Coruja 23/05/2011Sou uma leitora de Agatha Christie de longa data – acho que já o disse antes, mas entre os dez e doze anos, ela era praticamente tudo o que eu lia. A mulher sabia escrever mistérios como ninguém, cujo deslinde dos meios e motivos sempre me era o mais excitante.
E, claro, havia o detalhe humano. Gosto muito de Sherlock, mas a verdade é que Poirot é meu detetive favorito. Gosto da forma como esse belga se apresenta, sempre tão cheio de sua própria importância, apesar da aparência peculiar exaltada por sua vaidade, que não deixa de ser um pouco ridículo. E por parecer ridículo, é subestimado – exceto por aqueles que realmente conhecem as extraordinárias células cinzentas do nosso homenzinho de bigode.
Também prefiro Hastings a Watson em termos de lealdade canina. Hastings é um romântico incurável, que puxa Poirot para o óbvio quando o detetive começa a devanear demais e criar o crime perfeito. Faz isso de forma quase inconsciente e esse é um dos motivos pelos quais Poirot chama-o de mascote nesse livro.
Referência cruzada totalmente desproposital: lembrei agora do Naru dizendo a May que ela tinha instintos animais em Ghost Hunt.
Virei dezembro para janeiro lendo tia Agatha. Primeiro, fui atrás de conhecer Tommy e Tuppence, com quem não tive contato em minha fase estritamente policial. Depois de ler sobre eles no Meme Literário da Happy Batatinha, decidi que precisava fazê-lo. Escreverei sobre eles tão logo termine todos os romances que os dois protagonizam.
Daí fui para O Assassinato de Roger Ackroyd que, segundo me disseram, era sua obra-prima. Talvez pela expectativa – poxa, até o Manguel fala bem desse livro! – acabei me decepcionando um pouco, motivo pelo qual nem me animei a escrever a resenha.
Foi então que Os Crimes ABC, que tinha encomendado há meses, chegou finalmente... e, claro, comecei logo a ler.
Primeiro e antes de mais nada, quero parabenizar a senhora tradução da LP&M. De uma forma geral, sempre gostei muito das traduções da editora, especialmente as de Shakespeare, feitas pelo Millôr e a Beatriz Viégas-Faria.
Engraçado que nunca me toquei muito de questões de tradução antes de (1) começar a ler quase tudo em inglês, o que me deixou mais exigente com traduções e (2) fazer amizade com tradutores, o que me fez ter consciência de que eles existem e merecem ser lembrados pelo bom trabalho que fazem.
Agora, sem mais delongas e propagandas (até porque não ganho nada com isso...), ao livro. Em Os Crimes ABC temos um assassino que desafia pessoalmente Poirot. Antes de cometer seus crimes, ele manda cartas ao detetive, avisando o dia e a cidade em que o fato ocorrerá. Ao cometer o segundo assassinato, fica claro seu padrão: eles ocorrem em ordem alfabética, combinando nome da cidade com o da vítima – com a Sra. Asher em Andover.
A cada assassinato, ficamos mais estarrecidos porque não existe realmente lógica na forma como a coisa toda é conduzida. Aparentemente, estamos lidando com um lunático, um psicopata que mata simplesmente para confundir Poirot e a Scotland Yard.
E essa é a chave de tudo. Aparências, confusão. Ficamos perplexos com as pistas que surgem ao longo da história – mas temos de ter em mente que são pistas plantadas ali para nos desviar dos verdadeiros fatos.
Desviar a nós, leitores. Mas não a Poirot.
Dizer muito mais que isso é estragar o livro. Fiquei um pouco insatisfeita com a solução final, porque, bem... o crime quase perfeito deveria ter uma finalidade mais maquiavélica que simplesmente... hum... melhor eu ficar quieta, né? Mas, bem, ainda foi um dos livros que mais gostei com o Poirot.
Seja como for... leiam também. E depois me digam quem vocês pensavam que era o assassino. Eu, pelo menos, errei feio. Ma, c’est la vie. Le prochain, s’il vous plaît.