Luiz Pereira Júnior 02/12/2022
Das causas e consequências
Um romance contado pelos pontos de vista de dois narradores é a técnica utilizada pela autora para nos situar em meio à tragédia dos dias atuais.
Uma dupla de adolescentes mata doze colegas e uma professora em uma escola de ensino médio e se descobre que uma das inspirações para esse ato horrendo foi um daqueles programas de entrevistas sobre assuntos escabrosos, que termina em brigas e agressões físicas e destemperos verbais (bem conhecidos também nas programações televisivas de nossas tardes, o chamado “telebarraco”).
Um dos narradores é a assistente de produção do telebarraco, que busca formas de remediar o mal ao seu chefe, tentando modificar sua imagem. A bem dizer, ela representa o passado, ou, se preferir, o que aconteceu após o ato terrorista dos dois jovens.
O outro narrador é o antigo amante do apresentador. O apresentador desprezou o amante não para ter outra pessoa, mas simplesmente porque, à época (e ainda hoje, a bem da verdade), era impensável um político ser declaradamente gay (o assassinato de Harvey Milk é uma das situações verdadeiras retratadas no livro). Esse narrador representa, visivelmente, o passado do apresentador, mostrando sua vivência na cena gay e como a discriminação pode existir em qualquer lugar, para qualquer pessoa e vinda de qualquer pessoa.
É preciso ser sincero: não estava gostando muito da leitura, mas não sou de abandonar livros (penso no rico dinheirinho que gastei, a bem da verdade). No entanto, lá pelo meio do livro, o apresentador é chamado para ser entrevistado em um desses programas de entrevistas matinais tipicamente americanos, para demonstrar que não pode levar a culpa pelo ocorrido. Então, como surpresa para o apresentador, os entrevistadores exibem uma gravação com uma entrevista pré-gravada de um dos adolescentes sobreviventes da tragédia.
E esse foi o momento de virada do livro para mim. Em minhas resenhas, sempre escrevo que sou professor. E isso faz toda a diferença. A entrevista do jovem acaba se tornando uma declaração devastadora sobre algo feito em sala de aula que toma uma proporção inimaginável; sobre o chamado novo currículo, que parece privilegiar as chamadas experiências de vida sobre o conhecimento e a técnica em si...
Vale a pena? Sim, vale a pena, mas não espere uma leitura fácil devido aos temas abordados.
Com várias referências obscuras para a maior parte de nós, brasileiros; com um pretenso fluxo de consciência que acaba travando algumas passagens com potencial de serem ainda mais impactantes; com personagens secundários que acabam por se parecer uns com os outros... Sim, com tudo isso, mas esse é um relato fictício de daquelas não só das tragédias que nos fazem saltar da cadeira, mas também das pequenas angústias de todos os dias... E isso faz valer (quase) qualquer leitura.