Dicionário Analítico do Ocidente Medieval

Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacques Le Goff...




Resenhas - Dicionário analítico do Ocidente medieval


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Lista de Livros 22/04/2022

Lista de Livros: Dicionário analítico do Ocidente medieval, de Jacques Le Goff e Jean-Claude Schmitt (Orgs.)
Parte I:

“O direito de fortificar, ligado ao poder de comando, o ban, é um direito público, regalista. Mas, consideremos que o castelo tenha sido construído sem autorização de príncipe, em terras patrimoniais do castelão, ou que este tenha recebido delegação da autoridade pública; o fato é que o ban (e com ele a polícia e a justiça) foi usurpado pelo detentor do castelo. Michel Bur mostrou que a primeira idade feudal é revolucionária em relação ao regime anterior: o castelo – e especialmente o castelo de colina – é o instrumento dessa revolução; ele enraíza o poder no solo. É ao redor do castelo que gravitam os vassalos – todos os feudos do reino da França dependem da torre do Louvre –, é do castelo que vem e pesa a autoridade sobre os habitantes rurais. É então natural que a colina, elemento topográfico, mais estável que as construções, tenha se tornado o símbolo do poder. Sobre a colina abandonada em benefício de um novo castelo, frequentemente se continuou a produzir a justiça senhorial. Explica-se dessa forma o furor dos senhores do sul da França em recortar os relevos em forma de colina. (...)
Em todos os casos, o resultado da atração exercida pelo castelo é a concentração do hábitat camponês em detrimento das aglomerações anteriores, menores e dispersas. Aliás, o fenômeno é geral, ou largamente presente em todo o Ocidente, e o agrupamento se dá mesmo na ausência do castelo. Mas não na ausência do senhorio. O impulso do movimento de concentração dos hábitats que acompanha, pelo menos na cronologia, o estabelecimento do regime feudal, não deve ser buscado na opressão, nem no medo das guerras ou das invasões (sarracenas, por exemplo), nem nas vantagens econômicas. É a necessidade de ordem, mesmo sendo uma ordem dura e severa, a necessidade de paz civil, mesmo se permanece precária, que leva os homens a se reunir sob a dominação senhorial e, então, frequentemente sob a proteção das defesas castrenses.”
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Parte II:

“Em suma, a melhor definição “da” fronteira medieval parece-me ser aquela de Pierre Toubert: “A fronteira jamais é linear, a não ser por abstração: ela é uma zona. Ela é estática apenas na aparência. Ela é sempre a resultante de um movimento e apenas materializa no espaço um precário estado de equilíbrio [...]. O movimento que cria ou sustenta uma fronteira é constituído pela intervenção de numerosos componentes de diferentes ordens (demográficos, econômicos, linguísticos, religiosos, geopolíticos etc.) [ ··]. A fronteira nunca é um obstáculo ou uma simples barreira, mas uma membrana viva ou [...] um ‘órgão periférico.’ [...] A fronteira parece, muitas vezes, produzir, talvez, 'gêneros de vida específicos', como o do 'soldado-camponês'. Ela cria, em todo caso, um estilo de vida cujos caracteres fundamentais são a violência e o desrespeito às normas e aos mecanismos de enquadramento social que prevalecem nas zonas centrais. O mundo da fronteira é assim, por excelência o do out law”.”
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“É pela associação de um “corpo” e de uma “alma” que a tradição ocidental comumente define a pessoa humana. Essa associação, sua estrutura binária, os termos que a constituem, parecem fatos a tal ponto evidentes que nós os projetamos voluntariamente e sem maior precaução sobre outras culturas ou sobre períodos históricos diferentes. Mas é no mínimo arriscado prejulgar o caráter universal de tais categorias e da natureza de sua relação. Mesmo no Ocidente, nada autoriza, a priori, afirmar que a oposição de corpo e alma, radicalizada por certas correntes da moral religiosa ou – por razões diversas – pela filosofia cartesiana, seja sempre e em todo lugar igualmente traçada. Somente a constatação, sem dúvida feita por todos os homens, da finitude de sua existência corporal – traída pelos sinais de envelhecimento, a evidência da morte, a alteração irredutível do cadáver, a dissolução das carnes – e, inversamente, o reconhecimento por cada um da faculdade que tem de transcender seus limites pelas faculdades de sua “alma” (o pensamento, a memória, o sonho, a crença), podem ser considerados características universais. Mas cada cultura atribui tais observações à sua própria concepção de pessoa, a seu próprio sistema.”
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Parte III:

“Ora não são as instituições que produzem a história, são os homens, mesmo quando eles o conseguem apenas graças às instituições.”
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“A Idade Média começa no século V quando se dá o desmoronamento do mais poderoso Estado, cuja lembrança vai perdurar: o Império Romano. Império de uma cidade que se tornou progressivamente imenso espaço territorial, o Império Romano sofria da ambiguidade de sua própria natureza: seu ideal cívico, de início limitado a Roma, estendeu-se à Itália, mas dele partilhavam apenas os magistrados e os militares veteranos. O caráter meramente predador de sua construção territorial perpetuou-se no fiscalismo. Para acumular recursos, era necessário expandir o Império: ora, a própria dilatação do espaço controlado tornava as conquistas mais difíceis, menos rentáveis quando a agitação das populações germânicas no Ocidente e a concorrência exacerbada com o Império Parta no Oriente absorviam o essencial dos recursos. Sem poder aumentar a pressão fiscal, os imperadores arriscaram-se em manipulações monetárias, provocando, por muito tempo, inevitável enfraquecimento econômico. O sobressalto produzido pela militarização do Império, depois pela sua cristianização no reinado de Constantino, prolongou sua existência, mas não lhe deixou tempo para uma mudança em profundidade.
Efetivamente, o Império Romano desmoronou apenas no Ocidente. No Oriente, subsistiu um império que chamamos de Bizantino e cujas províncias do Egito e da Síria, desde o final do reinado de Heráclio, foram tomadas pelos árabes. Seus súditos, até a queda final de Bizâncio, diziam-se “romanos”. Na verdade, esse império representou um dos modelos possíveis da evolução e da adaptação do sistema romano: um imperador que conjugava sacralidade cristã e magistratura antiga, prática de associação e valorização da legitimidade dinástica (os “porfirogênetas”, nascidos no palácio imperial), que davam certa estabilidade à instituição; uma aristocracia civil animada pelo ideal do serviço ao Estado; uma população de camponeses-soldados (os estratiotas) ou marinheiros que garantiam a defesa da coletividade. Entretanto, submetido a múltiplas pressões dos povos eslavos ou eslavizados (búlgaros, russos), do Islã (árabes, turcos) e do Ocidente (normandos, depois cruzados), esvaziado de sua substância econômica por seus “aliados” venezianos ou genoveses, o Império Bizantino revelou-se incapaz de se regenerar, e do século XII até seu desaparecimento, em I453, sua decadência parecia inevitável.”
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Parte IV:

“Não existe espírito de síntese pior que o do senso comum, forma de aproximação das realidades sociais que utiliza como ferramentas naturais e acima de qualquer suspeita as grandes categorias do espírito público contemporâneo: política, economia, direito, religião, arte, língua, cultura, família etc. Sintagmas como “lutas políticas”, “desenvolvimento econômico”, “preocupações religiosas”, são ingenuamente considerados como dotados de um valor intrínseco, perpétuo, independente da sociedade considerada. Se pensamos que o historiador deve examinar minuciosamente cada grande forma de sociedade ou de civilização para tentar encontrar as articulações específicas, de maneira a explicitar seu modo de funcionamento original e poder expor assim sua dinâmica própria, não se pode omitir uma fase de crítica radical desse sistema de senso comum. Isto a fim de poder elaborar empiricamente, em cada caso, um repertório das mais importantes formas originais de relações sociais e de atividades, graças ao qual se possa esperar construir um jogo de hipóteses o mais próximo possível da sociedade considerada, permitindo dessa forma obter uma imagem adaptada e realista de seu funcionamento, em suma, uma imagem explicativa.”
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“No estado atual da pesquisa, a noção de feudalismo soa antes de tudo como o apelo a uma escolha da qual é inútil pretender se esquivar: ou nos acomodamos ao espírito de síntese mais difundido, o do senso comum, que se refere aos efeitos do acaso e dos grandes homens, que a respeito de tudo invoca a infinita diversidade do real e a eternidade da psicologia humana, que acredita, portanto, na autossuficiência das narrativas e das pequenas construções locais; ou então percebemos a necessidade prévia de esclarecer a lógica geral de uma civilização para poder compreender o sentido de seus elementos e procuramos construir as noções e as hipóteses que permitem, lenta e laboriosamente, apreender fragmentos de coerência nessa civilização, evitando, assim, atribuir relações que lhe são alheias. Cada um que decida. Livremente, se possível.”
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