As convidadas

As convidadas Silvina Ocampo




Resenhas - As convidadas


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Ju Leyva 27/01/2024

Contos cotidianos, fantásticos e de horror - vale a pena
Vários contos curtos, que envolvem o cotidiano, o fantástico e o horror.

Gostei bastante de O leito, do casal que se amava, tinha ciúmes e queimava. Também gostei de A Escada, que fala dos degraus e de momentos da vida. As crianças em Visões, que ganham asas, talvez seja o melhor conto de todo o livro.

As convidadas, que dá título ao livro, é bem escrito, causa estranhamento, mas o final deixou a desejar pela falta de impacto, a meu ver.

Pecado mortal me causou muito desconforto.

Foi uma boa experiência.
R3y 27/01/2024minha estante
Algum dos contos citados Buenos Aires?




Leila de Carvalho e Gonçalves 05/06/2022

Segundo Livro
Silvina Ocampo é considerada um dos principais nomes da literatura argentina, todavia seu reconhecimento foi tardio. Boa parte da sua vida foi ofuscada pela atuação cultural da irmã Victoria e pela genialidade do marido Adolfo Bioy Casares, com quem viveu um casamento aberto durante 53 anos, ou melhor, até sua morte, em 1993, aos 90 anos. A bem da verdade, oculta detrás de um par de óculos gatinho ou escondendo o rosto com as mãos nas fotografias, ela sempre foi muito reservada. Pouco se sabe sobre sua vida particular e o significado de grande parte de seu trabalho é um desafio para o leitor.

No Brasil, sua obra jamais despertou maior atenção até 2019, quando a Companhia das Letras publicou a Antologia da Literatura Fantástica cuja organização foi realizada por ela, o marido e Jorge Luis Borges. Sem dúvida, uma presença que surpreende, se levar em conta que tal compilação ocorreu há 85 anos, quando a literatura ainda era um reduto praticamente masculino. Esse súbito interesse foi determinante para que a editora resolvesse lançar A Fúria, o primeiro livro de contos de Ocampo, e essa aposta parece que foi bem sucedida, pois acaba de ocupar as estantes de nossas livrarias outra publicação.

Trata-se de As Convidadas. Reunindo 44 contos breves, a prosa da escritora retorna com a mesma contundência, inquietação e amoralidade. De acordo com Laura Janina Hosiasson, professora de literatura hispano-americana da USP, ?embalada pelo ritmo preciso da descrição dos detalhes, Ocampo consegue capturar o leitor para dentro de um universo familiar e doméstico no qual o sinistro e o estranhamento se insurgem como uma onda capaz de destruir qualquer proteção à equilibrada rotina burguesa?.

Esse estranhamento resulta em narrativas que destilam uma mordacidade sombria, uma perversidade até mesmo ingênua e primam pela estranheza criativa ao discorrer sobre assuntos como transmutação física (O Diário de Porfiria Bernal), premonição (O Incêndio), manifestação fantasmagórica (O Sinistro Do Equador), possessão ou transtorno dissociativo de personalidade (A Cara Na Palma Da Mão).

Ao mesmo tempo, essa temática é responsável por uma galeria de personagens marcadas por bizarras características. Alguns exemplos são o Pata de Cão, um campeiro cuja alcunha remete às unhas dos pés deformadas pela micose (A Filha Do Touro); Icera, a menina que possui o mesmo tamanho de uma boneca (Icera); e quarenta crianças com deficiência auditiva que durante uma viagem de avião, criam asas, saltam da aeronave e desaparecem no ar (Assim Eram Os Seus Rostos).

Já, quanto aos espaços ficcionais, a escritora faz com que cada um esteja ativamente ligado ao sentido profundo das tramas, nada é escolhido ao acaso, sequer suas costumeiras descrições, e esta característica está vinculada em parte com sua vocação pictórica. Inclusive, quando jovem, ela chegou a estudar em Paris com Fernand Lèger e Giorgio de Chirico.

Sobre o conto que dá título ao livro, ele aborda o fim da infância e remete ao atípico aniversário de um menino, Lúcio, cujas únicas convidadas são 7 garotas cujas descrições remetem aos 7 pecados capitais. De fato, trata-se de uma boa escolha, contudo o mais antologizado e discutido da lista é A Escada. Nele, abrindo mão da fantasia, a ação do tempo e o papel da memória sintetizam em cada degrau uma denúncia sobre a desigualdade social vivenciada pelas mulheres.

Enfim, aguardando a publicação de outros livros de Ocampo, também recomendo ?La Hermana Menor?, de Mariana Henriquez, que, lançada em 2018 na Argentina, é a primeira obra biográfica sobre a escritora.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 09/07/2022

Silvina Ocampo - As convidadas
Editora Companhia das Letras - 264 Páginas - Tradução de Livia Deorsola - Capa de Elisa von Randow - Lançamento: 2022.

Difícil encontrar um exemplo na literatura que possa servir de comparação para explicar a obra de Silvina Ocampo (1903-1993), criadora de um estilo único entre o surrealismo, o realismo mágico e a literatura fantástica, porém não se enquadrando em nenhuma dessas categorias. Nesta coletânea de contos, lançada originalmente em 1961, além da influência das escolas já citadas, presentes também em seu livro anterior A fúria e outros contos (1959), encontramos aqui novamente os sinais de perversão e crueldade que escapam ao controle moral da família e da sociedade, apresentando um universo aparentemente transfigurado e que, no entanto, descobrimos não ser tão diferente assim da nossa própria realidade, isto é o mais perturbador.

Neste livro, a autora avalia também as relações amorosas, mas com o filtro do seu olhar, amor e ódio se confundem, as traições entre casais orientam sentimentos obscuros como na estranha viagem de lua de mel descrita em Amor: "Para me vingar das infidelidades, talvez inexistentes, do meu marido, eu me sentia capaz de fazer qualquer coisa" ou na suposta fatalidade de O casamento: "Compreendi a verdade: Armando tinha me traído. Não consegui suportar isso. Primeiro pensei em matar ou fazer a minha rival abortar a pancadas, depois esfaquear ou queimar Armando, jogando nele um galão de gasolina acesa; depois me suicidar, mas não fiz nada, não disse nada. Uma mulher apaixonada não pode sobreviver a uma mentira. Várias pessoas me aconselharam a abandonar o meu marido, mas eu não consigo fazer isso."

"Com a cabeça raspada e a calça azul, eu parecia com os meus irmãos homens. Trabalhava junto deles. Depois de tirar os abrolhos de lã, ou de arrancar cardos, ou de juntar esterco de ovelha, corríamos para o montinho que ficava ao lado da lagoa seca. Ali, debaixo do castanheiro-da-índia, fervia sobre o fogo a panela com banha para fazer sabão. Às vezes o Pata de Cão, ao nos avistar de longe, vinha ao nosso encontro arrastando o violão; outras vezes corríamos para o seu lado. Ele nos ensinava a piscar um olho, a hipnotizar galinhas, a charquear, a dizer palavras feias, a fumar. Tirava do bolso um maço de cigarros, chamados Filha do Touro, cigarros que distribuía entre nós. O papel que envolvia o maço levava a figura de uma mulher com uma coroa de flores, abraçando o touro (espécie de decalque, que me fascinava)." - Trecho do conto A filha do touro (p. 16)

Nas 44 narrativas curtas de As convidadas, ambientadas na cidade ou no campo, realidade e imaginação se confundem e as personagens, muitas delas crianças, sofrem com a ironia e o estranho humor da autora. A leitura deste livro me lembrou uma citação de Sartre, sobre o Surrealismo, um movimento que "destrói criando" para expressar o nosso inconsciente que é revelado nos sonhos ou, neste caso, por meio da literatura.

"Se Néstor Medina tivesse podido, depois de morto, ver seus filhos dilapidar e disputar sua fortuna, teria morrido outra vez. Não me canso, portanto, de me alegrar por sua morte luxuosa e tranquila, pelo último dos sorrisos com o qual se despediu de seus filhos, que considerava inocentes como anjos e virtuosos como santos. Seu rosto redondo e sorridente, dentro do caixão de lustrosa madeira, não inspirava pena. Por isso as pessoas que compareceram àquele velório inesquecível, como se acreditassem que o morto estava vivo, conversaram sobre cavalos de corrida, sobre feiras, golpes, piadas, fofocas, sem que isso parecesse uma falta de respeito. Ninguém chorava, a não ser o cachorro para a lua e eu, por dentro." - Trecho do conto O armazém negro (p. 41)

Esposa de Adolfo Bioy Casares e amiga de Jorge Luis Borges, Silvina Ocampo levou algum tempo para consolidar a importância de sua obra, mas hoje já tem lugar garantido na literatura argentina e universal, sendo considerada uma escritora para escritores e influenciado a obra de Julio Cortázar, Tomás Eloy Martínez e Alejandra Pizarnik, para citar apenas alguns. Um conto como O pecado mortal, por exemplo, repleto de insinuações e interpretações é uma verdadeira aula de como escrever e, portanto, uma obra-prima em qualquer tempo, vale a pena conhecer.

"Os símbolos da pureza e do misticismo são às vezes mais afrodisíacos que as fotografias ou que os contos pornográficos, por isso, oh, sacrílega!, os dias próximos à sua primeira comunhão, com a promessa do vestido branco, cheio de entremeios, das luvas de linho e do rosário de perolazinhas, foram talvez os verdadeiramente impuros de sua vida. Deus me perdoe, pois eu fui de certo modo a sua [*****]mplice e a sua escreva. / Com uma flor vermelha, chamada caliandra, que você trazia do campo aos domingos, com o missal de capa branca (um cálice estampado no centro da primeira página e listas de pecado em outra), você conheceu naquele tempo o prazer – vamos dizer – do amor, para não mencionar seu nome técnico; tampouco você poderia dar-lhe um nome técnico, pois nem sequer sabia onde colocá-lo na lista de pecados que tão aplicadamente você estudava. Nem sequer no catecismo estava tudo previsto ou esclarecido." - Trecho do conto O pecado mortal (p. 197)

Sobre a autora: Silvina Ocampo nasceu em Buenos Aires, em 1903. Na juventude, estudou desenho e pintura em Paris com Giorgio de Chirico e Fernand Léger. Em 1935, depois de conhecer Adolfo Bioy Casares, com quem se casou em 1940, passou a se dedicar totalmente à literatura. Entre suas obras, se destacam os volumes de contos Viaje olvidado (1937), Autobiografía de Irene (1948), A fúria (1959), publicado pela Companhia das Letras, e Los días de la noche (1970). Morreu em Buenos Aires, aos noventa anos.
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Rosita Lima 27/07/2022

Uma mistura de surrealismo e humor peculiar
“As convidadas”, de Silvina Ocampo, foi publicado aqui no Brasil em 2022, pela Companhia das Letras. A editora disponibiliza, para os parceiros, e-books que podem ser solicitados através da plataforma do Netgalley e quando vi esta obra na lista, confesso que, a estranheza da capa e da sinopse me chamaram atenção. Sendo assim, resolvi solicitar o e-book e sair da minha zona de conforto. A leitura foi uma experiência única, diferente de qualquer leitura que eu já tenha feito na vida.

“As convidadas” reúne 44 contos breves com um estilo que aparenta ser uma mistura de realismo mágico e surrealismo. A autora é capaz de fisgar a atenção do leitor a cada palavra devido a curiosidade que ela alimenta. Durante a leitura da maioria das histórias, eu nunca sabia por qual caminho a autora me guiava e o entendimento vinha somente nos últimos momentos do conto. Cada final foi imprevisível para mim, tornando-se impactantes.

Silvina Ocampo traz histórias que se passam em cenários domésticos e aparentemente comum, mas em cada uma delas há elementos sobrenaturais, sinistros, mágicos ou surreais onde a autora aborda os mais variados assuntos como premonição, superstição, assombrações, segredos, desigualdade social, alegorias relacionada aos pecados capitais, sentimentos e conflitos humanos e muito mais. Tudo isso apresentado com um humor peculiar. Mas obviamente, por serem 44 contos, alguns podem agradar ao leitor mais do que outros.

Essa coletânea de contos foi lançada originalmente em 1961, mas consegue abordar temas atuais, sendo assim uma leitura de extrema importância. Então se você deseja ler algo diferente, gosta de realismo mágico, alegorias e quer conhecer um pouco da literatura Argentina... Essa leitura é para você!

Fiquei muito feliz em realizar essa leitura e com certeza quero conhecer mais obras da autora. Em especial “A fúria e outros contos”, que também foi publicada pela Companhia das letras.

Confira alguns das minhas citações favoritas na postagem do blog:
https://www.rositalima.com/2022/07/resenha-as-convidadas-silvina-ocampo.html


site: https://www.rositalima.com/2022/07/resenha-as-convidadas-silvina-ocampo.html
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Yuri.Selaro 09/07/2023

Fantástica!
Que delícia de livro! Comecei a leitura e logo no primeiro conto já fiquei impactado com a delicadeza, criatividade e força da escrita da Silvina. Contos breves, potentes e hilários, com finais absurdos, improváveis e deliciosos. Impossível se entediar ou se perder com esse livro. Realmente uma pérola da tão rica literatura fantástica da America Latina.

Dito isso, deixo meus contos preferidos:

Êxodo
Amelia Cicuta
A escada
O progresso da ciência
Celestina
O diário de Porfiria Bernal

Com certeza lerei outros livros da Silvina.
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Côrtes 14/07/2023

Bizarro e lindo
Não sei nem como falar sobre esse livro, a autora consegue em seus contos mostrar o mais tenebroso de forma tão simples e as vezes até bela com uma incrível habilidade narrativa. Muitos personagens criados para gerar desgosto e outros para viajar em suas histórias. Amei o livro e recomendo a todos, aliás é um livro de uma autora do nosso continente que merece ser cada vez mais valorizado.
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Paulo 22/12/2022

A Companhia das Letras tem feito um excelente trabalho ao trazer Silvina Ocampo para os leitores brasileiros. Estamos acostumados com vozes como as de Jorge Luis Borges, Julio Cortazar ou Adolfo Bioy Casares que representam o que há de melhor na literatura de realismo mágico. Só que Ocampo estava esquecida não sei se por ser mulher, não sei se por ser mais contista do que romancista. As Fugitivas representa um mergulho em seu lado mais sombrio, com histórias que saem do insólito até insinuarem situações bastante bizarras. Esta edição conta com tradução de Livia Deorsola que faz um ótimo trabalho com o texto. Ocampo não tem uma escrita lá muito simples e lê-la é um desafio até mesmo com uma boa tradução. A tradutora nos deixa notas bastante pontuais também, destacando elementos culturais que desconhecemos sem interferir no texto. A edição é bem simples, mas bastante respeitosa à autora.

Nessa resenha vou pegar alguns dos contos que mais gostei na coletânea para comentar sobre aspectos temáticos ou da escrita da autora. Infelizmente não tenho como evitar dar spoilers porque os contos são quase ficções-relâmpago com poucas páginas. E nada como falar do primeiro conto, Assim eram os seus rostos. Já de cara a autora já demonstra o quanto esta série de contos é diferente de A Fúria, que foi publicada anteriormente pela Companhia das Letras. Em A Fúria os temas giram em um campo mais do maravilhoso de sua escrita, com elementos fantásticos fazendo parte do cotidiano, interferindo em relações familiares ou em relacionamentos. Aqui, o fantástico caminha mais para o estranho, para o aterrorizante. Em uma escola, diversas crianças com rostos iguais começam a se portar todas de forma exatamente igual para consternação de seus professores. Tentando entender o que realmente se passa, os professores fazem de tudo para ou separar as crianças ou fazê-las entrarem no ritmo da escola. Ocampo vai mergulhar de forma literal na concepção que temos de que crianças possuem características angelicais. E se elas criassem asas?

Outro exemplo dessa verve mais voltada para o terror de Ocampo é o conto Amelia Cicuta. Nela, Emidia, uma mulher que tem o hábito de dar de comer para gatos de rua conhece um estranho homem que se alimenta de... gatos. Ele os trata muito bem, dando de comer, abrigando-os, protegendo-os do frio até que eles fiquem gordos o suficiente para que ele possa comê-los. Emidia fica horrorizada e considera um absurdo, só que o homem banaliza, dizendo que apenas fornece alguns momentos de carinho para estes animais abandonados. E rechaça as críticas da mulher perguntando se ela, por acaso, não come bois, porcos, faisões, peixes e outros animais. Emidia, que se apresentou a ele como Amelia Cicuta, decide então tomar medidas drásticas. Neste conto podemos perceber nas linhas de Ocampo o quanto ela gosta de deixar coisas implícitas. Em seus contos, nem sempre os acontecimentos são claros, ficando muita coisa para o leitor interpretar o que depreendeu daquilo. É como se a escrita fosse feita com a participação do leitor.

E se estamos mencionando a ótima escrita da autora, não tem como não se referir ao conto A Escada. Que ideia sensacional a que ela teve. Em um dia comum, Isaura é chamada por algum motivo e precisa subir uma escadaria de vinte e cinco degraus para chegar à sua casa. A partir daí, a autora vai contando pequenas histórias em curtos parágrafos para cada um dos degraus. Eles presenciaram acontecimentos os mais diversos, desde os falatórios da vizinhança, até uma moradora que observava o bairro pensativa, um deles onde o lixo quase sempre caía e até um em que um estupro fora cometido. São vinte e cinco parágrafos para cada um dos vinte e cinco degraus. A genialidade da autora em criar um microcosmo de pequenas coisas que se sucedem em um amplo espaço de tempo é inimaginável para nós. Só de tentar entender como ela conseguiu criar tantas histórias já embaralha a minha cabeça.

O Progresso da Ciência é um conto que faz parte das discussões sociais da autora. Nela somos colocados em um reino onde a ciência avançou a um ponto onde é possível curar diversas doenças e rejuvenescer as pessoas até certo ponto. Só que o rei manda cegar as pessoas para que elas não possam vê-lo envelhecer e ficarem decepcionado. Com o passar dos anos, o rei deseja rejuvenescer e pede aos seus sábios que o façam para voltar a ser admirado pelo povo. Mas, cegos, eles tem muita dificuldade até que enfim conseguem. O rei está mais jovem, mas não há ninguém para admirá-lo já que todos estão cegos. Ele volta a ficar deprimido até que pede aos sábios que desenvolvam uma forma de fazer com que os seus súditos voltem a ver. Alguns anos mais tarde, os sábios conseguem finalmente desenvolver um método para curar a cegueira. Mas... Enfim, este é um conto que lida com as concepções de vaidade e egoísmo. O rei quer a aprovação das pessoas, mas não deseja que as pessoas tenham os mesmos privilégio que ele. Isso remete demais a uma sociedade de aparências onde prestamos a atenção no que o outro pensa sobre nós. Muitas vezes tendemos nossas escolhas ou preferências ao que os outros irão pensar de nós. Existe uma reflexão dura ao final deste conto.

Se estou citando contos de teor social, não tem como não mencionar Fora das Jaulas. Na trama, temos um professor que tem em suas mãos a chave para um zoológico. E ele gosta de apreciar os animais e descreve todo um mundo secreto vivido pelos animais depois que as portas do zoo se fecham. Quase como se fosse outro mundo onde os animais podem falar, seus sonhos se tornam nítidos para nós e suas ações correspondem às nossas. Um dia, ele decide levar um grupo de alunos para visitar tais animais à noite, mas um deles tem a obsessão de entender o que aconteceria se deixássemos os animais saírem de suas jaulas. É um conto sobre civilização e como nos sentimos o topo da cadeia alimentar. Contudo, pouco conhecemos sobre a natureza e todo um mundo que parece alheio aos nossos sentidos. Queremos ter o controle sobre os outros animais e os observamos como se fosse em um... zoológico. Mas o que aconteceria se as posições fossem invertidas?

A forma como Ocampo entende o amor pode ser perturbadora às vezes. Nada exemplifica mais isso como em A Cara na Palma. Um conto onde a protagonista tem uma.... cara na palma de sua mão. Um rosto com quem ela pode conversar, debater e até discordar. Essa cara tem sua própria visão sobre as coisas e tudo isso vai explodir quando ela passa a se engraçar com um rapazinho da aldeia. A cara não concorda com esse amor e a protagonista, em uma carta apaixonada escrita a seu amado, conta como terminou a confusão com sua "confidente". É simplesmente perturbador. Semelhante a esse aqui é As termas de Tirte onde o narrador é apaixonado por Lucy, mas esta só tem olhos para um galã que passou a frequentar as termas. Só que este galã deseja perpetuar sua beleza para sempre e depois de uma conversa pensa em uma saída deveras estranha: para ganhar mais tempo é preciso não gastá-lo com tarefas mundanas. Então a saída que ele cria é que toda vez que ele estiver dormindo, irá realizar todas as tarefas que são entediantes. Dessa forma ele vai ganhar mais tempo de vida. O protagonista agora quer provar que o galã, toda vez que sai com Lucy, está de olhos fechados porque ele tem certeza que não a ama como ele. Mas, será que ele poderá provar o que diz ou sua amada é que está realmente com olhos fechados? Ou seja, Ocampo não é lá muito romântica... Estou ironizando, caros leitores. Mas, vale pensar que a autora está fazendo algumas reflexões lá nos idos da metade do século XX que só fazemos hoje com mais frequência.

No conto Celestina vemos um pouco mais desse lado mórbido da autora. E o quanto ela gosta de inserir punchlines, ou seja, pequenas frases de efeito ou situações que fecham uma trama. E ela faz isso muito bem. Nesse conto, a narradora nos conta que conhece uma mulher chamada Celestina, que se alimenta de notícias ruins. Apesar de ser uma pessoa bondosa, ela precisa ouvir notícias ruins, podendo ser terremotos, desastres, assassinatos em família, epidemias. Qualquer coisa que envolva mortes, maldições ou injustiças. Todos os dias. Chega a um ponto em que eles precisam trazer provas das notícias ruins que eles estavam contando. E é uma necessidade constante de ouvi-las. Mas, um dia, o jornal não tem uma única notícia ruim sequer. E nem os vizinhos possuem nada trágico para contar. As pessoas próximas a Celestina pensam em inventar uma história, mas ela é muito inteligente e pode desconfiar. O que será que vai acontecer quando Celestina não tiver uma notícia ruim da qual se alimentar?

Paro por aqui ou vou estragar as surpresas que Ocampo nos presenteia nessa coletânea. A autora é um dos pilares do realismo mágico na América Latino e reitero os meus parabéns para a Companhia das Letras por estar nos trazendo as histórias dela. A capa também está lindíssima e remete a esse espírito insólito e maravilhoso de suas histórias. Como qualquer coletânea de histórias vão ter aqueles contos que os leitores irão curtir mais e aqueles que não serão tão interessantes. De qualquer forma, vale demais a pena, principalmente pela liberdade de poder abrir o livro em qualquer página e encontrar uma boa história.

site: www.ficcoeshumanas.com.br
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Mawkitas 12/02/2023

Absurdos
Esse livro é composto de muitos contos bem pequenos, sendo que alguns não chegam a duas páginas. Minimalista sem que por isso se esqueça dos detalhes que encantam, desorientam e fundam enigmas, Ocampo consegue escrever textos estranhíssimos que causam desconforto e que resistem à decifração. É uma das escritas mais originais com que já tive contato. Recomendo!
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Biblioteca Álvaro Guerra 19/10/2023

As Convidadas reúne 44 textos breves em que fantasmas emergem de fotos borradas, crianças surdas-mudas criam asas ao saltarem em abismos e o insólito parece ser regra. Na literatura de Silvina Ocampo, o absurdo irrompe de fatos e objetos cotidianos para revelar as facetas mais perturbadoras do ser humano.

Livro disponível para empréstimo nas Bibliotecas Municipais de São Paulo. Basta reservar! De graça!

site: http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/isbn/9786559212057
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Camila Faria 02/01/2023

São 44 contos bem curtinhos, mas nem por isso menos curiosos ou instigantes. Todos possuem elementos fantásticos (alguns mais do que outros), uma certa estranheza ou algum componente insólito. Como se Silvina olhasse para a realidade da vida cotidiana com lentes mágicas, surreais. As histórias que mais me marcaram foram: Carta debaixo da cama, em que uma mulher se vê sozinha, isolada numa casa de vidro sem cortinas, com notícias de um assassino rondando a região; O sinistro do Equador, em que um garçom morto num acidente trágico reaparece para servir a mesa de uma família em choque e O fantasma, em que um perfume inebriante passa a perseguir e a invadir todas as circunstâncias da vida de um homem.

site: https://naomemandeflores.com/os-quatro-ultimos-livros-36/
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Bia 27/03/2024

Histórias muito boas! Foi a minha primeira vez lendo algo da Ocampo e o que mais me impressionou foi a escrita dela, gostei muito da escolha de palavras, existem várias frases belíssimas aqui, mas sem firulas, ela consegue descrever muito bem as emoções humanas.
Para mim dentre os 44 contos os destaques foram:

* Assim eram os seus rostos
* Carta debaixo da cama
* A escada
* Visões
* O Mouro
* O sinistro do Equador
* A cara na palma
* A expiação
* Amor
* O pecado mortal
* Radamanto
* A árvore talhada
* Carta de despedida
* O diário de Porfiria Bernal
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