Nicolas388 01/01/2023
"Por mais que progridam, os humanos nunca nos compreenderão"
Foi um livro interessante e que me trouxe certo conforto (e desconforto também) nestas semanas difíceis. O gato-narrador é incrível, tão sarcástico e tão confiante de sua superioridade intelectual. Trata-se de um grande livro, pois, apesar de momentos engraçadinhos, ele se propõe a reflexões e um olhar de fora sobre a humanidade.
O livro pertence a tradição do eu-romance (???), um tipo japonês de literatura confessional que contém, como características principais: uma voz em 1° pessoa, elementos autobiográficos, um narrador-personagem sempre confiável, além de realismo. Pode soar estranho, já que uma história narrada por um gato soa como algo fantasioso, mas ela o é na mesma medida que Memórias Póstumas de Brás Cubas é realista. Os elementos autobiográficos estão no dono do gato, o "professor", um alter ego de Natsume S?seki, que, assim, se expõe através da visão crítica de seu felino. É uma ideia genial, e quem ler verá que o escritor não deixará nem um pouco de dignidade para si, nos evidenciando seus problemas estomacais (que seriam a razão de sua morte, anos mais tarde), suas reflexões, seu egoísmo e sua imbecilidade.
No entanto, o que me trouxe o desconforto foi a misoginia da obra. Há o contexto do autor? Há o fato de ser outra cultura? Há, sim, mas isso não desqualifica os ataques às mulheres que serão feitos, principalmente no último capítulo, onde após fazer um discurso interessante sobre um futuro distópico que aguarda a humanidade, o professor (e não esqueçam, o alter ego de Natsume S?seki) culpa as mulheres, inclusive argumentando que quanto mais mulheres se instruírem mais casamentos acabarão em divórcio e que, a longo prazo, deixarão de existir relacionamentos assim, pois estas desenvolveriam suas personalidades que entrariam em conflito com a de seus maridos, entre outras coisas. Não foi uma coisa que me surpreendeu, já que em vários momentos da narrativa todas personagens femininas são tomadas como insensatas, irracionais e ignorantes. Num livro que se propõe a analisar a humanidade, descartar as mulheres é inadmissível.