zoni 23/06/2020
E indo contra a maioria das pessoas, eu gostei bastante desse livro.
Logo que A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes foi lançado vi muitas críticas negativas, inclusive de pessoas com gostos parecidos com os meus, e claro que isso me deixou desanimado, a decepção chegou em mim quase um mês antes do lançamento aqui no Brasil. Eu até fiquei alguns dias pensando se deveria mesmo ler esse livro e estragar tudo que a trilogia principal tinha construído em mim, mas decidi que deveria tomar minhas próprias opiniões, então fiz um pacto comigo mesmo que iria aproveitar a leitura da melhor maneira possível, que iria de peito aberto, e foi o que fiz, essa foi uma das melhores decisões da minha vida, pois o livro funcionou bastante pra mim. Então aqui vai uma grande dica: leia o livro para tirar as suas próprias conclusões, lembre que ninguém pensa igual, e que muitas vezes o que não foi legal para o seu amigo ou para o seu influenciador favorito pode ser legal pra você.
E antes de tudo quero parabenizar a tradução da Regiane Winarski, uma das minhas tradutoras favoritas, o trabalho que ela fez com esse livro foi genial, se no original a história está arrastada (digo isso com base em todas as resenha de quem leu em inglês) as escolhas de tradução da Regiane deixou a história muito mais fluída, em alguns momentos eu simplesmente não conseguia parar de ler, ficava totalmente imerso, e mesmo quando eu ia dormir, meus pensamentos voltavam para essa história incrível que só quem se deu a chance de apreciar conseguiu de fato entender. Essa não é uma história sobre o vilão, não é uma história sobre como o vilão se tornou vilão, está mais para uma história sobre escolhas e como essas escolhas podem mudar quem somos, ou mostrar quem verdadeiramente somos.
Logo que saíram as informações sobre o prequel de Jogos Vorazes eu pensei “não quero ler uma história sobre o Presidente Snow, isso não vai ser interessante de maneira nenhuma”, e eu estava tão errado em achar que não seria interessante, e principalmente em pensar que o livro trataria apenas sobre a vida daquele homem horrível que odiamos com todas as forças até o momento de sua morte. Mas Suzanne Collins foi tão perspicaz em suas escolhas, pois por mais que pareça que Coriolanus Snow é o único protagonista, sua história serve muito mais de pano de fundo para as verdadeiras explicações sobre como funcionou e funciona Panem e sobre a criação dos Jogos Vorazes e sua real utilidade.
Vou começar falando sobre Coriolanus Snow, ele é um jovem frio, calculista e que não se importa em usar as pessoas para atingir seus objetivos. Ele sobreviveu à guerra, sofreu desgraças horríveis com ela e tem perdas e vários traumas que moldaram e ainda moldam o seu caráter. E você deve estar pensando no momento “fala sério, devem ter romantizado o vilão e o colocado como um mocinho que re revolta e se transforma no seu pior pesadelo” e preciso dizer que você está enganado, a única coisa que a autora fez foi mostrar uma certa humanidade no homem que depois vai se tornar o maior vilão e pesadelo de Panem. Nós como leitores e também seres humanos precisamos lembrar que mesmo alguém ruim tem algo de bom em si, mesmo que essa bondade seja um pouco deturpada, como no caso do Snow. Coriolanus não nasceu mau, ele apenas teve uma vida difícil e várias influências ruins em sua vida, e não, eu não estou justificando as escolhas da personagem, ele poderia ter feito outras escolhas, escolhas boas, mas ele não quis. Eu até poderia dizer que com a sua mente jovem e traumatizada Snow foi ensinado a acreditar que ser um tirano era a solução, mas não foi isso que a autora nos mostrou durante as várias páginas, ela deixa bem claro para quem de fato entendeu o livro, que Snow escolheu ser assim.
Os Jogoz Vorazes são totalmente diferentes dos quais nós vimos Katniss participar 64 anos depois (eu não tenho certeza se essa informação sobre os anos estão corretas, mas eu acho que é isso). As pessoas não gostam e nem querem assistir ao massacre, nem mesmo os cidadãos da capital, já que eles estão desgastados e exaustos depois de viverem uma guerra que parecia não ter fim, apenas perdas. E é por essa razão que jovens são selecionados para ajudar na criação de um show que seja interessante, e não apenas com ideias, mas sendo mentores dos jovens selecionados na colheita. Snow vê nisso uma oportunidade de ganhar dinheiro, fazer uma faculdade e dar início a sua vida de sucesso, a vida do futuro Presidente de Panem, mas quando ganha a garota do Distrito 12 para mentorar, o Distrito de menor prestígio, Snow acha que seus planos irão escapar de suas mãos, mas quando ele finalmente conhece Lucy Gray, sua tributo, ele tem certeza que ganhou uma oportunidade de ouro para fazer história. Lucy Gray é uma personagem muito interessante, e por mais que ela se pareça muito com a Katniss, e isso deve ser intencional da autora, ela é tudo que a Katniss não foi, e digo isso porque por mais que a garota em chamas quisesse vencer os Jogos, ela não fazia nada para isso só era deixada se manipular e agia por impulso com medo de perder as coisas e as pessoas que amava. Gray não, ela é determinada, inteligente e quer ganhar, e vai usar as todas as armas que tem para isso. Lucy Gray já nos é apresentada na colheita fazendo um grande show, ela coloca uma cobra no vestido da filha do prefeito, ela apanha por conta de suas ações e dança e canta fazendo literalmente um show; Lucy é uma cantora e artista circense, ela sabe o que deve fazer para cativar o público, ela tem classe e personalidade e com a ajuda de um dos maiores manipuladores da história de Panem, é claro que ela teria chances de fazer sucesso e até vencer o novo show dos Jogos Vorazes que estava sendo planejado.
Há romance na trama, e sim, é do Snow, não revire os olhos, posso confirmar que eu mesmo torci muito por Lucy Gray e Snow, eles tinham química, bem mais do que Katniss com qualquer um dos dois garotos, desculpa por dizer a verdade, eu sei que às vezes ela dói. E por mais que o romance entre os pombinhos desse livro tenha surgido tão abruptamente, dava pra acreditar que eles estavam apaixonados, se era de verdade ou não, isso fica para você mesmo decidir. Eu decidi acreditar. E sei que o Snow usou a Lucy, mas ela também o usou, e foi por isso que eles terminaram do jeito que terminaram, e tá tudo bem também, pois por mais que houvessem mentiras no relacionamento, eles não enganaram um ao outro de fato, os dois sabiam o que queriam e o que deveriam fazer pra conseguir. Esse romance e o período de Lucy na arena rende boas músicas e bons momentos, os dois vão ao extremo e dão tudo para os leitores. E antes que eu esqueça, as músicas, bom, é completamente interessante conhecer as histórias por trás das canções que Katniss canta anos depois, principalmente a da árvore forca, essa mexeu muito comigo.
Uma das coisas mais legais do livro talvez seja a existência de Sejanus e amizade que ele cria com Snow, pois por mais que os dois sejam o oposto do outro e acabem se destruindo, dá pra ver que houve sentimentos verdadeiros entre eles, principalmente da parte do Snow, que teve que sacrificar algo muito importante. Não vou entrar nesse assunto para não dar spoilers. O Sejanus é um garoto que nasceu no Distrito 2, mas por conta do pai ter conseguido enriquecer e pagar pelas reformas da Capital, eles se mudam pra lá. Porém o traço mais profundo de Sejanus é sua verdadeira humanidade, e o fato de que ele nunca se esquece que não pertence verdadeiramente àquele lugar, e principalmente, que não há grandes diferença entre ele e os tributos que está ajudando a matar.
Muita gente reclama do ritmo do livro, fala que é lento, mas acredito que o livro tem o ritmo certo, se corresse muito passaria a ideia de que nada ali é de fato relevante, e por mais que tenha muita gente dizendo isso, eu discordo pra cacete, vejo muito potencial no livro e sei que tudo narrado aqui tem importância pra mundo da autora, principalmente para a trilogia. E não estou dizendo que não existam momentos que não sejam meio cansativos, é sim, eu admito, mas não vou dizer que não ter plot twist acontecendo o tempo todo deixa a história menos interessante, isso é balela. E desculpa, ninguém precisa concordar comigo, mas dizer que um livro não tem qualidade narrativa só porque não tem milhares de reviravoltas estúpidas acontecendo o tempo todo é meio desonesto.
É um livro profundo que vai além dos Jogos, e que nos mostra como nós seres humanos somos capazes de nos destruir em nome de uma moral ou de uma segurança inexistente, de como somos capazes de vender nossas próprias almas para conquistar poder. E se você sempre se perguntou como os Jogos foram criados, ou o que acontece por trás das câmeras, como os idealizadores influenciam e trapaceiam nas escolhas dos tributos e todas as muitas questão que não ficamos sabendo porque estávamos o tempo todo na cabeça da Katniss durante a trilogia, acho que você vai gostar desse livro. Para mim foi muito interessante acompanhar a criação do show e de algum modo uma parte da construção de um dos vilões mais interessantes da literatura jovem. E tem todos os pequenos detalhes que vimos na trilogia que agora parecem pesar muito mais que antes. Por exemplo, por que quase ninguém sabe sobre Lucy, por que o 12 que antes parecia um lugar menos horrível se tornou o que é? Por que Snow conhece tanto sobre o Distrito 12 e tão pouco sobre outros? Se o 12 já teve uma campeã por que ninguém fala dela? Por que Snow odeia tanto os tordos? Essas explicações estão aqui, então não diga que o livro é vazio e não acrescenta nada, pois acrescenta muito pra história inicial e abre espaço para todos as edições dos Jogos Vorazes de todos aqueles personagens favoritos que nós queremos ler.
E se você leu até aqui me desculpe pela bagunça que ficou essa resenha/opinião, pois por mais que eu tenha passando o dia inteiro pensando sobre o que iria escrever, cheguei aqui e só fui passando as coisas que fui lembrando, assim totalmente fora de ordem, sem preparação e revisão e todas essas coisas que eu deveria pensar um pouco mais antes vir até aqui, mas prometo que depois que as minhas ideias estiverem um pouco mais calmas e organizadas eu volto aqui para escrever mais alguma coisa, ou escrever uma nova resenha, é isso. E leiam o livro para tirar as suas próprias opiniões, é um bom texto, e você só precisa tentar entender que a história vai além do: quem é bom ou mau? quem vai morrer ou viver? isso é certo ou errado? Todos nós temos parcelas de humanidade, mas todos nós podemos cometer atos cruéis e horríveis. É isso.