Carla.Parreira 02/04/2024
100 Pedaços de Mim (Lucy Dillon). Após passar por um doloroso divórcio, Gina se vê obrigada a recomeçar sua vida do zero. Ao se mudar para um novo apartamento, ela decide adotar um estilo de vida minimalista, mantendo consigo apenas 100 itens essenciais e se desfazendo de tudo o mais. Enquanto faz essa seleção, Gina também reflete sobre sua própria vida, revisitando lembranças difíceis e buscando uma maneira de seguir em frente. A narrativa em terceira pessoa acompanha de perto as emoções e pensamentos de Gina, permitindo que o leitor se conecte profundamente com a protagonista, testemunhando seus anseios e inseguranças. Além disso, a história alterna entre passado e presente, revelando aos poucos as peças do quebra-cabeça do passado de Gina, o que adiciona um elemento de suspense ao enredo e desperta a curiosidade do leitor. O livro aborda principalmente a dificuldade de lidar com mudanças abruptas e perdas, situações comuns na vida que podem causar separações e sofrimento. Além disso, o livro também aborda questões familiares e relacionamentos amorosos. Gina está em busca de se redescobrir após ter enfrentado traumas significativos e precisa lidar com um intenso sentimento de culpa. A perspectiva da morte também está presente em sua jornada, forçando-a a encarar a vida de uma maneira mais profunda. A autora, Lucy Dillon, aborda esses temas com sutileza e delicadeza, proporcionando uma visão sensível e gentil sobre eles. O desfecho do livro me surpreendeu, pois foi muito realista em relação à condição de Gina e ofereceu um acolhimento reconfortante para aqueles que passam por situações semelhantes, além de destacar a importância da prevenção da saúde. Embora haja um romance sendo desenvolvido na trama, ele não é o foco principal, pois Gina é a personagem central da narrativa. Lucy Dillon entrega uma história que nos faz refletir sobre como aproveitar a vida, apesar dos obstáculos que enfrentamos, e sobre as dificuldades que surgem enquanto buscamos superação.
Melhores trechos: "...O vaso duplo com bulbos de narcisos que Gina e Stuart deram para Janet de presente no último Natal que passaram juntos agora começava a mostrar caules verdeclaros com folhas e botões ainda fechados saindo da terra. Estavam bonitos ao lado da porta de entrada, mas não tão bonitos quanto as gloriosas alamandas um pouco mais acima na rua. Gina tocou a campainha e olhou para as plantas, sentindo um pouco de irritação. Quando aqueles bulbos foram plantados em alguma estufa distante no último outono, ela ainda estava casada. E, enquanto encomendava flores extravagantes como presente de Natal para diversos membros da família por volta da uma da manhã, Stuart trocava mensagens de texto às escondidas com Bryony, organizando encontros em Birmingham. Os bulbos do divórcio deles foram plantados na mesma época que a porcaria daqueles narcisos. Até brotaram ao mesmo tempo... Além disso, casamento não é estar feliz o tempo todo. É saber que você é amado... Pensamentos sombrios surgem como nuvens tempestuosas... Gina não sabia se era ela ou algum efeito climático estranho, mas, quando passou pelos portões de ferro do parque, a claridade pareceu mais forte que o normal, como a luz do sol presa sob nuvens carregadas um pouco antes da chuva. Todas as cores em volta dela pareciam tão intensas que machucavam seus olhos: as rosas no canteiro eram de um vermelho aveludado intenso; as folhas, de um esmeralda brilhante. O cheiro de grama recém-cortada a remetia a sanduíches de banana e banhos de sol em tardes de verão depois de jogos com Naomi, um cheiro tão forte que quase conseguia sentir o gosto dele. O calor da tarde tinha deixado o ar pesado, zunindo com as abelhas que seguiam seu caminho de uma flor para outra. O som do expediente acabando também chegava até ali, com o parque se enchendo de gente com mangas arregaçadas e pernas de fora. Gina sentiu cheiro de protetor solar misturado com o suor de um dia de trabalho, perfume e o aroma gostoso de churrasco vindo de um dos restaurantes da rua principal. A pele formigou enquanto ela se abria para absorver tudo ao redor. O calor suave no rosto, o latido distante dos cachorros nos bosques somado ao som do trânsito próximo abafado pelas árvores densas e o barulho de seus passos sobre o cascalho. Era alto demais, claro demais, detalhado demais, mas ela queria deixar que tudo a inundasse e se tornasse parte dela. Preciso estar consciente de cada momento, pensou com intensidade. Preciso que isso seja parte de mim. Preciso estar aqui, presente... Gina apertou o botão da câmera na sua mente. Esqueça o que veio antes ou o que ainda está por vir. Concentre-se neste exato momento, quando você tem tudo de que precisa: isso é viver..."