Mateus Giunti 13/11/2023
Esse livro chegou até mim depois que fiquei sabendo que a homenagem que a autora palestina Adania Shibli receberia na feira do livro de Frankfurt (uma das, se não a maior do mundo) foi cancelada pelos organizadores, sob a justificativa de que não era um momento para celebrações. Em decorrência de toda a cobertura recente da guerra na região e dessa polêmica, achei válido passar este livro na frente da lista de leituras a fazer.
O livro é dividido em duas partes. Na primeira, acompanhamos em terceira pessoa um oficial militar israelense que, junto de seu grupo, em 1949, faz constantes rondas terrestres na desértica região de Neguev em busca do inimigo: remanescentes árabes da região, que atrapalhariam e colocariam em risco a missão militar de ocupação e de desenvolvimento nacional. Em determinado momento, tais soldados assassinam um grupo de beduínos e mantêm em cativeiro uma menina que, depois, sofre um estupro coletivo.
Na segunda parte, acompanhamos em primeira pessoa, agora já nos tempos atuais, a investigação de uma mulher em busca da verdade dos fatos deste episódio. Movida por uma coincidente ligação com sua data de aniversário, a personagem faz uma viagem curta, mas perigosa e arriscada, pelo território atual da Cisjordânia, passando por diversos entraves militares, postos de seguranças, medos, muros e tanques, para entender o que de fato aconteceu no passado.
Ainda que eu tenha achado a narração da primeira parte muito truncada, com orações curtas e diretas, acho que ela serve a um propósito. A segunda parte é bem mais fluida em sua forma, embora seu conteúdo permaneça denso e angustiante. Permeado por violências de muitos tipos, o livro nos mostra como o presente está repleto de passado e como existem dores transgeracionais que dificilmente vão embora. Um livro sobre mudanças e permanências; sobre exílio, identidade e resistência; sobre o extermínio do povo palestino.
Como escreveu a Editora Todavia em uma publicação recente, "a literatura estabelece pontes, não as destrói. Aproxima mundos, não os afasta". Fica aqui a indicação do meu primeiro contato com a literatura árabe, em um momento onde a tentativa de compreensão de mundos, culturas e conflitos que parecem distantes se faz ainda mais necessária.