Leila de Carvalho e Gonçalves 25/05/2022
É Este Rio
O romance Não É Um Rio (2020) encerra a Trilogia Masculina da escritora argentina Selva Amada, que também é formada pelo livro O Vento Que Arrasa (2012), publicado pela extinta Cosac Naify, e Los Ladrilleros (2013), ainda inédito no Brasil.
Uma trilogia que, como o próprio título indica, versa tanto sobre a crueldade e violência do universo masculino como acerca de seus pactos e alianças secretas. Uma temática que surpreende, à medida que é exposta por uma mulher que também ousa deslocar o cenário cosmopolita da atual produção literária do seu país para a zona rural, mais empobrecida e atrasada.
Com pouco mais de 1 hora de leitura, o romance acompanha Enero Rey e Negro, que decidem levar o filho do amigo morto, Tilo, para pescar no mesmo rio em que seu pai morreu afogado há 15 anos. Acampados numa ilha, o que deveria ser um agradável fim de semana, transforma-se no epicentro de uma serie de conflitos que deságua num desfecho perturbador que, marcado pelos silêncios e enredos subterrâneos, me fez recordar de Pedro Páramo, obra-prima do mexicano Juan Rulfo.
Tendo como fulcro uma piada ouvida por Amada durante um churrasco em família, a narrativa também se destaca pela voz onírica e a maneira que é estruturado o tempo narrativo, isto é, como o passado e presente se alternam acompanhando a vida de diferentes personagens e os sonhos, às vezes, são premonições ou ?ecos do futuro?.
Dona de um estilo estilo enxuto e de frases curtas, a escritora faz do rio uma personagem, portanto não se trata de um rio, mas deste rio cuja profanação tem seu preço.
?Os homens dão um passo para trás e ficam olhando o pequeno incêndio. Por um instante, só há o fogo. Todos calados. César e os outros têm os rostos extasiados. Aguirre observa os olhos brilhantes, as peles rubras e suadas. Parecem diabos saídos do mato. Mas não. O diabo não mora na ilha. O diabo, Aguirre bem sabe, tem que cruzar o rio para chegar aqui.? (Página 65)