas”, Elaine Scarry argumenta que “monstruosidade e invisibilidade são duas subespécies do outro, [...] um é visível ao extremo e repele a atenção que atrai, o outro é incapaz de atrair atenção e, por conseguinte, está ausente desde o início.” O universo trans/travesti tem sido por muito tempo (entenda-se, por tempo demais) observado através dessas lentes da sociedade cisheteronormativa: ora invisíveis, misturadas à paisagem de violência urbana e descaso social, ora em perigosa evidência, ameaçadora da “moral e dos bons costumes” — essa hipócrita fantasia fundadora do ódio à diferença.

"O parque..." é, portanto, um romance de visibilidade e humanização. Escrito com revolta e melancolia ou, ainda, como crônica do real impossível, narra a vida em comunidade de um grupo de travestis e mulheres cis/trans forçadas à exploração de seus corpos em troca de sobrevivência: “somos isso como país também, o dano sem trégua contra o corpo das travestis. A marca deixada em determinados corpos, de maneira injusta, casual e evitável, essa marca de ódio”. Emprestando seu nome e alguns episódios de sua trajetória à narradora protagonista, Villada constrói o rosário de violências e gozos nas vidas dessas mulheres; prazeres insubmissos de amor, desejo, sonhos de futuro e amizades erguidos contra a brutalização diária de suas vivências.

Recomendo demais a leitura deste livro: é terno e doído, vulgar e raivoso, sublime e mágico. Uma narrativa sem excessos em que até mesmo os elementos fantásticos (banhos em piscinas de lágrimas e personagens que se transformam em pássaros) emprestam ao texto a força simbólica das experiências que ganham mais realidade na fabulação. O feito de Villada é um triunfo: ao trazer para o centro da literatura a memória e o afeto travesti, o romance devolve ao mundo “a amargura de nossa orfandade”, transformando em furor e festa a experiência de existir à revelia dos verdadeiros monstros sociais: a "norma" excludente e seus defensores, os "cidadãos de bem".
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Pam 24/12/2023

Uma obra de arte linda. Devastadora, mas linda.
Provavelmente o livro com a escrita mais bonita que eu li esse ano. Cada floreio é condizente e consegue embelezar uma história cheia de tragédias, assim como as personagens tentam sempre embelezar e encontrar felicidade em vidas tão difíceis. Esse tipo de leitura me faz acreditar que existem pessoas quem nascem pra exercerem certas habilidades e profissões. Camila Sosa Villada nasceu pra escrever. O audiobook narrado pela Valéria Barcellos é fenomenal, quem tiver oportunidade, ouça. Li por recomendação do Paulo Ratz e gostei muito.
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Mari Pereira 12/03/2022

Um livro interessante, poderia ser melhor
Tanto frisson se fez em torno desse livro, como se ele descortinasse todo um mundo, que há tempos queria lê-lo. Comecei a leitura com avidez, esperando encontrar ali os motivos de tantos elogios.
Não tenho dúvidas do quão importante é tratar o tema da transexualidade na literatura, do quão relevante é dar lugar para que essas histórias sejam contadas. Quanto a isso o livro cumpre bem o seu papel.
Mas, tirando a euforia de ver um tema tão pouco tratado sendo abordado em um livro de relativo sucesso, não tenho outros elogios.
Não gostei da escrita, que tem uma fragmentação confusa que me parece sem propósito. Discordo bastante de alguns argumentos colocados pela autora ao longo da narrativa, o que pra mim tirou bastante do brilho do livro. E achei a exploração do "realismo mágico" pouco convincente. Me pareceu que foi algo mais usado por conveniência, numa lógica utilitarista, para amarrar o enredo, do que algo que foi explorado em profundidade.
Em geral, o enredo não me envolveu e não me convenceu.
Se por um lado é uma obra importante por sua representatividade, por outro lado, definitivamente, representatividade não é suficiente para sustentar um (bom) livro.
Ana Sá 14/03/2022minha estante
Mari, tá aí um livro que eu quero ler, sobre o qual ninguém tinha apontado problemas... Gostei da resenha, vou me atentar a esses aspectos qdo chegar a vez dele!


FlorCavalcanti 17/03/2022minha estante
??????????


Boz 18/03/2022minha estante
Ainda não li, mas também ouvi muitos elogios. Quando eu terminar, volto para dizer se concordo. ?


Mari Pereira 19/03/2022minha estante
Volta sim Cícero!


Marcelo 19/03/2022minha estante
Começo hoje a leitura, mas com uma sempre desconfiança que se pauta exatamente no que você diz no final de seu texto: "representatividade não é suficiente para sustentar um (bom) livro." Aliás, como ser pensante, e que por isso desconfia de tudo e de todos, tenho a impressão de que, na atualidade, confunde-se representatividade com talento. Entretanto, como há bons artesãos das palavras, independentemente de seu posicionamento político, vamos à leitura. Ao final, volto para compartilhar minhas impressões.


Boz 27/03/2022minha estante
Terminei agora o livro Mari. Tenho que dizer que gostei kkk.
No entanto algumas coisa não me agradaram. Achei a narrativa fragmentada pouco hábil, em alguns momentos parece haver cortes bruscos. Achei a relação com a familia e infância pouco explorada. Alguns personagens aparecem numa página para depois sumirem de vez duas páginas a frente, sem tempo de criarmos alguma empatia. As histórias de algumas personagens secundárias ficam num limbo temporal, sem sabermos onde cada uma se encontra na evolução/transformação da protagonista.
Mas fora isso. Eu gostei.
Kkkk


Mari Pereira 27/03/2022minha estante
Que bom que você gostou Cícero!
Pra mim, esses deslizes narrativa falaram mais alto e acabaram por impactar negativamente a minha experiência.
Se junta a isso o fato do livro não acrescentar nada de muito novo a quem conhece minimamente o debate sobre gênero, sexualidade e a realidade trans. Na verdade, até me incomodou algumas questões colocadas no livro, como a impressão da prostituição como caminho/destino inevitável...


Boz 28/03/2022minha estante
Sim. Eu não sou especialista no tema e confesso que algumas passagem me impressionaram bastante.
Já a questão da prostituição como inevitável, eu entendi que a autora não quis dar um exemplo de superação individual - da qual ela seria um -, para deixar marcado o aspecto social de tal caminho. Que além das oportunidades de trabalho serem praticamente zero, a repulsa, o ódio e a invisibilidade a que são sujeitas as travestis, as leva a ver na prostituição o único ?espaço? para serem elas mesmas.
Desculpa o Textão rsrsrs


Mari Pereira 28/03/2022minha estante
Eu entendi que ela escolheu esse caminho também Cícero... Mas fico pensando se podemos seguir sempre nessa generalização da prostituição como único espaço para a população trans sabe... Isso me deixou um pouco incomodada...
Mas isso tbm ultrapassa o livro. O importante é não deixar de refletir sobre o tema...


Mariana Laly 17/07/2022minha estante
Estava esperando acabar pra vim aqui me meter na conversa. Rsrs
Senti um desconforto com a escrita também, fragmentada, como vocês falaram. Não sei se proposital, mas tive a sensação de que era como se conversasse com alguém e ia contando a medida que as memórias chegavam. Ao longo da leitura, fui me acostumando.
No geral, gostei do livro, embora me sinta um pouco estranha em "avaliar" autobiografias... Rs


Mari Pereira 17/07/2022minha estante
Ah, sim Mariana. No caso, pra mim, não ser trata de julgar a história ou a vida da autora. Mas de opinar sobre a forma como ela decidiu contar essa história e os argumentos que ela mobilizou para, de certa forma, legitimar suas afirmações.
Realmente eu não gostei muito do livro. Acho importante? Acho. Me tocou? Não. Leria novamente? Não também.


Mariana Laly 18/07/2022minha estante
Sim, sim, entendi o que você quis dizer. Perfeitamente. Estava me referindo à dificuldade que eu tenho, não à sua análise. Aliás, foi a sua resenha que me fez voltar aqui para comentar. Rs




spoiler visualizar
Vitoria 18/06/2022minha estante
Que bela resenha!


Rafa 20/06/2022minha estante
Cara, sim! Esse livro é um retrato sensacional. Inclusive, não consegui ler sem criar parâmetros com "Veneno", da HBO. Pra dar mais uma mergulhada neste universo, vale demais assistir!


Rick Shandler 21/06/2022minha estante
Rafa, curti a dica. Vou ter que ir atrás!!!


Rayane Flores 26/06/2022minha estante
Rafa, também me lembrou um pouco pose da Netflix. Sobre a questão da comunidade que elas mantinham na pensão da Tia Encarna.




Mariana 22/12/2022

esse livro é um soco na cara de quem pensa que vidas assim são escolhas, são prazerosas, opções de quem na verdade não tem opção de ser feliz sendo quem é. relatos fortes e corajosos de quem vive com o perigo, morre jovem, luta a vida toda. e deseja sempre amor. sofri e vibrei por cada uma delas.
(o realismo fantástico é um tempero incrível e perturbador)

forte, chocante e necessário.
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samuca 08/09/2022

Belíssimo
Quanto vale a vida de uma travesti para a sociedade?

O parque das irmãs magníficas é poético e brutal ao mesmo tempo, na narrativa de Camila, jovem trans, conhecemos a vida das mulheres da noite: as travestis que do parque da cidade. De forma explicita, a leitura é um mergulho profundo pelos caminhos vividos por essas mulheres. As alegrias e dores das travestis, apedrejadas pela sociedade, esquecidas pelos familiares, agredidas pelos clientes.
Entre o ódio do mundo o único refúgio e a casa de Tia Encarna, puta mãe que acaba acolhendo e ensinando as meninas jovens o oficio da noite.
A trama é envolvente, chega a ser difícil parar de ler. Entre os saltos altos de acrílico com toda sua extravagância e a navalha usadas para se defender dos calotes e as de tentativas de homicídio. Uma dualidade total é como um conto de fadas com acontecimentos de filme de terror, a sobrevivência delas no mundo que tenta mata-las.
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diennifercb 29/03/2023

Ser travesti é uma festa!
Que livro. Eu demoro para resenhar alguns livros, porque quando termino, simplesmente não tenho como já digerir a história e elaborar a minha opinião. Gosto de pensar e revisitar a história durante os dias, e essa aqui não saiu mais da minha cabeça, a autora comprou um kitnet e se instalou para sempre num canto da minha mente, porque volta e meia me pego pensando em alguma coisa sobre esse livro. A história é absurdamente potente, o relato da Camila é lindo, é mágico, é doloroso demais, e requer uma leitura calma, com tempo, com pausas para respirar e digerir, porque é denso, te faz refletir o tempo todo, te propõe vários dualismos da vida das personagens, e te coloca em uma posição a mais do que um simples espectador daquela história. É lindo e emocionante, mas é um recorte TÃO real da nossa sociedade, que deixa tudo com um quê mais profundo, e a gente consegue ver as facetas felizes, a gente consegue sentir os relatos bons, mas a parte do preconceito, da violência, da exclusão, isso impacta de uma maneira que não tem explicação. O final te deixa sem chão, com uma sensação de impotência e de frustração, e acredito que era exatamente nesse ponto que a autora queria chegar/tocar. É um livro incrível, utiliza do realismo mágico para retratar alguns acontecimentos nas vidas das personagens, talvez por algum motivo específico, talvez para tentar deixar as situações mais ?tragáveis? ao público num geral [e caberia uma grande crítica, mas não vou me estender aqui], mas nunca impactando menos. Vale DEMAIS a leitura, e quantas releituras forem necessárias!
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Thais.PantaleAo 12/04/2024

Sensivelmente brutal
Uma leitura presente, nos dois sentidos, de dádiva e de atual.
Um vislumbre da violência brutal relatada de maneira sincera, direta e realista, sem covardia ou meias palavras, sem amenizar os relatos a história é brilhantemente poetizada com fantasias construídas não em serviço dos leitores, não para mascarar, mas pela necessidade de quem vive a dura realidade de existir em um corpo travesti no mundo em que vivemos.
Triste, sensível, necessário e encantador, poucas vezes me afeiçoo tão inteiramente com as personagens a ponto de querer abraça-las.
Nossas mulheres, como nós, valem muito mais do que entregamos à elas enquanto sociedade.
Meloren 12/04/2024minha estante
Eu amo um livro




Mariana Dal Chico 27/04/2022

“O parque das Irmãs Magníficas” de Camilla Sosa Villada, foi o livro escolhido para o mês de abril no Leia Mulheres Jundiaí, Publicado pelo selo tusquets em 2021 que me enviou um exemplar de cortesia.

A narrativa envolvente da autora mescla autobiografia, ficção e tem uma pitada de fantástico. Mas atenção! É um tipo de fantasia que não rouba o protagonismo e pode ser lido como metáforas/simbolismos se você não as levar ao pé da letra. Acredito que o elemento fantástico não deva ser um fator decisivo para a escolha, ou não, dessa leitura.

Meu ritmo de leitura foi intencionalmente lento, muitos temas são levantados (violência física, psicológica, hipocrisia, rejeição familiar, amizade, irmandade, comunidade), há muita tristeza e isso fez com que eu precisasse de um respiro entre um capítulo e outro. É o tipo de livro que você sabe que vai acabar em tragédia, mas quando ela chega, é pior do que você havia imaginado.

Ter um vislumbre de como pode ser o quotidiano das travestis foi uma experiência muito reflexiva, ao mesmo tempo que minha cabeça estava tentando processar a tristeza de alguns fatos - não fictícios -, meu coração se enchia de coragem e orgulho ao perceber o quão fortes, vibrantes e resilientes essas personagens são.

O que mais me marcou foi o sentido de coletividade, no grupo elas se ajudam, cuidam umas das outras, ensinam. Mas como tudo na vida, há um momento de ruptura, laços começam a ser desfeitos e é aí que o mal consegue alcançá-las, de forma individual, porque quando juntas, elas são imbatíveis.

Leitura mais que recomendada e deixo a dica de assistir a apresentação da Camilla Sosa Villada no TEDX após finalizar a leitura.

site: https://www.instagram.com/p/Cc3t8Kwrn4h/
Pâm 29/04/2022minha estante
Perfeitamente resenhado, Mari!


Aline 23/09/2022minha estante
Fiquei com vontade de ler. ?




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