Paulo 26/12/2023
Essa é uma narrativa muito curiosa de H.G. Wells. Em uma conversa com seus amigos em sua casa, Clayton começa a contra uma história insólita de quando ele se encontrou com um fantasma em sua casa. Obviamente que seus amigos começam a fazer troça de sua história, imaginando que ele a está inventando. Não ajuda nada o fato de que ele alega que o fantasma não fazia ideia do que estava fazendo em sua casa. Imaginem só: um fantasma confuso e sem saber onde deveria assombrar? Mas, à medida em que ele vai contando a respeito de seu estranho encontro, a história vai tomando contornos misteriosos quando Clayton alega ter buscado ajudar o fantasma a atravessar de volta para o outro lado. Junto do fantasma, eles buscaram repetir uma espécie de gestos místicos capazes de abrir as portas para esse mundo. Mas, o quanto dessa história maluca é verdade? E pode Clayton reproduzir estes gestos novamente?
Para quem está acostumado com as ficções científicas de Wells, uma história como essa é, no mínimo, estranha. E afirmo para vocês que o autor sabe bem escrever uma história mais tensa e menos futurista. Basta ler No País dos Cegos que vocês terão uma noção. Mas, voltando ao conto em questão, Wells é bem habilidoso ao dar um ar bastante leve e até satírico para a história. O tom inicial da história se assemelha ao do livro O Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde. Uma história com fantasmas que é mais uma narrativa bem humorada com pitadas de estranho do que propriamente uma narrativa de terror. Só que o clima muda bruscamente para o final da história. É como se a tarde tivesse chegado ao fim e a noite tomasse conta do lugar. Percebemos que até os diálogos ficam mais tensos e pesados com os amigos avisando Clayton de que não se poderia brincar com determinadas coisas. Mesmo que um dos amigos dele ainda tentasse manter o clima de humor, mas tudo indicava outra coisa. O mais legal nessa história é essa transição súbita de um gênero para outro em um piscar de olhos. Fica para os leitores amigos que estão lendo essa resenha a maneira como Wells faz essa transição e só vamos nos dar conta mais tarde disso. Ele altera o ritmo, o tom e as descrições. O ritmo no sentido de que os diálogos se tornam maiores e Wells se preocupa em transmitir o lado emocional dos personagens. O tom que parece mais sinistro quando antes havia umas brincadeiras e frases de duplo sentido. E as descrições que se tornam mais precisas enquanto antes Wells se preocupava mais em passar uma ideia de uma reunião entre amigos.
O que me incomodou na narrativa e sempre me incomoda nos livros de Wells é o quanto ele é eloquente. O que Jules Verne faz com dez linhas, Wells faz com dez páginas. E isso me incomoda um pouco porque essa é uma daquelas narrativas que poderia ter umas oito páginas a menos. Wells se repete nos parágrafos: por exemplo, no começo os amigos de Clayton fazem a mesma pergunta para ele quatro vezes (de formas diferentes, é claro). Os momentos em que os personagens trocam gracejos são bem feitos, mas quando ele passa a descrever as cenas e sua interação com o fantasma, os parágrafos ficam do tamanho quase de uma página inteira. Tirando isso, gostei também da ambientação de casa assombrada. Wells conseguiu traduzir bem isso a partir de uma abordagem diferente do que normalmente é feito em histórias de fantasmas.
Esta é uma boa história que mostra um lado diferente do autor de sucessos como A Máquina do Tempo e A Guerra dos Mundos. Ver esse outro lado mostra o quanto Wells é versátil e sabe incorporar outros elementos à sua narrativa. Ele brinca com o tropo de fantasmas, e mesmo assim consegue trazer uma história de terror com um final bem assustador. Infelizmente seus vícios de escrita continuam presentes, mas isso não tira, de forma alguma, o brilho daquilo que ele apresentou.
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