Pandora 01/10/2023Stefan Zweig é um de meus escritores prediletos. Amo seu refinamento linguístico e o viés psicológico de suas histórias. Sua literatura nunca se finda, é para ser lida e relida.
Esta história tem início numa viagem de navio entre Nova York e Buenos Aires durante a Segunda Guerra Mundial. O narrador descobre por um colega que vai despedir-se dele, que o grande campeão de xadrez Czentovic está a bordo. Este gênio do xadrez era intelectualmente limitado, não era capaz descrever corretamente uma única frase e jamais conseguia memorizar uma única partida. Porém, após ter vencido tantos intelectuais e homens brilhantes e de ter ganhado rios de dinheiro, sentia-se a pessoa mais importante do mundo, era frio e arrogante. Paralelamente, havia no navio um austríaco discreto, calado, educado e inteligente que estava numa etapa de seu exílio e que apesar de não jogar uma partida de xadrez há 25 anos, ao intrometer-se numa partida em andamento, passa a representar uma ameaça ao campeão. Então o livro é sobre um jogo de xadrez? É muito mais do que isso.
Confesso que tive muita dificuldade nesta leitura. Levei uma eternidade e é uma novela de 60 páginas!, seguida do posfácio maravilhoso de Mariana Holms. É que eu não conseguia deixar de pensar que esta era a despedida de Zweig, que assim como o personagem dr. B precisou enfrentar o grande campeão em uma partida de xadrez para exteriorizar o período traumático vivido quando estava à mercê da Gestapo, esta narrativa foi a catarse de Zweig, a primeira e última vez que escreveu com clareza sobre o regime nazista, antes de se despedir deste mundo no nosso Brasil. Neste que ele chamou de “país do futuro”; mas não havia futuro para aquele homem sensível e pacifista tremendamente machucado pela guerra.
Fico pensando se quando ele se decidiu a escrever, tudo já estava planejado; se ele sabia que ao colocar em palavras o que levava dentro de si, não seria mais possível continuar. Por isso, apesar do brilhantismo de sua narrativa, eu fiquei triste, triste, triste. Mais do que afligir corpos, a guerra esfacelou mentes.
“Os outros queimaram o navio atrás de si, se americanizaram, até desistiram da sua língua - eu estou muito velho para tudo isso.“ (Stefan Zweig numa carta ao amigo Felix Braun)