linotea 24/11/2023
Bem escrito e perspicaz, mas...
Primeiramente, parabéns à editora: que edição linda. Por vezes eu simplesmente admirava a capa do livro, e ia notando todos os elementos da história "escondidos" no desenho. A diagramação é perfeita. Lindo, lindo, lindo!
Quanto à obra em si, sinto uma mistura de emoções.
A ESCRITA
A história é muito bem narrada. Eu me sentia o próprio Winston; descobria as coisas conforme a personagem descobria. Tudo que era para me surpreender, me surpreendeu. A descrição dos cenários e personagens e a própria descrição de mundo foi sempre muito bem feita, de modo a passar muito bem as emoções necessárias para o aprofundamento na história. Além disso, até as transições que eram feitas entre os assuntos dentro dos parágrafos era sutil e esperta. Gostei muito e aprendi muito.
O ENREDO
É instigante. Achei monótono em muitos momentos, mas creio que essa era a intenção. Winston é um trabalhador do Partido Externo, e seu trabalho é muito curioso; a sua vida, em si, é monótona, repetitiva, mas o mundo à sua volta a torna interessante, uma vez que Winston está ciente da monotonia induzida pelo regime vigente e aponta isso com um anseio pela mudança.
Quanto ao romance com Júlia, achei meio sem sal, sem o "amor" que Orwell tenta vender, mas talvez eu só veja romance de uma maneira diferente.
Há, na história, algo muito mais interessante: os elementos abstratos. O peso de papel com a alga, a música das igrejas, as memórias de Winston com a família e os seus sonhos... Isso tudo é deixado em aberto, mas faz sentido. De alguma forma, faz sentido dentro do enredo e cria imagens fortes dentro da sua cabeça; te aproxima, também, da personagem principal, pois sequer ele compreende essas coisas racionalmente, além do sentimento. Eu adoro essa filosofia.
E, acima de tudo, eu amo como os eventos se desdobram durante o livro. Há reviravoltas que eu simplesmente não via chegando.
O MUNDO
Confesso que, a princípio, o mundo não me surpreendeu muito. Acredito que se eu tivesse lido a obra antes de ter dado início aos meus estudos sobre totalitarismo e Indústria Cultural, teria sido mais impactante. Mas, por já ter estudado, por muito tempo senti que era tudo muito "óbvio". No entanto, conforme a história foi se aproximando ao fim (Winston encontrando O Livro e a parte 3), tudo foi mostrado sob uma outra perspectiva, e aí sim achei mais interessante, mais inteligente. Há, sim, elementos muito perspicazes. E eu sempre me interessei por todo o conceito por trás da Novalíngua: genial!
A TEMÁTICA
Não é qualquer pessoa que deveria ler 1984, porque é fácil confundir as coisas. George Orwell é uma pessoa decepcionada com os rumos que o comunismo soviético, tão promissor, havia tomado com o estabelecimento de um regime totalitário. O livro traz elementos que conversam, sim, com outras ditaduras (até porque todas são autoritárias), mas Orwell estava falando da URSS, e ele deixa isso bem claro em muitas passagens. Seus argumentos são válidos. No entanto, é muito fácil um leitor acreditar que o socialismo é naturalmente totalitário, invés de perceber que Orwell está representando um regime específico. Por isso a obra deve ser lida com atenção. As reflexões causadas por ela são necessárias (até porque certos elementos podem ser associados a muitas outras realidades, inclusive contemporâneas), mas acredito que a leitura deve ser cuidadosa.