Thalissa.Betineli 24/07/2023
Já quero maratonar todos os livros desse autor.
Já faço minha brincadeira no começo: esse livro é como aquele doce que você não dá nada ao entrar em uma padaria, olha para a cobertura de chocolate e te chama a atenção. E então decide provar. Ele vai ter gosto de infância. Daquele doce que você amava quando nova. No meu caso, era as Carolinas.
Quando adolescente, eu comia muitas carolinas enquanto lia. E nessa época, adorava livros de suspense investigativo, como Ágatha Christie, Sidney Sheldon e tantos outros nomes que hoje já não lembro, mas que faziam parte daquelas coleções de bolso. Minha mãe tinha uma pilha, ela lia desde Sabrina até Ninguém é uma Ilha, passando pelo terror e suspense. Foi daí que surgiu meu amor pelo investigativo.
Fazia muito tempo que eu não lia suspense. Como escritora de romance, meu foco é romance. No entanto - aqui vai uma confissão - amaria escrever um bom suspense que brinca com a nossa cabeça (mas sei que no BR não há público para isso e a gente não paga conta com amor), então me resta a vida de leitora nesse gênero.
Peguei recentemente A Paciente Silenciosa, mais recente, bebe da veia recente da narrativa que não podemos confiar no narrador, mas de maneira medíocre. Dei 3,5 estrelas e agora até acho que foi muito.
De repente, encontrei este livro nas andanças pela Amazon. Não dei muito valor no título e não conhecia o autor, mas estava com muita vontade de ler um bom suspense. E o encontrei aqui.
Primeiro, que narrativa impecável, fluida, brincalhona, escrito e traduzido com maestria, longe daquelas traduções meia boca usando anglicismos que me doem os olhos. Parece que mergulhei em um livro escrito e traduzido na década de oitenta, bebendo direto da fonte da Agatha Chritie. E isso nos faz se afeiçoar ao narrador, o Mal. Consegui vislumbrar sua vida, seu jeito, sua rotina e, em suas falhas e devaneios, embora ciente que ele era errado e não torcer por ele, criar simpatia.
Isso é para poucos. Principalmente no suspense. Não houve um instante sequer que eu sentisse sono ou que desgrudasse da história. Li em menos de 24h, devorei o livro porque precisava saber quem era o vilão, suas motivações e qual seria o desfecho. Diferente de vários suspenses hypados e aclamados - Paciente Silenciosa e Uma Mulher na Escuridão - que tentam brincar com a gente e no final só mostra o péssimo trabalho em unir as pontas e mostrar o brilhantismo, este aqui, meus amores, nos mostra como deve ser feito. É eloquente, nos dá pistas sim, mas não são escancaradas, e só no final, quando descobrimos, pensamos: por que não desconfiei desse personagem? Tudo se encaixa sem nos passar de bobos? não, não há a sensação de arrogância e prepotência do autor em querer nos chamar de bobos e dizer: ei, te dei pistas falsas porque é o único jeito que sei fazer.
Não, aqui os capítulos entregam tudo, te levam para frente, evoluem na história, tudo se encaixa e neste livro sim, temos um verdadeiros narrador que devemos desconfiar em tudo o que nos conta. E isso não é escancarado e nem nos afasta dele, pelo contrário, aumenta nossa empatia ao trazer banalidades misturadas à narrativa dele. Realismo. Sinto que falta isso em muitos suspenses atuais, essa veia de mistério mesclando humanidade, realidade, erros, ego e? pessoas simples.
Todos os personagens são muito bem desenvolvidos, o final é impecável e muito bem explicado sem se tornar cansativo ou expositivo. Não há nada expositivo neste livro, não há encheção de linguiça e nem descrições desnecessárias.
Além de nos brindar com citações de romances de suspense incríveis. Que nostalgia foi reler sobre Os Crimes ABC, li na minha adolescência e o autor cita algo muito verdadeiro: quando relemos um livro, não somos apenas transportados para a história dele, mas também para o momento em que foi lido pela primeira vez. E embora não fosse releitura, ao citar Os crimes ABC, me lembrou de como devorei a edição de capa dura antiga da minha mãe. E em como eu era viciada nesse gênero.
A revelação de quem é por trás de tudo foi incrível. Por um momento achei que fosse um determinado personagem e não iria gostar, mas novamente o autor acerta em cheio e revela quem eu menos esperava de maneira brilhante.
A última linha do livro fecha com chave de ouro, provando a construção impecável que foi nesse narrador chamado Mal. A gente mergulha em sua cabeça e entende as suas omissões e em como ele usa a narrativa ao seu favor, além de brincar com homenagens aos clássicos do suspense, sem se inspirar, apenas homenageando. Porque hoje em dia também andam confundindo inspiração de homenagem a inspiração de copia mas não faz igual kkk
Por fim, só me faltou as Carolinas. Mas posso dizer que ele foi um Carolina. Com cobertura de chocolate que atrai, casquinha que combina e, ao devorar, nos recompensa com uma explosão de doce de leite por ter escolhido esse livro.
Nota cinco, favoritado.