Queria Estar Lendo 05/06/2023
Resenha: Caindo de Paraquedas
Recebido em cortesia da Editora Naci, Caindo de Paraquedas é um aclamado YA contemporâneo da autora Kelly Yang. A história acompanha duas garotas de origens diferentes estudando na mesma escola particular, e vivenciando sonhos e pesadelos se desenrolando em sua rotina.
Dani é uma aluna exemplar. Bolsista na escola particular, ela faz parte do clube de debate e é a queridinha do orientador, o sr. Connelly, com grandes chances de entrar para Yale se continuar se saindo bem nas competições. Ela e a mãe sempre viveram com dificuldades, trabalhando em uma empresa de serviços de limpeza, batalhando por cada centavo. Dani quer se sair bem para ajudar a mãe a ter um pouco de paz, valorizando todos os sacrifícios que ela fez até então.
Claire é tirada da sua vida de privilégios em Xangai para experimentar a vida e a rotina estadunidense em uma escola particular da Califórnia. Ela está perdida, mas também está livre. O que significa que vai poder viver pelas próprias regras pela primeira vez em sua vida.
A única coisa que as duas têm em comum é que dividem a mesma casa, porque Claire faz parte de um programa de intercâmbio que paga a famílias "host" pela sua estadia. Mas ainda é filha de um magnata chinês, e Dani ainda precisa lutar por cada centavo.
Com o tempo, no entanto, os problemas e vivências das duas podem mostrar que têm mais em comum simplesmente existindo juntas do que imaginavam.
Caindo de Paraquedas é um livro excelente. Fazia tempo que uma leitura longa não me fisgava do jeito que essa fisgou. Toda a história que Kelly Yang está contando aqui é de partir o coração e reparar alguns pedacinhos dele.
Os pontos de vista das personagens se dividem de capítulo em capítulo. É um livro sobre conflitos, e desenvolve cada um deles bem demais. Suas protagonistas pertencem a realidades completamente diferentes e, ainda assim, estão sujeitas aos mesmos horrores do dia a dia: racismo, assédio, violência sexual, misoginia.
É com maestria que a autora conversa sobre esses problemas, nos mostrando as injustiças absurdas pelas quais Dani e Claire têm que passar simplesmente por existirem. Como garotas não branca, principalmente, os horrores são ainda maiores.
Dani, por ser filha de uma mulher filipina, bolsista e dependente da "boa vontade" da escola, precisa tomar cuidado com o que diz e como diz. O mundo mostra a ela que não é seu direito levantar a voz, porque ninguém vai ouvir. E é irônico, considerando que Dani é uma grande oradora, a melhor da sua turma de debates. É desesperador, porque queremos que ela levante a voz, mas ela precisa encontrar força para isso.
Claire, por outro lado, apesar de todo privilégio, dinheiro e status, não está livre de sofrer e de ser silenciada. Ela está "livre" ali na América, mas, ao mesmo tempo, tem que tomar cuidado com tudo que faz, e como faz, e com quem faz.
Caindo de Paraquedas mostra as injustiças e os terrores que qualquer jovem garota pode sofrer ao viver e existir, e é revoltante e faz com que a gente queira mastigar as páginas do livro.
As questões envolvendo assédio sexual, violência sexual, racismo e misoginia são escancaradas com o passar das páginas. E vêm dos lugares mais inesperados, porque é assim que acontece no dia a dia. Você se sente segura, e então o mundo puxa o tapete sob seus pés. Não importa sua origem, seu status, quanto dinheiro você tenha; existir enquanto mulher (cis ou trans) é um risco.
E é tão doloroso quando as garotas percebem isso. Quando o mundo de possibilidades e sonhos é estilhaçado diante delas, porque elas veem o lado horrível dele. E é enfurecedor como esse mundo de privilégios trata as situações, porque Kelly Yang usa seu livro para fazer uma grave denúncia à maneira com que o ambiente acadêmico lida com problemas no corpo docente e aluno privilegiados.
É um retrato do mundo. Basta ter um pouco de dinheiro, de fama, de carisma, e acusações graves de racismo, estupro e assédio não caem sobre a cabeça dessas pessoas.
"- Quando nós caímos, é queda livre."
E vai de micro-agressões, como comentários racistas, descrédito por qualquer coisa que personagens não brancos tentem fazer, misoginia velada; até as agressões que deixam cicatrizes emocionais e psicológicas, conforme os avisos de conteúdo no início do livro (estupro e assédio sexual).
Mas ainda que seja um cenário desolador, não é vazio de esperança. Porque Caindo de Paraquedas mostra a força dessas garotas. Mostra que, apesar das injustiças e do sistema falho, ainda dá pra falar. Ainda tem espaço para levantar a voz. Elas não estão sozinhas, e nunca vão estar.
O nome do livro, aliás, tem uma conexão muito legal com a questão dos Paraquedistas - que são os adolescentes imigrantes que vêm participar do programa de estudos nessa escola. O que significa ser um Paraquedista, e o que significa viver caindo de paraquedas, é essencial para a jornada da protagonista que literalmente cai ali de paraquedas, e a que é forçada a pular.
A edição da Naci tá linda. Eu adorei a capa brasileira (a arte é bem mais bonita que a gringa!), gostei dos detalhes da diagramação, que é confortável pra leitura. A tradução de Ana Beatriz Omuro ficou excelente!
Caindo de Paraquedas é um livro forte sobre resistência. Fala sobre juventude e os perrengues de pessoas não brancas ocupando espaços que, até então, "pertenciam" aos brancos. Fala sobre diferença de classe, opressão financeira e misógina, e termina num tom agridoce que dá esperança num cenário até então injusto.
site: https://www.queriaestarlendo.com.br/2023/06/resenha-caindo-de-paraquedas-kelly-yang.html