Tuca 22/10/2021Lição 01: se for casada (o), nunca coloque outra mulher (ou homem) dentro de casa;
Lição 02: é muito provável que sua mãe esteja certa sobre aquela amizade que ela fala que não presta;
Lição 03: quem com ferro fere, com ferro será ferido;
Lição 04: “Como é fácil aos felizes, perdoar”.
Leonora é um romance epistolar ambientado na Inglaterra e publicado no período do reinado do Rei George III, escrito por Maria Edgeworth, uma das autoras mais adoradas por Jane Austen. A troca de cartas dá ao enredo um caráter de narrativa nada confiável, quando de início Lady Olivia, uma francesa exilada de sua terra natal, é vista sob vários prismas diferentes dependendo de quem fala sobre ela. Quem estava certo afinal sobre essa escandalosa dama?
A vida da virtuosa inglesa Leonora é a corrente que une todas essas cartas. Suas dúvidas, anseios e atitudes parecem ser a lição que Maria deseja passar de como uma mulher digna deveria ser e se comportar. E não parece ser ao acaso que não apenas os dois opostos das histórias carreguem nacionalidades diferentes, mas personalidades. Como a obra foi publicada em uma época de grandes tensões entre Inglaterra e França, as personagens femininas ultrapassam um pouco quem são para serem também estereótipos de suas nacionalidades de maneira muito parcial. Há claramente uma elevação da cultura inglesa em detrimento da francesa e até mesmo da russa comentada em menor proporção, um excesso de nacionalismo, que tem certos ares xenófobos.
Saindo da nem tão disfarçada trama geopolítica desse livro, e indo em direção aos aspectos pessoais, temos a história de um casamento e todas as influências que podem ocorrer para levá-lo a um caminho ou outro. Mr. L*, marido de Leonora, é um babaca completo, mas é constantemente aconselhado pelo General B**, o ser humano mais sensato, divertido e sem papas na língua desse romance, porém Mr.L* simultaneamente sofre também influências de um outro polo da situação, oposto em interesse e repleto de sentimentalismo fútil.
Na introdução dessa edição é comentado que Maria escreveu “Leonora” na época em que pensava acerca de uma proposta de casamento ao qual ela recusou para ficar próxima à família. Lendo um pouco de sua biografia escrita por Helen Zimmern, fiquei com a sensação de que Mr. L* tinha traços do pai de Maria, uma vez que mesmo sendo um completo imbecil aos olhos de qualquer pessoa com um pingo de bom senso do século XXI, Mr. L* é descrito como uma vítima da situação. O pai de Maria também não foi lá flor que se cheire, tendo sido casado quatros vezes (e duas de suas esposas sendo irmãs), foi pai de 22 filhos e não teve vergonha de dizer em suas memórias que já era apaixonado por sua segunda esposa, quando ainda casado com a primeira. Maria, no entanto, tinha um enorme carinho por ele, e foi ele que a incentivou a escrever, e tentou lhe introduzir muitas das virtudes positivas que ela insere em seus romances, em uma época que o ato de escrever não era bem visto para as mulheres.
“Para o ignorante e o depravado, o amor exerce um poder desconhecido e distorcido. Mas para o bom e o sábio, existe um poder de comunicar nova energia a todas as faculdades da alma, de exaltá-las, ao mais estado de perfeição. A amizade, que mais tarde sucede a tal amor é, talvez, a maior e certamente a benção mais permanente da vida.”
“Leonora” é uma troca reflexiva e filosófica acerca das formas de amar e da virtude da integridade. Sentimos e expressamos amor a partir daquilo que temos dentro de nós. Agimos dentro do que é bom e direito a partir do que somos ensinados a ser, e nem sempre valorizamos os tesouros que temos. Não se deve esperar sentimentos dignos de quem não tem isso para oferecer. Infelizmente, “Leonora” pode ter um final considerado feliz para o século em que foi escrito, mas para a mentalidade atual, a conclusão da história é um tanto controversa e não me agradou. Mas a jornada até ela valeu muito a pena: cheia de emoção, revolta, raiva, paixão, ciúmes, loucuras, dúvidas, amor e esperança. Tudo isso descrito pela deliciosa escolha de palavras de Maria Edgeworth.
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