spoiler visualizaranjú 17/03/2024
Um romance sobre luto
A Maggie O?Farrell foi extremamente brilhante ao criar essa ?ficção histórica? e utilizando dos raros registros históricos acerca do Shakespeare e sua família, escreveu poeticamente uma história tão sensível.
desde as primeiras páginas eu já sabia que a narrativa iria se tornar uma das favoritas da minha vida. que experiência maravilhosa foi ler esse livro! você imerge dentro dos cenários tão facilmente, você sente tudo ali que está escrito, cada sentimento, cada emoção, você chora, fica feliz, sente angústia e passa pelo luto junto com os personagens principais.
não tem como não se apegar e não se tocar com a mãe e o gêmeo que falece, passar raiva com a filha mais velha e principalmente com o pai ausente e suas peculiaridades, seus sentimentos difíceis de engolir e lidar, chorar e sofrer com a gêmea que ficou viva.
sinto que um pouco depois da parte do luto, o livro se arrasta pelas últimas páginas mas isso se dá pelo fato do distanciamento frio e bruto imposto pelo luto do pai somado com o luto arrastado da mãe, torna essas páginas pesadas, maçantes.
no entanto, no final da narrativa, a relação que a autora faz com o luto do Shakespeare e a peça em homenagem ao filho com a mãe assistindo na plateia, é de se emocionar! só consegui pensar no quanto a arte abraça, acolhe, se mistura entre o real e o não real, fusa a confusão de sentimentos, representa palpavelmente dores e alegrias. viva todas as obras brilhantes desse dramaturgo, viva arte, viva o teatro.
?Hamlet, nesse palco, é duas pessoas: o jovem, vivo, e o pai, morto. Está ao mesmo tempo vivo e morto. O marido o trouxe de volta à vida, do único jeito que é capaz. Quando o fantasma fala, ela percebe que o marido, ao escrever o texto, está assumindo o papel do fantasma, trocou de lugar com o filho. Pegou a morte do filho e a tornou sua; pôs a si mesmo nas garras da mor-te, ressuscitando o menino em seu lugar?.
?Por enquanto, ela está bem na frente na plateia, junto ao palco, agarrando com ambas as mãos a beirada de madeira. A um braço de distância, talvez dois, está Hamlet, seu Hamlet, como estaria agora se tivesse sobrevivido, e o fantasma, que tem as mãos do marido, a barba do marido, que fala com a voz do marido.
Estende um dos braços, como se quisesse dizer que está ali, como para sentir o ar entre os três, como se desejasse romper a fronteira entre plateia e atores, entre a vida real e a ficção.
O fantasma vira a cabeça em sua direção, enquanto se prepara para sair de cena. Olha diretamente para ela, e seus olhares se encontram enquanto ele diz sua derradeira fala:
? Lembra-te de mim.?