Lauraa Machado 23/08/2021
Ridículo e risível (vou dar spoiler, mas aviso antes!)
Depois da bomba que foi o primeiro livro da duologia, eu tinha dito que nunca leria este daqui. Mas eu sou fraca e decidi ouvir o audiobook quando vi que tinha na Storytel (que eu já assino e amo), já que não teria que gastar dinheiro com ele (e nem tempo direito, terminei em um dia). Tudo isso para dizer que este é melhor do que o primeiro livro da duologia, mas continua sendo bem, bem ruim.
Sabe por que ele é melhor que o primeiro? Porque pelo menos alguma coisa acontece aqui. Tem um enredo, tem uma "missão", tem um propósito, ainda que falhos e mal feitos. O romance deste pelo menos convence mais que o de Hollis e Silas, mas ainda é feito rápido demais, com juras de amor depois de alguns dias só e uma ligação forçada para parecer "amor verdadeiro". Também achei que a primeira metade do livro foi até okay, me fez pensar que lhe daria 3 estrelas.
Mas aí veio a segunda metade e a autora resolveu que iria transformar esse livro de drama e romance em comédia. Eu gostaria de não dar spoilers, mas quero tanto, mas tanto comentar sobre os acontecimentos, que vou dar sim. Então, se você quer pular spoilers, pare de ler esta resenha depois desse parágrafo, mas já saiba que o final é ridículo, tudo é muito facilitado para os protagonistas e a Kiera Cass definitivamente não deve ler livros do gênero desse. Tudo aqui foi tão surreal e improvável, tão sem sentido, que eu duvido muito que ela tenha lido outros livros parecidos. Acho que ela teria aprendido um pouco mais sobre lógica e bom senso se lesse.
A partir de agora, vou dar spoilers e comentar acontecimentos, então vai ler outra resenha se quiser evitar, hein?
Basicamente, tem dois países importantes na história, Coroa (de onde a Hollis vem) e Isolte. Depois de praticamente todo mundo no casamento dela ser morto, eles presumem que foi o rei de Isolte que encomendou a morte, porque o marido dela era um herdeiro da primeira família real. Da primeira. Várias gerações atrás. Além disso, quem executou a ordem do rei foram cavalheiros, Dark Knights, contratados por ele para vários assassinatos. E tem um grupo "rebelde" de nobres em Isolte que quer tirar o rei. Tudo que eles precisam fazer é encontrar provas de que o rei fez algo ilegal.
O problema dessa rebelião na primeira metade do livro é a Hollis, a perdida e estrangeira que acabou de chegar lá, ser a única a ter ideias medíocres que são celebradas como brilhantes. Teoricamente, é uma rebelião antiga, mas ninguém ainda tinha tomado alguma atitude além de tentar não morrer a mando do rei. O problema da rebelião na segunda metade é que tudo acontece fácil demais. Eles resolvem se aproximar da rainha (que ideia brilhante, Hollis! Como ninguém nunca pensou em usar a rainha que claramente odeia o rei antes?!) e ela, Valentina, vai até o escritório do rei, onde ela simplesmente encontra todas as provas de que precisa.
Além do rei mais burro do universo ter deixado as provas lá para qualquer pessoa entrar, pegar e usar contra ele, quando o Etan o confronta com seu exército (que ele conseguiu juntar em uma madrugada!), ele só aceita. O rei. Só. Aceita. O mesmo rei que aparentemente tinha um grupo de assassinos profissionais trabalhando para ele só dá de ombros e aceita que vai perder seu trono e sua vida. Por que alguém teria medo desse rei? Por que estavam tão empacados em uma rebelião durante anos quando ia ser tão fácil conseguir tomar o poder?
Nem vou comentar sobre o Etan ir ao interior do maior reino do continente em uma noite e voltar na manhã seguinte com um exército (um exército!) disposto a acreditar no papel que ele segurava para tirar o rei do trono. Nem vou comentar sobre a Hollis ter dado a brilhante ideia (tão brilhante que o rei de Isolte aprovou e a parabenizou) de simplesmente dar território para o seu inimigo com o qual você está em guerra há anos. Se ao menos alguém desse essa ideia a Israel.
Mas essa nem é a pior parte, na verdade. O rei abandonou o trono fácil demais, sem nem tentar lutar por ele e deixando Etan virar o rei, mas quando ele admite a tudo menos o massacre do casamento da Hollis, ela rouba um cavalo e sai em direção à capital de Coroa para confrontar o verdadeiro culpado, Rei Jameson e seu ex-quase-noivo. Claro que o Etan, cara que devia estar na capital de Isolte, tentando manter o trono que acabou de conseguir e garantir à população que ele devia ser o rei, vai atrás dela.
E aqui vai algumas razões para eu ter certeza de que a Kiera Cass não lê livros desse gênero: existe um vácuo do poder que acontece toda vez que um monarca morre, mesmo quando tem um herdeiro direto e pronto para assumir. Os primeiros meses e às vezes anos de um novo monarca costumam ser conturbados, porque é sempre mais fácil roubar o trono de alguém quando essa pessoa ainda não tem seu poder estabelecido. E Etan, o cara que acabou de tomar o trono, vai embora menos de uma hora depois porque a namorada deu a louca e está sendo inconsequente e impulsiva de novo?
Outra razão para a Kiera Cass não ler livros desse gênero e nem ao menos entender o mínimo sobre geografia: os dois cruzam o maior país do continente e ainda vão até a capital do outro em poucas horas. Ou ela não viu o próprio mapa dos seus livros, ou não entende nada de geografia e biologia, já que cavalo nenhum consegue ficar correndo por horas com uma pessoa em cima deles.
Mas tudo bem. Vamos ignorar tudo isso e fingir que acreditamos que eles conseguiram passar pela fronteira, chegar à capital e ainda entrar no castelo sem ninguém os parar. Eles chegam no meio de um jantar e, quando Hollis confronta o Rei Jameson, ele diz que ela é mulher dele, porque os pais dela assinaram o contrato de casamento antes de ela se casar com o Silas. Claro que Hollis dá a louca e diz que ela não é, de jeito nenhum, mulher dele. Mas aí o rei, o temido e incrível, poderoso rei, pega sua espada e tenta avançar neles. Então tropeça e cai em cima da espada, fazendo com que ela o atravesse e mate. Devagar. Enquanto todos assistem e não fazem nada.
Se isso não é ridículo o suficiente para você, se não te fez rir, imagine que logo depois a Hollis volta atrás e super se declara mulher dele, para ficar com o trono para ela, já que não tem nenhum herdeiro.
Vamos a outras provas de que a Kiera Cass não lê livros desse gênero, de realeza ou fantasia? Como é possível que o reino vizinho sabe exatamente todas as ramificações da primeira família real que teve séculos antes, enquanto Coroa é um país cujo rei não tem filho, irmãos, tios, primos de segundo, terceiro, quarto, vigésimo grau querendo o trono? Tudo bem, vamos fingir que não tem mesmo, que os herdeiros foram mortos ou castrados para não terem filhos e que a linha só rendeu uma única pessoa estúpida o suficiente para morrer tropeçando e caindo em sua própria espada. Como é possível não ter uma única família nobre com poder e dinheiro suficiente para querer o trono? Como ninguém ali questiona o direito da Hollis ao trono quando todos estavam presentes quando ela disse que se recusava a ser a esposa do rei? Como ninguém ali tem ambição suficiente para querer tomar a coroa?
Sei que já pedi demais para vocês, mas vamos fingir de novo que, tá, Coroa é o país mais inocente do universo e não existem famílias da nobreza que querem poder (além dos pais de Hollis, que queriam tanto que a casaram com o cara que ela não queria, já que eles morreram). Não faz sentido nenhum uma rainha-consorte sem uma gota de linhagem real em seu sangue, nem do país em questão e nem de lugar nenhum, só rainha porque casou com o rei, virar monarca sem apoio, sem influência, sem experiência e nem nada. Não faz.
E sabe como eu sei disso tudo? Eu leio livros desse gênero. Leio muitos, aliás, faço pesquisas sobre regras da realeza e de linhagens para meus próprios livros e, mesmo se não lesse ou não fizesse, sei o que é ambição humana. Sei que tem sempre alguém que quer poder.
Depois de rir do tanto que todos esses acontecimentos são ridículos, tive que passar por mais cenas da Hollis se fazendo de rainha incrível e necessária para o país (mesmo que ela não tivesse a menor noção sobre nada de útil para um monarca) até ela parar com seu sofrimento sobre estar afastada do amor da sua vida por ele ser rei de outro país. E só parou, porque teve a brilhante ideia de se casar com ele e juntar os dois países.
Nem vou questionar como as pessoas desses países foram de matar uma à outra durante anos e se odiar tanto, que no começo do livro Etan discutia com Hollis se ela mencionasse um costume de seu país, a aceitar que seriam unidos. Não vou, porque já nem tenho energia para continuar analisando esse livro.
Ou seja, o livro é ruim, muito ruim. Se você já leu algum outro livro de fantasia ou realeza nesse estilo, vai achar esse ridículo, porque ele é. Espero de verdade que a editora e a agente da Kiera Cass só incentivem um projeto futuro dela se ele for minimamente aceitável, porque continuar com livros nesse nível aqui vai ser complicado.
E boa sorte para quem decidir ler mesmo depois dessa resenha!