spoiler visualizarGabriela.Hyodo 18/04/2024
Nem a mente mais criativa conseguiria inventar um amor assim
Se você escolheu ler um livro que são cartas entre Virginia e Vita você provavelmente sabe minimamente sobre a história delas. E mesmo já sabendo como acabaria, consegui aproveitar cada segundo dessa jornada.
As cartas são tão íntimas que até me deparei num dilema ético aqui comigo mesma.
As primeiras cartas tão formais iniciando com:?Dear Mrs. Woolf?, ?Dear Mrs. Nicolson? vão aos poucos iniciando com:?Dear Honey?, ?Dearest Creature?, entre outros apelidos carinhosos que inventaram uma para a outra. No conteúdo das cartas tem de tudo. Falam do dia, do clima, da roupa, recomendações de livros, o que vão fazer, o que fizeram, descrevem como se sentem, o que viram, as viagens. Tudo. Nada escapa.
Escapa à gente, na verdade. Escapa os momentos que gostaríamos de um pouco mais de descrição, mas não temos, porque elas estavam vivendo.
E é nessa falta que está a magia de tudo. Porque elas vivem na falta. Sentindo falta. Há sempre, ou na maioria das vezes, um tempo e espaço entre elas.
Ao longo dos anos dá para perceber elas se aproximando, se amando, admirando, se afastando. Nesse hiato do relacionamento eu fiquei muito triste. Fiquei triste com a distância, mas depois percebi que talvez tenha sido uma distância mais do que necessária.
Tenho a impressão de que as duas mudaram muito ao longo dos anos.
A escrita de Vita melhorou. Virginia ficou mais sociável.
O amor delas ficou diferente. Mais maduro. Menos carnal, talvez. Não sei. Não tem como saber. Foi até importante esse distanciamento, porque logo quando se conheceram Vita admirava Virginia de uma forma quase que idealizada. Virginia nunca erraria e Vita nunca descordaria de nada que ela fizesse. E aos poucos ela foi enxergando Virginia como humana. E foi se sentindo à vontade para discordar. Como quando disse que não gostou de ?The years?. Claro que a reação de Vita à ?Three Guineas? foi incrivelmente desproporcional. Dou toda a razão à Virginia nesse caso. Mesmo assim, é importante poder-saber-se-sentir-à-vontade para discordar das pessoas que amamos e admiramos. E acho que esses dois não conseguem andar separados, no fim: amor e admiração. Pelo menos não pra mim.
E então, elas voltam a se falar. Mais velhas, mais maduras, com outros amigos, outros livros, outros projetos, outras vidas.
E então a guerra chega trazendo muita dor, confusão, fome e desesperança.
Conheci Virginia Woolf em 2007 quando assisti ao filme ?As horas?. Fiquei obcecada por ela. O primeiro livro que li foi Mrs. Dalloway. Lembro de ter demorado pra ler. Achei difícil. Li uma segunda vez aos 21 anos de idade. E depois aos 25, eu acho. E cada vez que leio descubro algo novo. Um sentimento novo. Já li outros também, mas tenho me segurado, porque é difícil saber que não terão outros. Só que no fim é sempre um novo livro quando a gente lê novamente.
Fiquei obcecada por ela pela escrita. Pelo fluxo de consciência. Pela morte trágica. Pelas coisas que ela sentia e eu adolescente sentia parecido ( um pouco preocupante, eu sei). Fiquei obcecada quando li sobre o romance dela com Vita. Um romance entre duas mulheres no começo do século XX.
Não quero de forma alguma pressupor o que as pessoas sentem, mas acho que essa dor específica de entender desde cedo que você se sente de uma forma que é abominada pela sociedade é exclusiva da comunidade LGBTQIAP+. E saber que eu não era a única no mundo assim me mudou. Deu esperança. Saber que em 1923 duas mulheres puderam viver esse amor é de uma importância gigantesca para uma adolescente de 15 anos que se sente errada demais pra continuar viva.
Eu sou grata à Virginia. À Vita. Ao Leonard. À esse livro.
A arte nos salva sempre.