von bora 17/01/2024
Impactante
Quando penso neste livro, desenham se em minha mentes as frases da canção ?labour?, de Paris Paloma, em vívido carmesim.
Um poeta veria este livro como um conto de amor, um homem, como a história de uma guerra civil nos alicerces da Inglaterra, mas qualquer mulher o compreenderia como uma obra acerca de outra mulher, acerca de sua força e pesar: Alinor.
Vivendo no seio de uma comunidade anglicana puritana na primeira metade do século XVII, na ilha de Sealsea, conhecida por suas mares implacáveis que transformam o lugar em um purgatório terreno, Alinor Reekie é uma aldeã que vive com os dois filhos à margem da sociedade e na mais completa miséria, após seu marido, um pescador, ser dado como desaparecido. Tendo aprendido como trazer crianças ao mundo, cuidar de doenças e a dominar o conhecimento das ervas, como a sua mãe, e a mãe da sua mãe, antes delas, Alinor é conhecida no meio lodoso onde vive como curandeira e herbalista, na melhor das faces. Na pior, como alguém que dança com as fadas, que faz alquimia, que tem contato com o outro mundo e que por ele é favorecida. Sua beleza, dizem, é sua ruína, trazendo para ela a fama de uma bruxa, uma fada, uma lilith.
Ao longo das eras, a relação entre a mulher e a natureza foi muitas vezes envolta em misticismo, sendo esta frequentemente associada à natureza devido à sua capacidade de dar à luz, o que a ligava ao ciclo natural de vida e morte.
De modo dualístico, tal associação também levou à objetificação da mulher, tornando-a frequentemente vista como selvagem e irracional, do modo como natureza era percebida. Nesta linha de pensar, a mulher era vista como um ser inferior que precisava ser controlado e domesticado, tendo sido muitas vezes retratada como a "porta para o pecado", uma ideia que se originou de interpretações de textos religiosos. Eva, por exemplo, é retratada como a instigadora do pecado original, levando Adão a comer o fruto proibido. Tal crença perpetuara a ideia de que as mulheres são inerentemente pecaminosas ou corruptas, do que nem mesmo um amante implacável e apaixonado poderia proteger uma mulher, tendo isto sido usado para justificar a sua subjugação, e resultando em várias formas de violência física e sexual, e a privação de direitos básicos.
Os pesares de Alinor, todavia, não a definem. Ela insiste em seu juízo moral independente e em sua própria liberdade de pensamento e sentimento. Embora dependa dos vizinhos para ganhar a vida e de um homem para garantir sua condição social, ela pensa, sente e vive por e para si mesma. Numa época em que as mulheres nada valiam, ela valoriza a si mesma. Ela é - ainda que apenas para si mesma - uma heroína.