carosengold 28/03/2023
Observações COM spoilers sobre Entre Caixas
CONTÉM SPOILERS
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Entre Caixas é o meu primeiro contato com a escrita da Karoline Dias. Li a versão disponibilizada na Amazon, e comento isso porque encontrei alguns errinhos de gramática e de edição que me incomodaram. Apesar disso, tive uma boa leitura, finalizei em pouquíssimos dias, e a arte interior foi um plus muito bem-vindo.
Sobre a escrita em si, foi muito fácil de navegar por ela. Inclusive considero adequada para a localização da trama, ou seja, realmente soa como um livro contado por personagens estadunidenses. Também percebi uma qualidade cinematográfica na história: a gente pisca e algo novo e intenso já está se desenrolando diante dos nossos olhos. Esse é um ponto de destaque para mim, pois me manteve curiosa até o final do livro.
Agora, sobre a trama e as personagens, algumas observações COM SPOILERS:
— O livro brinca com as facetas da humanidade, isso é claro. Para mim, todos se encaixam na área cinzenta, com momentos bons e ruins. Alguns mais do que outros, sim, mas todos antagonizam a si mesmos em algum nível. E dos quatro protagonistas, Elvis definitivamente rouba a cena. Ela é a personagem mais fácil de se empatizar, de criar conexão com o leitor – tanto por seus erros quanto por seus acertos. Love e a mãe também roubam a cena; Love em maior grau, por trazer uma sensação de leveza à história.
— Sobre Richard, devo pontuar que seu pov começa surpreendentemente caótico. Não faz mistério sobre quem ele realmente é, e nem ele se esconde de si mesmo. Richard é um serial killer e está bem com isso na maior parte do tempo. Sua bússola moral só aparece quando ele é confrontado, por outras pessoas, com a realidade de que é um serial killer. Ou seja, só demonstra culpa e angústia interior quando é descoberto; quando suas verdadeiras intenções (homicidas) são escancaradas ao mundo. Aí o desespero bate. Aí ele comete erros... e acende o pavio da história.
— Voltando para o início, a primeira parte, que se passa na fazenda, é bem interessante e realmente cativa a nossa curiosidade. A personagem Myrna me lembrou bastante a mãe falsa de Coraline (Neil Gailman). Sua relação com Cameron também me lembrou bastante o filme Corra (Jordan Peele). Ou seja, deu a sensação de que algo maior e horrível está acontecendo por trás dos panos.
Com isso quero dizer que, embora ela seja humana como os demais personagens, seu comportamento beira ao cinismo, à uma perturbação que não parece natural, quase de outro mundo; e sua maldade e seu jeito autoritário de lidar com as coisas com certeza não ajudam, ofuscando quaisquer sensações de maternidade e de boas intenções. No entanto, essa questão é muito positiva na história, pois seu lado sombrio só reforça a sua humanidade. E com todas aquelas bonecas, e o contexto em que ela é fadada a morte, ainda fica a dúvida: Uma obsessão ou um meio para algo obscuro? Será que Myrna os amaldiçoou ou as tragédias que se seguem são apenas isso: acontecimentos da vida?
Resumindo: Myrna planta a dúvida se há ou não um aspecto sobrenatural na história. O fato de que ela é "esquecida", com poucas menções ao longo do livro, me faz questionar se ela de fato morreu, se conseguiu escapar. De qualquer forma, como alguém que abusou de crianças, Myrna representa uma grande carga de simbolismo. Ela vive de uma forma ou de outra, porque representa os traumas dos personagens, e traumas nunca morrem.
— Outra coisa: observei que a história introduz os personagens por uma ordem, e os povs seguem como se retornassem ao ponto de origem, quase como se a conexão entre os personagens se estreitasse novamente. Achei uma escolha muito divertida e inteligente.
Minha única ressalva é o trecho final do livro, e eu explico o porquê:
Por desatenção minha, não percebi em qual página eu estava. Então como a história estava a todo vapor nos momentos finais, aguçando ainda mais a qualidade cinematográfica, o final soou abrupto. Sabe quando a gente tá assistindo um filme e de repente acaba a luz? Foi nessa energia aqui. E não exatamente pelo conteúdo, que eu achei ótimo para criar curiosidade sobre o restante da história, e sim sobre a forma como foi desenvolvido o último trecho. Considerando que a escrita é fácil e objetiva, talvez mais algumas palavras e isso trouxesse mais satisfação sem parecer que o texto foi interrompido.
Mas é isso.
Para concluir: se eu pudesse descrever Entre Caixas em uma única frase, seria: "não há nada tão ruim que não possa piorar". Mas também sinto que Entre Caixas é mais do que mortes e tragédias; resume-se, acima de tudo, pela vontade de (sobre)viver dos quatro protagonistas. Então vale a pena, recomendo a leitura. 😉 Provavelmente lerei o próximo, quero saber como tudo se encaixa e termina. 😊