Pandora 25/07/2022Eu acho que uma narrativa que amorna em determinados trechos não constitui um problema - caso o todo compense -, mas acredito que as primeiras páginas têm que nos fisgar. Ann Petry começa esta narrativa nos apresentando à personagem principal do livro, a rua do título, e a autora é tão convincente que me senti lá, numa noite de ventania no Harlem dos anos 40, papéis e poeira pelos ares e sujeira entrando nos olhos e se enroscando pelas pernas, dificultando os movimentos.
Ann Petry me conquistou ali. E foi mais além.
Naquela rua estava Lutie Johnson, que procurava um apartamento com aluguel barato para onde pudesse se mudar com seu filho Bub, de oito anos, fugindo da casa do pai e de sua recente namorada, uma desocupada que Lutie julgava ser uma péssima influência para o filho. Ela não tinha ilusões quanto ao tipo de lugar pelo qual poderia pagar: pequeno, sujo, caindo aos pedaços e com uma vizinhança encrenqueira, mas pensava que seria melhor do que a casa do pai e um passo no caminho de uma vida mais próspera, pois além da admiração por Benjamin Franklin, ela aprendera quando trabalhara como empregada para os Chandler, que “qualquer um poderia enriquecer se quisesse, se trabalhasse duro o suficiente e planejasse bem”. O tal “sonho americano”.
Porém Lutie é mulher. É negra. É jovem e bonita. E não tenciona viver às expensas de homem nenhum. Na “rua”, ela vai percebendo que o sonho americano é para todos. Menos alguns.
Esta narrativa é sobre as tentativas de Lutie de seguir em frente e prosperar, porém sentindo que a rua a puxa para trás; mas é também sobre muitas outras coisas: racismo, pobreza, desigualdade, sexismo, poder, decadência.
É sobre Lutie, mas também sobre Jones, a sra. Hedges, Junto, Boots e Min; sobre como chegaram até ali onde suas vidas se cruzaram. E sobre Bub e seu futuro incerto naquela rua que os classificava. Que os segregava. Que também os desumanizava.
E o final? Gente, eu não estava preparada para isso.
Notas;
1. A rua foi o primeiro romance de uma autora negra a superar a marca de 1 milhão de exemplares vendidos nos Estados Unidos (vendeu 1,5 milhão de cópias).
2. Com ele, Ann Petry ganhou o prêmio Houghton Mifflin de escritora iniciante.
3. Junto (junta) - no livro o nome do personagem branco e bem sucedido - é um termo que teve origem na política inglesa do final do séc. XVII e início do XVIII, levado para os Estados Unidos por Benjamin Franklin, que fundou um clube na Filadélfia com esse nome. Criado a partir dos cafés ingleses que ele conhecia bem e que se tornaram centro de disseminação de ideias iluministas, o Junto de Franklin era formado por aspirantes a artesãos e comerciantes, que promoviam discussões e leituras objetivando que seus membros “melhorassem a si mesmos enquanto melhoravam a comunidade”.
4. Ann Petry era formada em Farmácia, assim como seu pai. Sua tia foi a primeira mulher farmacêutica em Connecticut. Após o casamento, mudou-se para Nova York e trabalhou como jornalista e escritora, estudou escrita criativa e trabalhou num projeto extraclasse no Harlem.
Fontes: Carambaia, Wikipédia e HMH.