Leila de Carvalho e Gonçalves 20/06/2022
O Espólio
De Pedro Mairal, Salvatierra acaba de ser publicado com o selo da Editora Todavia e é bem possível que você já tenha ouvido falar do escritor, pois seus dois livros anteriores, A Uruguaia e Uma Noite Com Sabrina Love, foram bem recebidos pelos leitores brasileiros. Por sinal, algo já esperado, já que ele é uma das vozes mais promissoras da atual literatura latino-americana.
Em apenas 112 páginas, o romance relata o destino do espólio de Juan Salvatierra. Um homem simples, dono de poucos bens pessoais, afora a casa onde viveu e um barracão cujo conteúdo se distingue pela peculiaridade. O falecido foi um artista plástico anônimo que, dos 20 aos 80 anos, pintou ininterruptamente uma única obra que, dividida em longos rolos de telas, corresponde a 4 quilômetros de extensão. Nela, ele registrou cada acontecimento de sua vida como também o dia a dia de seus familiares e do povoado fictício de Barrancales onde viveu.
Seus herdeiros são os filhos: Luís, o mais velho, e Miguel, o narrador dessa história. Em comum acordo, eles decidem vender a gigantesca obra e enquanto o primeiro tenta fechar o negócio com um interessado, o Museu Röell; o segundo parte em busca de um rolo desaparecido, pois sua ausência certamente diminuirá o valor da oferta.
Em linhas gerais, essa é a trama de Salvatierra, um romance que traz à pauta a curiosidade de Miguel por um homem que só conhecia sob a perspectiva de ser seu pai. Um desafio que lhe trará boas e más surpresas, alegrias e decepções, inclusive, como Juan enxergava a paternidade e o próprio filho.
Para Mairal, a despeito de ter sido publicado originalmente em 2008, Salvatierra manteve intacto o seu frescor, ao contrário de seus outros romances que tratam da relação entre casais, um assunto que vem passando por significativas mudanças, enquanto que o laço entre pai e filho tem provado ser mais resiliente a passagem do tempo.
Aliás, conforme o escritor, o tema mais importante do livro são as transformações temporais, ou seja, de que forma elas são sentidas por Miguel que, ao retornar a Barrancales depois de muito tempo, não reencontra o povoado que guarda na lembrança, acaba redimensionando a opinião sobre quem foi Juan Salvatierra e também se redescobre.
Inspirado em a Terceira Margem Do Rio, de Guimarães Rosa, esse é melhor romance de Mairal. Sua narrativa, feito um oroboro, remete ao ciclo da vida e é capaz de arrancar aplausos e até uma lágrima dos corações mais empedernidos. Será que um deles é o seu?
Nota: As declarações do escritor foram extraídas de uma entrevista concedida a Folha de São Paulo, em 5 de novembro de 2021.