jiangslore 12/03/2024
[3/5]
"Vita Nostra", em alguns aspectos - principalmente em algumas de suas temáticas principais -, foi exatamente o que eu esperava. Em outros, foi muito diferente do que eu tinha imaginado antes de ler. Em partes, achei isso positivo: não esperava uma história que estivesse tão intrincada com a protagonista a ponto de apresentar um desenvolvimento tão substancial dela. No entanto, algo que eu não esperava no livro e que não consegui considerar positivo foi o seu tom. Tem algo na abordagem de "Vita Nostra" que é... Estranho. E não de um jeito interessante ou diferenciado, mas sim de um modo vazio, que não traz nada de bom para a obra.
O livro é, principalmente, sobre um sistema educacional que exige demasiadamente dos estudantes - mas não "o impossível" - em troca de um conhecimento misterioso e, supostamente, fundamental. Isso cria uma ambientação muito interessante, na qual surgem diversos questionamentos: "que conhecimento é esse? será que o que é feito para buscá-lo vale a pena? será que é possível adquiri-lo sem se perder? o que é que vai ser perdido no meio do caminho?"
Acredito que o desenvolvimento da protagonista, Sasha, dentro desse contexto é o ponto mais interessante de "Vita Nostra". Há tantas mudanças, sutis ou drásticas, que ocorrem com ela durante o livro; e o ritmo de leitura permite que tais mudanças sejam aceitas como desenvolvimentos naturais - só quando a própria narrativa convida o leitor a perceber o quanto Sasha mudou que isso fica verdadeiramente evidente. Claro, isso só é aplicável às mudanças internas da personagem, porque as externas e as relacionadas com suas habilidades são bem óbvias. Além disso, o relacionamento de Sasha com a família foi um ponto muito interessante, que eu não esperava ter gostado tanto quanto gostei.
No entanto, há um problema: os questionamentos que mencionei anteriormente nunca são satisfatoriamente respondidos. Entendo que isso provavelmente foi uma estratégia - se um livro aborda algo que é supostamente perigoso, fundamental e importantíssimo, às vezes é melhor não entrar em detalhes sobre essa coisa. A imaginação dos diversos leitores pode fazer maravilhas que o escritor nem mesmo chegou a considerar.
Acredito, porém, que para isso ser atingido, deve haver uma construção satisfatória na escrita - o próprio modo que o livro é escrito, ou que a história é contada, deve evocar os sentimentos desejados no leitor, de modo que ele terá uma reação visceral mesmo que não saiba em detalhes ao que está reagindo. E, infelizmente, não senti que "Vita Nostra" foi bem-sucedido ao fazer isso; com a exceção de algumas cenas isoladas.
Além disso, penso que o livro é demasiadamente longo para uma construção como essa dar certo. Um mistério só é interessante até certo ponto. Depois disso, ele só fica enfadonho.
Outro ponto negativo em "Vita Nostra", na minha opinião, foi o tom da obra. Combinada com a vagueza (que é compreensível, mas, para mim, passou dos limites), a seriedade com que diversos temas são abordados faz com que tudo pareça um pouco... Bobo. O que é uma pena, pois a premissa do livro realmente é muito interessante.
A tonalidade também foi um problema na minha leitura com relação ao tratamento de mulheres dentro da narrativa. O ensino ao qual os personagens são submetidos, dentre outras coisas, trazia a imposição de comportamentos sexuais (muito mais para alunas do que para alunos). E, com isso, não quero dizer que o livro é promíscuo - na verdade, ele reproduz a opinião já muito conhecida no senso comum de que uma mulher não pode ser uma "virgem", mas também não pode ser uma "🤬 #$%!& ". Para um conhecimento supostamente tão revolucionário e fora da concretude do mundo humano, essa perspectiva (imposta pelos professores diversas vezes) é conservadora e conhecida até demais no nosso mundinho humano.
O fato de "Vita Nostra" adotar o ponto de vista de uma mulher torna tudo isso muito difícil de ignorar. E, associada com toda a estranheza (novamente, não é uma estranheza "positiva") causada pela narrativa, acredito que o questionamento de até que ponto esse aspecto livro é narrado para ser criticado, ou de até que ponto ele é algo realmente colocado dentro da história como positivo ou necessário; é inevitável. E essa dúvida, na minha opinião, permaneceu até o final da leitura - e isso não é algo que considero positivo.
Dito isso, "Vita Nostra" não é um livro que eu chamaria de "ruim", mas, ao mesmo tempo, não é um livro que eu indicaria para muitas pessoas. Acho que muitos ficariam impressionados com a obra, mas não penso que é uma leitura que pode ser feita sem um pouco de senso crítico; para perceber que os autores, em muitos momentos, caem em armadilhas simples só pelo bem de causar algum choque com algo superficialmente "diferente". Mesmo assim, não me arrependo da leitura, pois ela, no mínimo, matou a curiosidade que eu tinha sobre o livro.