Flávia Menezes 07/10/2022
PSICOLÓGICO: O LAR PARA TODAS AS EXCLUSÕES QUE FAZEMOS.
?Kim Jiyoung, nascida em 1982?, da autora sul-coreana e ex roteirista de televisão Cho Nam-Joo, foi publicado em outubro de 2016, e traz em suas 176 páginas (um livro realmente bem curto) toda a ousadia e responsabilidade da promoção de um debate muito significativo sobre o peso que existe nesse contraste entre os papéis sociais das mulheres e dos homens na sociedade sul-coreana.
Antes de ler esse livro, é preciso ter a clareza de que a cultura (e seja ela injusta ou não) é parte da identidade de um povo. Então, mais do que nos indignarmos, precisamos ver que mesmo aquilo que parece absurdo, impulsiona forças que são de extrema importância para a sobrevivência desse povo. Deixe-me ilustrar um pouco o que eu quero dizer...
Existe um Teste de Personalidade chamado DISC onde avalia-se a personalidade através dos 4 perfis de comportamento: dominância, influência, estabilidade e conformidade. O teste oferece detalhes de qual a sua personalidade dominante, e revela quais são os seus pontos fortes, e os seus pontos limitantes. Me recordo de quando fiz esse teste há alguns anos em curso de liderança, e o professor nos atentou para algo muito importante.
Nossa tendência é olhar para aquilo que nos limita como algo ruim, algo que nos enfraquece, quando é exatamente o contrário. Não devemos confundir achando que nossos pontos limitantes são pontos paralisantes. Isso é algo bem diferente. De fato, são os nossos pontos limitantes que impulsionam o que há de mais forte em nós. O que está embaixo impulsiona para que o outro suba cada vez mais.
Por exemplo, o fato de alguém ser mais sensível pode lhe trazer vários pontos limitantes, como muita dependência da opinião do outro, ou até de uma necessidade maior de motivação externa, mas também é um ponto que o impulsiona para ser alguém com pontos fortes para ser bem mais criativo, inovador, e em ser mais empático com as pessoas. E é exatamente isso que eu vi nessa história: os pontos limitantes da cultura impulsionaram os pontos fortes. Dentro da diferença gritante da forma como a sociedade sul-coreana vê os papéis sociais das mulheres e dos homens, existe a parte que fere, mas ela também traz à tona a força.
As mulheres dessa história possuem uma força absurda. Em uma cultura onde as mulheres são inferiores, e nada valorizadas, as personagens femininas desse livro são pessoas que acordam todos os dias e nadam contra a maré em busca de um bem maior, seja ele a família, ou a conquista de mais valorização e direitos justos para as mulheres sul-coreanas.
Fico triste em ver algumas críticas sobre o livro que estão mais preocupadas com a questão do machismo, do que em ver que dor é essa que é causada em nós mulheres cada vez que nosso espaço seguro é invadido de forma tão violenta e agressiva. Até porque isso é algo que mesmo sendo de uma cultura diferente, nós sabemos bem como é.
Afinal, quem de nós nunca viveu um assédio? Especialmente nos ambientes organizacionais, quem nunca passou por uma cantada de um chefe (na mais leve das hipóteses!), ou mesmo já não teve algum toque indevido por parte de um homem, especialmente em uma posição de autoridade? Eu já.
Para cada ação, existe uma reação, e esse livro mostra exatamente isso: como cada vez que uma mulher é responsabilizada pelo comportamento inadequado do outro, ou quando se tira dela o direito de escolha (de exercer uma profissão, por exemplo) por ser sempre ela quem tem que renunciar em prol da família, uma série de reações se acumula e desencadeia uma diversidade de transtornos psicológicos.
Mas mesmo dentro desse cenário tão difícil de assédios moral e sexual, de homens abusadores, a escritora não exclui o fato de que o homem sul-coreano também é devotado à sua família. Não apenas como provedor, mas como uma parceria tão bonita, que eu queria entrar na história e abraçar a cada um deles. Especialmente o Daehyun, o marido da Kim Jiyoung, que é o meu predileto. Além de ser altamente protetor com o problema da esposa, pulando em sua defesa, ele é aquele que vai atrás do tratamento psicológico para ela. Nesse momento, eu queria poder dar um abraço nesse homem!
De fato, sobre a questão do problema psicológico da Kim Jiyoung que dá início a essa história, eu confesso que não o vejo como apenas resultado dos problemas culturais relacionados ao gênero. Numa visão psicoterapêutica, confesso que eu vejo muito mais questões ligadas a diversos problemas de exclusões sistêmicas ocorridas tanto por parte da mãe da Kim (o mais significativo!) quanto do pai (e aí está bem forte o ponto por trás do transtorno de personalidade dissociativa), do que propriamente as pressões sociais e as frustrações experienciadas pela protagonista ao longo da vida. Mas essa é uma questão profunda demais para ser colocada aqui.
Esse não é um livro que fala sobre machismo. Nem mesmo que fala sobre a questão de uma superioridade masculina. Ele fala sobre o que uma mulher vivencia dentro de uma sociedade onde existe diferenciação entre os gêneros. Fala sobre o quanto de energia é preciso aplicar no dia a dia para vencer cada julgamento, cada preconceito, e a cada momento em que elas são silenciadas e relegadas ao lugar de quem deve apenas se submeter a tudo sem reagir.
Mais do que um livro, ele é uma escola para compreender a diferença entre os sentimentos femininos dos masculinos. Porque sim, somos diferentes. Pensamos diferente um do outro, e graças aos nossos hormônios, a infinidade de emoções que experimentamos é algo que nenhum homem, jamais, poderá imaginar. Porque eles jamais sentirão algo assim.
Mas compreender é o primeiro passo para nos aproximarmos. Porque não é excluindo ou diminuindo que seremos mais fortes. Mas quando a parceria, a confiança e o companheirismo forem fortes, é aí que encontraremos equilíbrio entre as classes. Claro que nunca será perfeito, porque isso até travaria a evolução. Mas nada de generalizar. Porque é nas nossas diferenças que nos completamos e ficamos muito mais fortes. Sempre juntos, e nunca separados.
Mas essa é a minha reflexão pessoal vinda dessa leitura incrível. Espero que você possa dar uma chance a esse livro, e possa nos enriquecer com aquilo que mais te tocou, e com todas as suas percepções desse universo que sempre será um mistério: de homens e mulheres, e mulheres e homens.
Obs.: se você tiver curiosidade sobre o teste Disc, vou deixar um site onde você pode fazê-lo (de forma resumida, claro!) totalmente gratuito: https://www.pactorh.com.br/teste-disc/disc/faca-agora-teste-disc/