notmuchcompany 18/07/2022
Que complicado. Sempre que termino um livro que adorei, fico perdida porque quero falar a respeito e não consigo juntar em palavras o que sinto. A Certain Hunger é um desses livros, eu simplesmente amei passar essas +300 páginas com a Dorothy, dentro da cabeça dela, vivendo a vida dela e pensando o que ela pensa. Quanto mais um personagem me apresenta ideias inéditas, mais eu gosto dele, porque é como se ele me puxasse pela mão pra me mostrar o que ainda não conheço.
"You feel morally superior even as you identify with me. You slip into the supple skin of a cannibal for nearly three hundred pages, and enjoy it; then you can slough it off, go about your happy, moral business, and feel like you are a better person".
Dorothy, ou Dolls (cute), narra sua história de dentro de uma prisão de segurança máxima. Aos 51 anos de idade, ela é uma assassina convicta, psicopata de alta inteligência, canibalista, arsonista, ninfomaníaca, crítica gastronômica e autora. Eu soube nas primeiras páginas que seria difícil me afastar dela, urgh. E com um humor ácido, ardiloso e inúmeras referências à pessoas, lugares, obras, receitas e culturas feitas em um vocabulário rico e criativo, admito que não foi fácil acompanhá-la, mas foi gostoso demais. Salvei vários trechos do texto, mas sinto que poderia ter salvado muito mais porque a visão de mundo dela é ótima e suas críticas aos americanos, ao patriarcado e à sociedade em geral são priceless.
"Unlike you, I will get the best health care that your tax money can provide. For richer, for poorer, in sickness and in health, ?til death do us part: a life sentence is like being married, but without the handholding".
Gostei muito de como a autora narrou a vida de Dorothy, não de maneira linear, mas indo e vindo entre o presente, a infância e os anos formativos e suas experiências com os homens. A gente começa sabendo que Dolls está na prisão, que ela fez o que ela fez, mas o legal é descobrir como ela fez e, ao final, como foi pega. Ver suas relações se desenrolando, a construção de seus comportamentos e sua visão de mundo a levando de lá pra cá foi o mais legal de tudo. Sei que flashbacks podem ser cansativos pra muita gente, ou mesmo confuso, mas é um artifício que eu particularmente adoro, e que me faz seguir virando páginas pra descobrir mais dos personagens.
"I did not hesitate. I did not flinch. I did not press. My knife did not slip; it did not dig; it did not tear. My knife, I had taken care to ensure, was free of nicks, and it was sharp. So sharp it shined, and it sang no pain when I'd tested it, first with the pad of my thumb and then with my fingernails. It was a clean, sharp blade. It made Dorothy Parker's wit look dull".
O mais impressionante é que esse é o primeiro livro da autora, uma PhD em literatura do século XVIII, que se jogou na escrita. Durante todo o livro eu fiquei imaginando o tamanho da PESQUISA que essa mulher teve que fazer, porque a Dorothy, como eu já disse, é inteligente e tem um olhar aguçado sobre tudo, de culinária, a diferentes lugares do mundo, ao que é ordinariamente humano. É o tipo de escrita que faz com que eu me perca enquanto leio, porque é como se eu me vestisse com outra pessoa, bem character-driven mesmo. Não importa o que esteja acontecendo, importa que a protagonista esteja me levando junto.
"It's not merely a question of quantity. A mass murderer is blind to attachment; a serial killer, however, holds a close relationship with his or her victims".
E ela nos leva mesmo. Pelas pessoas que conhece, pela carreira, pela família, pelos assassinatos, pelo sexo, pela prisão... é uma biografia feita pra elucidar uma mulher, a forma como ela tomou o mundo pra si e como se tornou uma celebridade infâme aos olhos do público. Eu poderia ler muito mais sobre a Dorothy e fiquei triste quando cheguei à última página.
"Outside the electrified perimeter of the prison, life goes on. I don't want to be forgotten. Kill one man and you're an oddity. Kill a few and you're a legend".
A Certain Hunger é um sério candidato ao meu favorito do trimestre, talvez do ano. Do primeiro parágrafo ao final dos Acknowledgements, eu quis aplaudir esse livro inteiro, e tô ansiosa pra ver qual outro irá superá-lo.