Sabrina 24/01/2013
Sobre sentimentos e descrições
Letícia Wierzchowski escreve poesia em forma de romance. Suas descrições das paisagens, das estações, dos amores e de todos os sentimentos – o elemento mais presente neste livro – são lindos; tão lindos que emocionam facilmente e cativam o leitor. Até as casas, os móveis, e o próprio pampa parecem ter personalidade, pois ela os descreve como elementos vivos do ambiente, que trazem lembranças aos seus personagens. Personagens que, de tão humanos parecem ser reais, de carne e osso, e que poderiam estar conversando com o leitor, e não presos a uma página de papel.
[SPOILERS]
Além disso, a escritora faz uma imagem tão bela do pampa gaúcho que até quem não nasceu no Rio Grande do Sul vai passar a amar estes lugares. Mas não de um jeito bairrista: as mazelas também estão muito claras, como a desesperança após a derrota na Revolução Farroupilha, a perda de muitas vidas nas insistentes guerras que assolavam esta localidade no final do século XIX, o isolamento e a dificuldade de se conseguir itens importantes devido a distância do centro econômico do país, as noites de inverno que são tão longas, as estações que são implacáveis – ou muito frio, ou muito calor, entre tantas outras.
Contudo, o centro das suas descrições está na força das mulheres. Ela cria novas “Ana Terra”, personagem de Érico Veríssimo que sempre é lembrada ao citar a coragem das mulheres gaúchas. Mesmo enterrando tantos filhos, sobrinhos, netos e maridos, elas encontram forças para continuar, um motivo para viver. E sem chorar na frente dos outros. Essa é a principal característica que une as mulheres da família de Bento Gonçalves, mais uma vez retratadas em Um Farol no Pampa, já que este livro é a continuação de A Casa das Sete Mulheres. Neste, ficamos sabendo do destino e desfecho das vidas que começamos a acompanhar no primeiro livro, após a Revolução Farroupilha. Personagens como Manuela, Mariana, Caetana, Perpétua, Bento Gonçalves, entre outros, voltam a aparecer. E novos personagens são inseridos, como os filhos que dão continuidade a família.
Um Farol no Pampa é, na verdade, um conjunto de contos, em que cada um trata de um personagem especificamente. E assim vai construindo as teias de histórias que se entrelaçam, de amores e de entes queridos que se vão.
Que se vão, que morrem, sim, pois este livro é quase um tratado sobre a dor da perda e a inevitabilidade da morte. É possível aprender muito com os ditos sábios das mulheres que se consolavam entre si nos tantos enterros que ocorrem ao longo do livro.
O ponto negativo da obra, contudo, é se focar demais nos sentimentos. Às vezes, o que está ocorrendo ao redor parece um pouco vazio frente a tanta explicação sobre o que o personagem está pensando. A Guerra do Paraguai, o maior conflito dessa obra, é bem retratada no que se refere aos seus horrores, mas fica devendo nas explicações dos motivos para a sua deflagração, e o seu término também carece de entendimento.
Outro recurso que poderia ter sido evitado ao longo da narrativa é a repetição excessiva de algumas histórias, o que o torna enfadonho por trechos breves. Por exemplo, é repetido à exaustão que Manuela decidiu se enclausurar em casa, e usa um vestido de noiva, à espera que o seu grande amor, Giusepe Garibaldi, venha buscá-la.
Apesar das 520 páginas da obra, a leitura flui muito rapidamente. E, ao final, fica parecendo que ainda há mais histórias a contar. Depois de detalhar tão bem a vida de certos personagens, não dar um desfecho para o filho de Matias, Antônio, no final, parece estranho. E encerrar com ele se apaixonando por um fantasma – que morreu aos 4 anos de idade, mas agora parece ter 20 (como assim? Achei que fantasmas não envelheciam na aparência!) deixa a desejar.
Fazendo um balanço dos pontos positivos e negativos da obra, os melhores aspectos prevalecem. Vale a pena ser lido pela beleza das descrições e dos sentimentos. Letícia Wierzchowski vem se consagrando como uma grande escritora brasileira.