Renata 24/07/2022
⭐⭐⭐⭐
Que livro! Que pequeno grande livro! Quanto mais penso sobre o que acabei de ler, mais aspectos interessantes consigo vislumbrar.
Este não é o seu lar é o livro de estreia de Natasha Brown, uma autora inglesa, originalmente formada em matemática, e que consegue sintetizar em seu texto temas como racismo, sexismo, dívida histórica dos países colonialistas, a manipulação da história e a tentativa de criar narrativas. E apesar do registro como ficção, nós nos deparamos com reflexões de temas muito concretos como o tokenismo e a solidão e estereotipização da pessoa negra, o ressentimento das pessoas brancas, a manutenção dos privilégios de uma classe que continua se beneficiando indefinidamente dos frutos do imperialismo, da escravidão e do racismo.
Discordo totalmente de uma expressão divulgada a propósito do livro, que diz que ele trata das "micro agressões" cotidianas da vida de uma mulher negra. Entendo que ao obrigar um sujeito a assentar sua vida em uma sociedade que te desumaniza, te persegue e objetifica, não podemos utilizar o termo "micro", não há nada de pequeno nestas ações que perpetradas continuamente contra um indivíduo pode mesmo levá-lo à decisão que a narradora da história chega.
A perspectiva do texto é a de uma mulher negra, inglesa, de ascendência jamaicana, que a despeito de todas as dificuldades que todos conhecemos, consegue fazer "tudo certo" e ascender. Ascender socialmente? Não necessariamente. Aqui vemos uma diferenciação interessante, por que ela acaba de ser promovida no banco em que trabalha, ganha muito dinheiro com seu trabalho, mas nada disso é suficiente para de fato a integrar socialmente, para que seja considerada de fato pertencente àquela sociedade. É interessante notar que isso deve ser muito mais nítido na sociedade inglesa, com seu fetiche por suas tradições, reis e princesas, a oposição entre um indivíduo que ascende socialmente e aqueles a quem tudo esteve dado desde sempre, aquele dinheiro velho repassado geração após geração.
Esta mulher, que não recebe nome na história, o que convenhamos é sintomático, visto que se o nome próprio é aquilo que individualiza o sujeito, a negação de um nome é justamente o retrato de sua objetificação. Enfim, esta mulher, negra, bem sucedida profissionalmente, quando a conhecemos ela está atravessando um grande viés em sua vida, que é a descoberta de uma doença grave. Ainda que passando por um turbilhão, ela continua sua marcha, assim como foi ensinada desde sempre, cabeça baixa e seguindo em frente. Assim lida com a relação com o namorado, branco, e sua família, lida com o assédio no trabalho e com a toxicidade do mundo como um todo, mas este novo viés acaba se conformando em um dispositivo de liberdade, ainda que essencialmente trágico.
Se em algum momento de sua vida você esteve em lugares em que se perguntou "o que eu estou fazendo aqui?", você sabe do que este livro está falando.