Mari 20/03/2022
Decepcionante
Em primeiro lugar, isso não é um ataque à pessoa Natália, mas fiquei decepcionada com a obra dela e é meu direito deixar minha opinião sincera sobre o produto. Sabendo que a autora dá aulas, eu esperava um livro pelo menos consistente e interessante. Imagina a minha surpresa quando eu vi que a autora sequer dominava técnicas básicas do "mostre, não conte". A propósito, para quem estava reclamando de que o livro parecia rápido demais nas resenhas, esse é o motivo, ela não mostra quase nada, só conta.
Raramente fico com tanta raiva quando leio um livro, mas esse foi tão decepcionante que não deu pra engolir. Por que a decepção? Vou analisar cada aspecto da obra. Cuidado com SPOILERS, pois para analisar, preciso falar dos acontecimentos.
Primeiro, o romance. Eu nunca vi um instalove mais sem noção do que esse. Jim chega já dando em cima de Pryia desde que coloca os olhos nela e pra quê? Eu não sei, pois estava noivo. Não importa que ele mal tenha visto a noiva dele, era um comprometimento e se ele fosse um homem decente, não iria ficar dando em cima da primeira garota que aparecesse. E, por ele ficar dando em cima dela logo de cara, tudo o que conseguiu de mim foi 1- me irritar, e, 2- não me deixar sentir a evolução do relacionamento deles, então não sei quando eles começaram de verdade a gostar um do outro, só sei que logo nos primeiros capítulos eles já estava "rolando um clima" mal escrito.
Sobre os personagens. Os secundários eram super rasos, tipo com a profundidade de uma colher de chá. Estavam lá somente para servir aos propósitos dos protagonistas ou de mudar de ideia de acordo com a vontade da escritora. Totalmente vazios e sem personalidade.
O vilão? Nada além de um babaca. O maior crime do "terror dos sete mares" foi dar um pé na bunda da protagonista. Faz sentido pra você? Calma que ainda piora. Pryia e ele tiveram relações, até que ele a abandona num porto depois que conseguem um mapa que leva um tesouro com um elixir que pode conceder os poderes de um deus à quem beber. E, adivinhem, só ela consegue ler o mapa. Porque ele dá um pé na bunda dela com algo tão importante, eu não sei. Simplesmente não faz sentido. O pior é que ele tem chance de fazer coisas terríveis, inclusive matar o próprio irmão e não o faz. Na verdade, além de ser obcecado por poder e capturar a Pryia eventualmente, e ameaçar a amiga dela, Jas, ele não faz NADA verdadeiramente "vilanesco".
Sobre Pryia. Além de ter um nome legal, ela quase que poderia ser uma protagonista interessante, se não fosse exageradamente perfeita e todo mundo a adorasse assim que colocasse os olhos nela ou quando os personagens diziam o quanto era linda e inteligente. Nossa, que irritante!
E o interesse amoroso, Jim? Ele queria matar o irmão por ter se deserdado e isso quebrou o coração da mãe deles. Na verdade, não lembro se o irmão se deserdou ou se o pai fez isso, mas o motivo é mais estúpido ainda. Era porque ele tinha inveja de que o irmão mais novo se vestia e se portava melhor do que ele. É também interessante notar que no início, ele era retratado como um "almofadinha", e, engraçado que quando o romance começa a prevalecer, essa característica simplesmente some.
Mais pro meio, Jim também demonstra ser extremamente egoísta quando convence sua mãe a descobrir quem a noiva dele gosta pra que ele possa dar um jeito de incentivar ela e o "crush" a ficarem juntos para que a família dele saísse ilesa do casamento arranjado. Assim, que [*****] a família e a reputação da noiva, neh?
Sério, se pensar bem, Jim até tinha mais características de vilão do que o próprio "terror dos sete mares"... mas isso também não era difícil, pois Leonardo é decepcionante como vilão.
Ah, e como Jim sabia que ela tinha um crush? Ela tinha 19 anos, e todo mundo com 19 anos gosta de alguém. E sim, o Jim literalmente fala isso (um adendo, eu não tinha crush quando tinha 19, tah?). Como se não bastasse, no jantar de noivado dele com a menina, é revelado que o crush da noiva era a princesa do reino. Sim, era um relacionamento homossexual em plena sociedade dita tradicional, mas que foi progressista o suficiente para aceitar não apenas o rompimento de um noivado marcado há 10 anos como um relacionamento homossexual na corte. E todo mundo bate palma. Num momento, ela diz que a sociedade era tradicional e arcaica a ponto das noivas temerem ser mortas ao se revelarem, no outro, está todo mundo animado com duas coisas que seriam completamente absurdas, dado o contexto. Cadê o sentido???
Quer ser inclusiva, muito que bem, apoio totalmente, mas poderia ao menos ser de um jeito que fizesse sentido. Poderia ser de um jeito que não obliterasse por completo a minha suspensão de crença com algo tão exagerado. Teria sido mais interessante se a Jas fosse lésbica ou até mesmo se a Pryia fosse bi e o Leo tivesse matado a namorada dela por ciúmes.
E, claro, eventualmente, os pais de Jim (que tinham tudo para detestar a garota), começam a ficar encantados por ela em tipo duas páginas contadas só pra dizer que não tinha nada impedindo o casalzinho além do vilão.
Agora, vou para a parte complicada. A escrita da autora.
Esperava que, mesmo que não gostasse da história, poderia reconhecer que ela entende de técnicas e as usa bem. Doce ilusão.
A escrita dela é a pior parte, completamente amadora. Talvez exageradamente poética em algumas partes e por isso quase bonita em raros trechos, mas redundante, repetitiva e rasa. Palavras bonitas não escondem uma história sem sentido, personagens vazios, um romance torto e motivações risíveis.
A escrita dela é CHEIA de repetições. Nos primeiros 5 capítulos, lembro dela ter usado o recurso de repetição pelo menos 1 ou 2 vezes por capítulo. Pra quem não sabe, esse é quando um autor repete uma frase parecida 3 vezes com poucas alterações de forma consciente para enfatizar algo. O negócio é que deve ser feito com muita moderação, ou deixa o texto... bem, repetitivo.
Sem contar a redundância. Teve uma vez que ela escreveu "as poucas e raras pessoas que sabiam fazer...", mas algo raro é escasso. E tem isso por todo o texto, mas esse foi apenas um dos que lembro.
Ah, e mencionei que tem partes que ela troca o tempo verbal? Ela escreveu a maior parte da história com narração no passado, mas principalmente no meio, ela passa algumas vezes para o presente. Algo que acontece com qualquer um, mas que deve ser revisado.
E só pra constar, "vossa graça" é usado apenas para quem tem título de duque, não de marquês. E pelo o que eu lembre, Jim não poderia ser marquês enquanto o pai estivesse vivo, apesar da autora fazer referência a ele com o título várias vezes. Ou seja, sequer houve um tipo de pesquisa para esses detalhes. E antes que alguém diga que ela pode ter a liberdade para fazer o que quiser no mundo dela, isso poderia acontecer, se ela deixasse claro na história.
A narrativa tem a sutileza de um mamute. Tem várias coisas que ela poderia fazer um "foreshadow" de forma suave, dar pequenas pistas até chegar o momento da revelação, mas não. A autora tem a necessidade de explicar tudo pro leitor, como se fôssemos uns idiotas que precisássemos de cada detalhe mastigado para entender. Eu várias vezes me peguei pensando "não? jura que ele fez isso por causa disso?" de tantas vezes que ela precisa explicar e desenhar o que acabara de mostrar.
Existe também uma coisa chamada "show, don't tell", que é traduzido como "mostre, não conte". Isso é um recurso literário que todo escritor já deve ter ouvido falar e deve estudar para tornar seu texto mais interessante. E pelo visto, ela não tem a menor noção de como usar isso. Logo no início, ela passa umas 7 páginas CONTANDO a história da Pryia até o momento em que a história começa, explicando tudo (e o pouco que mostra) de uma forma que foi dolorosamente óbvia.
Ou seja, ela usa o "contar" logo de cara jogando um baita "infodump" chato na cara do leitor. Infodump é quando o autor joga várias informações ao invés de apresentá-las de um modo interessante para o leitor. Ela poderia ter mostrado a Pryia se esforçando pra sair dalí, mostrar sua rotina, deixar transparecer parte de sua personalidade por meio das ações da personagem e depois apresentar informações cruciais de seu passado e como parou alí com um diálogo bem bolado. É possível dar todas as informações que o leitor precisa sem ficar explicando tudo, e, infelizmente, a autora não soube fazer isso.
E quanto ao final? Era literalmente um Deus-ex Machina. Pra quem não sabe, vem das antigas peças gregas em que um Deus aparecia ao final para resolver os problemas do protagonista, mas que não é recomendado por tirar o protagonismo do protagonista. A autora colocou os personagens numa situação impossível e, ao invés de fazer os personagens darem um jeito de saírem de lá, Pryia meio que vende a alma do vilão sendo que não podia fazer isso e puf, quando acorda, tudo está resolvido depois de um diálogo sem graça. Ela ainda diz no início que "essa é a história de como Pryia enganou a Deusa do Caos", mas está mais pra "essa é a história de como Pryia convenceu a Deusa do Caos a enganar o vilão, apesar de ser com uma ideia tão idiota que nem uma criança cairia nessa lábia". E depois de tudo isso, no epílogo, eu não sei se Jim desistiu do título de marquês pra viver aventuras com ela ou se eles pretendem voltar para corte depois. Só que, se ele desistiu, ele teria de deserdar como o irmão... e ele estava tentando matar o irmão por ter deserdado. Faz sentido??
E quantos furos! Pryia podia ter chamado as sereias pra cantar e afogar Leonardo e sua tripulação (que foram mencionadas, mas só aparecem pra ser afogada mesmo) antes de chegarem ao tesouro. Por que ninguém pensou nisso?? Além de mil e outras formas de acabar com ele. Sei lá, ela poderia até abraçar seu lado sereia e fazer o Leonardo se afogar com seu próprio poder, por que não? Já teria sido mais interessante do que deixar a Deusa do Caos resolver tudo pra ela.
Enfim, na minha opinião, a autora precisava ter praticado por pelo menos mais uns 5 anos antes de resolver publicar um livro e deveria ter tido pelo menos umas 3 Revisões Críticas (voltadas para a história) antes de pensar em ter leitores betas e uma revisão final. Se eu fosse contratada como Revisora Crítica, ia falar pra ela repensar e reescrever ele todo antes de me passar de novo, pois é tanta coisa ruim que nem saberia por onde começar.