spoiler visualizarmalusilva_ 13/04/2024
Uma contribuição valiosa para a discussão sobre o aborto
Esse livro trata de um acontecimento, mas é definitivamente um acontecimento em nossas vidas. Para mim especialmente porque veio em um combo: junto com um episódio de podcast e um documentário sobre aborto. Uma tríade sobre a experiência humana com a simultaneidade da vida e da morte. Me ajudaram muito a compreender a questão não apenas em um nível de "a legalização é uma questão de saúde pública", mas como essas experiências perpassam a vida subjetiva e pessoal dessas mulheres.
No início, eu me impressionava com o desespero, e ao mesmo tempo a frieza da dela. A dissociação do mundo real, porque afinal, é difícil acreditar quando uma coisa que pensamos só acontecer aos outros, acontece conosco. E no caso dela, tudo o mais se torna supérfulo...
"Não estava mais no mesmo mundo. Havia as outras garotas, com seus ventres vazios, e eu."
Depois vem a humilhação, o desprezo do médico, as caras que assombro das pessoas a quem ela contava sobre "aquilo". E o desespero de achar uma solução, que leva primeiro à agulha de tricô.
"E, como de costume, era impossível determinar se o aborto era proibido porque ruim, ou se era ruim porque era proibido. Julgava-se de acordo com a lei; não se julgava a lei."
Nesse meio do texto eu me perdi um pouco devido às leituras fragmentadas, ou talvez tenha me sentido perdida haja visto o próprio estado da autora, que vivia uma "história da qual não se sabia o fim".
Fico pensando nessa colocação que ela faz, de como os homens tinham um assombro misturado com fascínio quando ela contava a eles que estava grávida e iria abortar. E foram vários os homens os quais ela atribuiu essa reação.
"Meu desejo de abortar suscitava uma espécie de sedução."
Agora, o acontecimento em si é brutal. Medo, espera, dor, abandono, violência... tudo se mistura. Me emocionei com o momento do aborto, e o que se seguiu adiante.
"Então eu tinha sido capaz de fabricar isso. (...) Choramos silenciosamente. É uma cena sem nome, a vida e a morte ao mesmo tempo. Uma cena de sacrifício."
E então eu me arrepio e me indigno com as cenas do hospital...
"De experiência pura da vida e da morte, ela se tornoi exposição e julgamento."
Sinceramente, só lendo para tentar entender o que foi o acontecimento. Se é que algo como isso cabe em palavras. Annie Earnoux pelo menos tentou, e deixou um valioso e inquietante relato. É um texto curto, mas intenso.
"Terminei de por em palavras isso que se revela para mim como uma experiência humana total, da vida e da morte, do tempo, da moral e do interdito, da lei, uma experiência vivida de um extremo a outro pelo corpo."