Geolê 04/11/2016
Só a cosmovisão calvinista é coerente e bíblica ao lidar com a cultura
Na obra é possível observar um interesse cristão de se entender o que é cultura e a forma mais eficaz e coerente de envolver-se com ela é através de uma cosmovisão calvinista.
A obra do Van Til se divide em três partes, sendo a primeira trabalhando mais com aspectos básicos e pressupostos necessários para se entender a visão calvinista, a segunda mostrando exemplos históricos de visões do relacionamento do cristão com a cultura, e a terceira parte apresenta a visão do autor e a conclusão do que ele desenvolve em todo o livro.
A primeira parte, Definindo a questão, Van Til apresenta uma introdução com o propósito do livro, no capítulo seguinte desenvolve um conceito de cultura:
“Cultura [...] é todo e qualquer esforço e trabalho humano feito no cosmos, para descobrir suas riquezas e fazê-las assistirem ao homem para o enriquecimento da existência humana, para a Glória de Deus.”
Já adiantando possíveis questionamentos do leitor, no capítulo seguinte Van Til mostra como religião e cultura estão intimamente ligados (e como a cultura nasce de uma religião, ao invés do oposto), no outro capítulo é apresentada uma definição de Calvinismo onde o autor responde àqueles que supõe que o Calvinismo tem ênfases erradas, quando a verdade é que a ênfase do Calvinismo é a Soberania de Deus e seu governo sobre todas as coisas, e no último capítulo dessa parte ele fala dos efeitos do pecado no mundo afetando a relação cultural. Apesar de haver uma grande mudança, o homem ainda tem os mesmos deveres e obrigações, provindos do Mandato Cultural, mas não tem as mesmas capacidades que teve Adão.
Na segunda parte, Orientação histórica, o autor começa abordando Agostinho e como ele se destacou por buscar entender a diferença entre uma cultura que é santa e uma cultura que é pagã, depois apresenta João Calvino que se destaca por saber envolver-se de maneira eficaz com a cultura em aspectos sociais, econômicos e educacionais, no capítulo que se segue é trabalhada a visão de Abraham Kuyper e seu entendimento de que somente a graça comum de Deus, graça de Deus para todo ser humano, torna possível a existência desse mundo com todos seus aspectos culturais, e por fim é apresentada a visão de Klass Schilder, que desenvolveu um pouco mais a ideia de Kuyper, porém entendia que a base do cristão para o envolvimento na cultura não era a graça comum, mas sim o mandato cultural dando continuidade à obra de Cristo na criação.
A parte três do livro, Considerações básicas a respeito de uma definição, finaliza a obra com ponderações de aplicação do autor. Primeiro estabelecendo que acima de tudo que a cultura calvinista tem como base a Escritura, depois mostrando que tal Escritura é aceita pelo cristão por meio da fé e por ela deve-se viver constantemente, depois entendendo também que há uma distinção entre o que é para a glória de Deus e o que provém do pecado, depois mostrando a relação do cristão e o mundo onde o cristão está no mundo mas não é do mundo, o estabelecimento da cultura calvinista tendo o senhorio de Cristo como autoridade suprema, mostrando também o dever - não uma opção – do cristão envolver-se com a cultura, e no último capítulo o autor discute as visões de Kuyper e Schilder a respeito de graça comum discordando de ambos e baseando-se em Calvino como um bom exemplo de base bíblica.
O livro atende ao propósito de mostrar como a cosmovisão calvinista lida com a cultura de maneira coerente com a realidade e com base nas Escrituras. É bastante louvável tal trabalho. Porém, a primeira parte definindo as questões básicas o autor repete bastante em alguns capítulos o que já foi falado anteriormente. Exemplos dessa repetição é o conceito de cultura ter a ver com o envolvimento com a criação, cultura ser um dever de todo homem, e que há efeitos da queda na criação. Provavelmente ele assim o faz para fixar bem os conceitos calvinistas necessários para se entender o todo do livro, porém se o leitor entendeu bem os capítulos 1 e 2, os capítulos 3 a 5 podem causar enfado na leitura por ser tão repetitivo.
Ao trabalhar com outros autores há uma preocupação em citar fontes (originais e secundárias) de quase tudo o que é dito. Infelizmente isso não acontece nos momentos citando Calvino dizendo que ele “não hesita em deixar paradoxos não resolvidos”, que “reconhecia que a mente finita não é capaz de compreender os caminhos de Deus” e ainda que “a soberania de Deus era a única resposta a esses paradoxos”. Não há uma fonte sequer. Não sei se o autor entendeu que isto já estava claro por causa de outras citações, ou se já tinha sido entendido com base outros pontos, porém sendo o único lugar que isso é citado de maneira tão específica e atributiva, espera-se no mínimo uma citação de fonte da qual ele entende que Calvino assim o diz.
Em linhas mais gerais, a conclusão do último capítulo e o lidar com Kuyper, Schilder e Calvino, dá a entender que todo o livro caminhava para aquele momento, sendo mesmo um capítulo de conclusão, e não tanto uma peça fazendo parte do conjunto da terceira parte.
Posso dizer que O Conceito Calvinista de Cultura do Henry Van Til é uma introdução robusta e coerente de cosmovisão calvinista com boas referências históricas e aplicações práticas instigantes.