mauriciolimeira 13/05/2016
O Adversário (Livro) - Resenha de Fernando Ticon
Em “O Adversário”, primeiro romance do escritor Maurício Limeira, somos transportados para um Rio de Janeiro cinzento e despido de superficialidades, que o deram título de cidade maravilhosa. É pelos lados mais obscuros da sociedade carioca que rasteja um mal muito mais engenhoso do que aquele estampado nas capas de jornais. Publicado de forma independente em 2014, o livro explora o terror psicológico e sobrenatural num ambiente urbano contemporâneo. Ele segue os passos de José Carlos, um jornalista em busca de vingança pelo assassinato de sua namorada, e acaba se metendo num submundo muito maior e mais perturbador do que poderia imaginar.
Apelidado de Zeca quando criança, o protagonista contrata os serviços do assassino de aluguel chamado Casemiro, que tem o status de ser um agente do além, uma lenda, cheio de poderes sobrenaturais. Zeca ainda não sabe o preço a ser pago por tal serviço, e muito menos o mistério por trás de Casemiro, que passa a assombrá-lo. A história se desdobra entre zona sul, periferia e favelas do Rio de Janeiro, mostrando uma ótima utilização do espaço urbano carioca, sem nunca largar a percepção perturbada e cheia de adjetivos do interlocutor. Expressividade que deixa a leitura um pouco cansativa nos capítulos mais calmos e explicativos, mas poderosa ao ilustrar as passagens mais sombrias da trama.
O caminho entre José Carlos e Casemiro passa por personagens com papeis bem definidos, mas não tão bem explorados como os antagonistas, fazendo questionar a motivação de determinadas escolhas. Certas vezes se espera pela justificativa nas próximas páginas, que não chega. Já no campo da simbologia religiosa e oculta, os elementos são expostos de forma interessante ao misturar referências culturais com uma visão mais autoral. O que existe além da vida e da percepção humana é comumente expandido, sempre utilizando uma posição individualista como referência. Infelizmente, isso acaba se contrastando com a grandiosidade e o caráter coletivo das consequências que são expostas na reta final do livro.
O autor possui uma linguagem bastante amadurecida para o formato, com ótimas construções de diálogo e descrição de ambientes. As cenas de horror são bastante vívidas, brutais e sem censura. Somos constantemente transportados pela linha temporal da história, que transita entre presente e passado, realidade e ilusão. Nisso pode-se confundir a utilização de tempos verbais não muito amigáveis, como parágrafos inteiros no futuro do pretérito, e mudanças de primeira para terceira pessoa entre cenas, apesar dos excelentes ganchos que prendem o leitor capítulo a capítulo.
O final é menos satisfatório do que a jornada, pois existe uma certa descaracterização de quem aprendemos a encarar como vilão. O desejo pelo poder nunca teve uma motivação baseada em fatos e acontecimentos além da sua inclinação natural, e sua voz se transforma em algo incompatível com o que foi apresentado até o momento. Toda a construção criada pela ambição individual e a busca pelo poder se transforma, levando as consequências para um alvo muito maior que estava ausente até o momento. Uma sociedade comum que não participou da história tanto quanto o individualismo dos personagens, mas que agora é um alvo grande o suficiente para conter uma maior diversidade, mantendo a nossa curiosidade ao virar a última página.
Como primeira obra, “O Adversário” é uma excelente entrada na carreira do autor, trazendo o terror contemporâneo para um lado obscuro do ambiente urbano. É perceptível a necessidade de uma revisão mais técnica da obra, e o desprendimento do formato “10 páginas por capítulo” que cria uma certa previsibilidade (e obrigação de parágrafos).
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