O Sósia

O Sósia Fiódor Dostoiévski




Resenhas - O Sósia


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Flávia Menezes 16/02/2024

ENSAIO SOBRE A ESQUIZOFRENIA.
?O sósia? (ou ?O duplo?) é o segundo romance do escritor, filósofo e jornalista do Império Russo, Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, publicado em 30 de janeiro de 1846, e que para espanto do seu autor, acabou recebendo uma recepção muito diferente da aclamação obtida por ?Gente Pobre?, seu primeiro romance.

Em ?O sósia?, Dostoiévski foi fortemente atacado pela crítica, em especial pelo crítico russo mais importante da época (e até então seu amigo próximo), Bielínski, que segundo o estudioso americano (e um dos principais especialistas na vida e obra do autor), Joseph Frank, chegou a dizer que a obra continha um ?colorido fantástico? que ?em nossa época, (...) pode ter lugar em manicômios, mas não na literatura, pode ser assunto para médicos, mas não para poetas?.

As narrativas de Dostoiévski são mundialmente conhecidas por suas habilidosas descrições da mente humana, onde seus personagens nos revelam com profundidade seus maiores conflitos pessoais, ambivalências, indecisões, angústias, além daqueles que tem durante a história seus quadros de transtornos mentais descortinados.

Esse (exímio) talento do autor em fazer um retrato psicológico dos seus personagens, chegou a lhe render o título de psicólogo, e o mais curioso nesta obra específica, é que as descrições claras e precisas que ele faz dos sintomas psicóticos característicos de um quadro de esquizofrenia, aconteceram anos antes da publicação dos trabalhos de Kahlbaum (1863) e Hecher (1871) sobre o tema.

De fato, na segunda metade do século XIX, pouco se conhecia sobre a esquizofrenia, muito embora as primeiras descrições da doença tenham sido feitas em 1809, quando foi publicada a segunda edição de ?Traité Médico-Philosophique sur l´Alienation Mental?, de Philippe Pinel, e com o ?Observation on Madness and Melancoly?, de John Haslan. O que só evidencia a genialidade de um autor que tinha uma ?percepção penetrante da terrível fragilidade e transitoriedade da existência humana?.

Neste romance, Dostoiévski nos conta a história de Yákov Pietróvitch Golyádkin, um funcionário burocrático de São Petersburgo, que após passar por alguns eventos estressantes, que resultaram em uma dose descomunal de desconforto, insegurança e agitação, ainda vive uma inusitada experiência ao ser apresentado ao seu doppelgänger.

A trama nos envia diretamente para o mundo psíquico de Golyádkin, que sem qualquer marcação de tempo, ora nos conta a história através da voz do narrador, e ora o faz através dos seus pensamentos (mundo interno), nos deixando confusos sobre o que de fato é devaneio do que é apenas delírio.

E é exatamente aí que reside a maestria desta história: que através desse diálogo interno do personagem-narrador, experimentamos toda a angústia e o sofrimento da sua vivência psicótica.

Em alguns momentos, esse diálogo chegou a me lembrar do Sméagol (de ?O Senhor dos Anéis? do mestre Tolkien), que com sua fala sempre em terceira pessoa, travava diálogos calorosos e bastante perturbadores com Gollum, nos mostrando o quanto o bem e o mal se digladiavam dentro dele. Por muitas vezes durante esta leitura, eu pude sentir o mesmo acontecer entre Golyádkin Sênior e Golyádkin Júnior.

Sobre os quadros de síndrome da falsa identificação delirante, gostaria só de esclarecer de que se referem a fenômenos psicopatológicos raros, identificados em casos de esquizofrenia, transtornos afetivos e doenças orgânicas, e quando presentes na esquizofrenia, geralmente são precedidos por ideias paranoides, associados a alterações de linguagem, da sensopercepção do pensamento e do comportamento.

Mas muito embora se trate de um quadro clínico, cabe também ressaltar que essa temática do duplo (ou da duplicação do eu) pode ser encontrada na literatura desde a sua antiguidade, especialmente na mitologia e nos contos de fadas, e foi tema de clássicos tais como ?William Wilson?, de Edgar Allan Poe, e ?O retrato de Dorian Gray?, do Oscar Wilde.

Quis fazer esse breve esclarecimento sobre esse tópico tanto do ponto de vista psicológico quanto da literatura, porque eu dei início a essa leitura exatamente depois de ter lido alguns comentários em um grupo de leitura de Dostoiévski, onde falavam de como essa era uma leitura difícil, e o quanto este era um livro ?mais para psicólogos?, ou, pelo menos, para ?pessoas que possuem algum interesse em psicologia?.

De fato, é inegável a capacidade que Dostoiévski possuía de descrever o mundo interno de seus personagens, e do quanto, neste livro, ele conseguiu detalhar com muita clareza essa vivência delirante do sósia. Mas a verdade é que esse não é um livro para psicólogos apenas, mas para todos nós!

Este é um livro que fala sobre o efeito nocivo de se cultivar pensamentos negativos, que muitas vezes são motivados pelas nossas crenças paralisantes. Fala sobre o medo da rejeição, sobre ansiedade, sobre a necessidade de pertencer a um grupo, de necessidade aceitação.

Quando Golyádkin tira todas as suas máscaras, e se mostra ao leitor totalmente despido de qualquer vaidade, chega a ser constrangedor ver o quanto ele se expõe diante dos nossos olhos se revelando tão frágil, tão falho e tão fraco. E fica muito claro o quanto esse excesso de pensar, de tentar entender algo que está totalmente fora do seu controle (o pensamento e sentimento do outro) pode facilmente fazer alguém adoecer.

Eu entendo que nem todas as pessoas já tenham feito um exercício tão intenso assim (até por ausência de qualquer necessidade de fazê-lo. Afinal, às vezes a vida realmente pode estar indo muito bem, e em momentos assim, não existe uma necessidade emergencial em se parar para fazer algum tipo de análise sobre a vida), de olhar para um evento estressante da sua vida, e sem medo algum, descrever cada sentimento negativo ou constrangedor, com tamanha honestidade, mesmo que isso lhe cause desconforto ou dor.

E é exatamente por isso que eu considero este um livro tão importante para todos os leitores, e não apenas para aqueles que estejam familiarizados com as questões psicológicas. Porque ele mostra como é ir até a raiz de um sentimento. Como é olhar para dentro de si mesmo com coragem, com ousadia, deixando sangrar o que tiver que sangrar, para só depois remediar. Mas sem tentar mascarar.

Claro que esse é um bom exercício para se fazer com o acompanhamento adequado de um profissional especializado. Até mesmo porque ele será a pessoa certa, que estará ali ao seu lado, para segurar sua mão e te puxar de volta.

Até porque esse é exatamente o alerta que o autor nos faz: mergulhar demais nos nossos pensamentos só reforça em nós a paranóia, e nos deixa mais na defensiva em nossas relações. Já quando mergulhamos nesses pensamentos sem receio de ir cada vez mais fundo, mas guiados por um profissional qualificado (um psicoterapeuta), teremos nossos pensamentos ordenados por ele, e assim não haverá perigo de permanecer por muito tempo submergidos.

Confesso que até para ler esse livro, é preciso saber dosar, porque é intenso demais estar na mente desse personagem durante muitas horas seguidas. E se aqui vale o conselho: apesar de ser um livro curto, mas vá aos poucos. Porque estar na mente do Golyádkin, e sentir todo o seu sofrimento e angústia é realmente exaustivo (acredite!).

Mesmo que este não seja o seu tipo de livro favorito, por ter esse enfoque na vida interna do personagem, com seus pensamentos e divagações tomando a maior parte da trama, e onde os eventos passam a ser secundários, espero que possa dar uma chance a ele.

Porque existem pontos aqui que não se referem apenas a um transtorno específico, mas são um alerta para nos atentarmos mais sobre a nossa saúde mental. E isso é exatamente o que Dostoiévski faz aqui, e com muita maestria!
AndrAa58 17/02/2024minha estante
Amiga... Que resenha maravilhosa, como sempre. Mas confesso que me apaixonei por essa, aprendi um montão. Obrigada. P.S.: Elegi suas resenhas como prefácio dos livros. Vou sempre conferir antes de cada leitura nova ?


Flávia Menezes 17/02/2024minha estante
Amiga, você é incrível por dizer coisas assim! Obrigada pelas palavras carinhosas. ?
Esse Dostô deu aula mesmo. E olha que o coitadinho sofreu com as críticas, como vimos bem lá na biografia escrita pelo Joseph Frank. Mas de ver que ele traz conceitos de um transtorno muito tempo antes de trabalhos específicos sobre o caso? já vemos que o que ele escrevia, não era nada ao acaso. Esse Dostô era um gênio!!


AndrAa58 17/02/2024minha estante
Sim. Sou apaixonada por ele ? e a cada releitura dos seus livros percebo mais, aprendo mais, amadureço mais, gosto mais...
Também estou aprendendo com as suas resenhas ??


Flávia Menezes 17/02/2024minha estante
Então a troca é boa, amiga! Porque eu também aprendo muito com você. ?


Cleber 17/02/2024minha estante
Também conhecia este livro pelo nome de O Duplo. Sou fã do Dostô e não conhecia toda essas curiosidades sobre a vida dele e o livro. Adorei a comparação com O Senhor dos Anéis! Que resenha fantástica!!!


Flávia Menezes 17/02/2024minha estante
Eu também, Cleber. Mas confesso que gostei mais dessa tradução. Então acabei usando esse título.
Obrigada pelas palavras e por estar sempre por aqui, Cleber!
E sobre a comparação com a obra do Tolkien? por trás de toda aquela fantasia, existia um escritor genial, e essa dualidade do Sméagol/Gollum é exatamente o que o Dostô traz aqui. A paranóia?a mania de perseguição? essas características todas também estavam lá. Esse é a riqueza do universo literário! ?


Gabriela_Sut 18/02/2024minha estante
Ótima resenha! O livro me pareceu bem interessante!


Flávia Menezes 18/02/2024minha estante
Obrigada, Gabi! Dostô é um escritor genial, e esse livrinho nos mostra coisas tão importantes! Vale à pena essa leitura! ??


Willian284 18/02/2024minha estante
Péra.... Dorian Gray também? Puts, eu nunca tinha pensado por esse lado kkkkk agora quero ler de novo


Flávia Menezes 18/02/2024minha estante
Sério, William. Dorian Grey também tem essa questão da dualidade. ?
Quando você reler vou ficar de olho para comentarmos sobre esse assunto! ???


Elcimar.Matos 19/02/2024minha estante
que livro interessante, é sempre bom saber a sua perspectiva, ótima resenha como sempre, Flá!


Flávia Menezes 19/02/2024minha estante
Obrigada, meu querido Elcimar!
Dostô é um escritor que nos faz refletir em todos os seus livros, e de um jeito muito único e profundo. Recomendo muito!


Leo Moura 19/02/2024minha estante
É ler a resenha e querer pegar o livro em seguida, não tem jeito! que resenha satisfatória! gostei particularmente dessa reflexão que você fez sobre a utilidade de nos encararmos "sem máscaras". Não é das coisas mais fáceis de fazer, porém necessária. Sério, deu vontade de ler, com esse prisma em mente.


Flávia Menezes 19/02/2024minha estante
Leo meu querido, muito obrigada!! Estou lisonjeada agora com as suas palavras! ?
Mas Dostô foi mesmo esse homem capaz de tirar as máscaras dos seus personagens para revelar tudo o que tinha ali sem medo de se mostrar até no ridículo, no bobo, no banal. E eu acho brilhante o quanto ele nos convida a fazer exercícios assim, sem medo. Ele teve muito a nos ensinar e tem sido maravilhoso aprender com ele!
Vou ficar de olho na sua leitura desse, viu? Curiosíssima com as suas impressões!!


Regis 20/02/2024minha estante
Que perfeição de resenha, amiga Flávia! Um amigo leu recentemente esse livro e já tinha me instigado, mas sua resenha estimulante me convenceu a acrescentar mais esse na minha lista. ?


Flávia Menezes 20/02/2024minha estante
Regis, amiga, muito obrigada pelas palavras! Estou lisonjeada!!!! ??
Eu tenho certeza de que você vai gostar desse livro. É mais voltado pro psicológico do personagem, que apesar de ter uma patologia, mas também nos lembra tanto de tudo aquilo que vamos alimentando e tanto faz mal à nossa saúde mental. Dostô foi muito além do seu tempo com seus livros e seus mergulhos nesse universo complexo da mente humana. Vou ficar de olho na sua leitura pra ver suas impressões!




Thais 14/06/2023

Confuso, paranoico, mas cômico.
Achei confuso. Fiquei com muitas dúvidas, seria o sosia a nossa personalidade melhorada?
É uma leitura inteligente, prende a nossa atenção e por curiosidade você lê até o final só pra conferir o desenrolar dessa loucura toda de uma mente solitária.
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Rafael482 10/04/2023

Sou vários em um só?
O sósia (ou O duplo), é um livro ambíguo, no sentido literal da palavra.
Enquanto ele vai te enredando numa mistura de palavras e frases não terminadas pelo protagonista, a história vai prosseguindo e te mantendo na leitura (apesar de algumas vezes não tão fluida). A falta de objetividade do protagonista vai ajudando a tornar sua vida um verdadeiro caos. Será tudo obra dos seus inimigos? Ou ?apenas? vultos de uma mente atormentada? Uma criação do seu inconsciente, personalizado no seu maior inimigo - o seu sósia?!
O grande mérito do livro é não deixar nada muito claro?A trama vai acontecendo e a dúvida do que é real ou não sempre fica. Pelo menos pra mim.
Vale a leitura.
Otávio 28/04/2023minha estante
também senti ambiguidade, talvez por se tratar de uma novela psicológica. o final do livro dá bastante a entender que talvez muito do que se descreve seja realmente fruto de uma mente atormentada.




Juli 06/08/2023

LOUCO
Uma história com viés psicólogo, onde que Goliádkin, o protaginista, encontra-se em um dado momento de sua vida com um sósia seu. Mesmo nome, mesma aparência... será este um irmão gêmeo perdido ou um acaso da natureza? O fato é que seu sósia chegou e está a cada passo da história mais penetrante na vida de Goliádkin o desestabilizando psicológico e socialmente. O que será afinal este sósia, de onde veio e porque veio, qual seu intuito e qual será o fim desta bizarrice?...

A história é marcada também por uma comunicação, por parte do protagonista, cheia de vocativos e frases inacabadas mostrando seu lado inseguro nas interações sociais.

Obra com capítulos pequenos e de rápida leitura.

Na ordem cronológica se trata da segunda obra de Dostoiévski, e que, diferentemente de Gente Pobre, que foi sua primeira obra, foi pouco aceita e muito criticada na época (1846) por provavelmente ter uma abordagem psicologica sendo este um tema não tão "normal" para aquele momento

Indico e boas leituras.?
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Jussara 31/12/2023

Passei o livro entre raiva e pena pelo senhor Goliadkin, pena por ver um personagem extremamente inseguro e ainda tendo q lidar com a invasão a sua vida por essa figura q é o seu sósia, e raiva da sua inocência em frente a esse.
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