Vitória 02/08/2023
Eu não tenho muitas lembranças sobre como esse livro veio parar na minha mão. Lembro que no ano passado foi criado um certo burburinho em cima dele, mas que eu ainda estava receosa por saber que a história tinha algo a ver com o Shakespeare. Assim como Tolkien, o maior escritor de fantasia que esse mundo já viu, o Shakespeare não me agrada em nada. Já li Sonho de uma Noite de Verão e Romeu e Julieta e não gostei de nenhum dos dois. Talvez isso tenha acontecido porque fiz essas leituras muito nova? Talvez, mas na verdade acho que teatro nenhum me agrada, é difícil pra mim visualizar e me envolver com uma narrativa escrita de uma forma tão diferente. Enfim, não lembro os motivos que fizeram esse livro entrar na minha casa mas, já que ele estava aqui, eu decidi lê-lo.
A melhor parte dessa obra talvez seja o fato do Shakespeare não ter importância alguma pra narrativa até os 70% do livro. O boy sequer é citado, e nunca se faz presente. Na verdade, os grandes protagonistas aqui são o Hamnet (por motivos óbvios) e a Agnes, mãe dele, que pra mim chega até a ter mais destaque do que ele. A autora cria toda uma aura fantástica em volta dessa mulher, sobre ela ter nascido no meio da floresta, conhecer os seres que a habitam, sejam eles físicos ou não, e utilizar dos conhecimentos que eles passam pra ela pra curar os outros. O trecho no qual a autora conta a "lenda" sobre a vida dela é de longe o meu favorito da história inteira. Isso traz um tom diferente pra uma obra que trata, na sua essência, de assuntos domésticos, do cotidiano.
Acho que a alternância entre capítulos do presente e do passado ajudou pra que a leitura caminhasse e fosse mais fluida. Eu gostei de acompanhar o dia a dia da família já consolidada, com sua casa e as crianças crescidas, mas ao mesmo tempo tinha curiosidade pra saber como aquilo tudo teve o seu início, e a autora sabe usar dessa curiosidade pra instigar o leitor. E o melhor de tudo é que, mesmo que a gente saiba onde todas aquelas tramas do passado vão terminar, elas não deixam de ser interessantes, porque o romance entre a Agnes e o Shakespeare (que, aliás, em momento algum é chamado dessa forma aqui) é muito cativante. Eu achava lindo ver os dois se apaixonando e construindo a sua família, ao mesmo tempo em que sentia ódio dele por ter ido embora (ainda que, como a Agnes, eu consiga perceber o quão necessária era a partida dele pro bem-estar da família financeiramente falando) e por todas as traições que acontecem. É incrível como a autora constrói uma história onde o Shakespeare está sim presente, ainda que às vezes não fisicamente, mas que não depende dele, nem das obras que ele escreve, pra andar ou ser entendida. No fim das contas, ele é um mero coadjuvante.
Nas últimas 100 páginas o livro se torna muito doloroso, e a autora deixa a história muito crua, não poupando o leitor de nada. Acho que esses trechos foram os que mais se aproximaram da verdade sobre uma mãe que perde um filho que eu já li na minha vida. Ela narra com maestria as cenas em que o Hamnet adoece e morre, e o desespero que toma conta da Agnes nesses momentos, mas acho ainda mais importante o que ela faz depois. Porque a dor não desaparece depois de 6 meses ou um ano que você enterra o seu filho, e ela sabe passar isso muito bem aqui. Como a gente percebe a passagem do tempo pelos outros personagens e não pela Agnes, porque pra ela é como se o tempo tivesse parado e os dias fossem iguais sem ele. Como ela se sente rejeitada pelo marido ao saber das suas traições, ao mesmo tempo em que tem ódio dele por não vê-lo sofrer da mesma forma que ela. Acho que eu sequer tenho palavras para descrever tudo o que senti aqui.
Confesso que o final me decepcionou um pouco, em primeiro lugar porque não gosto de finais abertos. Eu sentia necessidade de um embate entre a Agnes e o Shakespeare, uma resolução pro conflito que é construído desde o momento da morte do Hamnet, e não temos isso aqui. Em segundo lugar porque o final foi o único momento em que eu senti que ter feito uma leitura prévia da obra do Shakespeare poderia ter feito diferença na minha experiência. Temos a descrição de algumas cenas da peça de Hamlet pelos olhos da Agnes, mas são coisas muito espaçadas, e que foram notadas por uma pessoa que já chega ali procurando algo, e não tentando entender a história na sua totalidade. Como eu não conheço absolutamente nada de Hamlet, e nunca li sequer um resumo, fiquei meio perdida. Se algum dia eu voltar a ler Shakespeare só pra me decepcionar pela terceira vez, a culpa vai ser toda dessa mulher. De toda forma, é uma obra incrivelmente bem escrita. Tenho outro livro da autora na estante, e a curiosidade sobre ele só aumentou depois dessa leitura.