POPS

POPS Terry Teachout




Resenhas - POPS


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Pandora 29/03/2021

"Pops: a vida de Louis Armstrong" escrito pelo Terry Teachout chegou a minha estante em maio de 2018 como presente de aniversário da Ana Seerig. Sim, esse, assim como o "Joana D'arc: médium" do Léon Denis, foi mais um presente dela. Sim, a Ana Seerig é apaixonada por biografias, fora essa ainda tem mais uma biografia na pilha dos livros com os quais ela me presenteou ao longo dos últimos dez anos e em breve, se Deus quiser, estarei lendo e resenhando. E com essa paro de falar de nossa amizade pontuada por livros e vou começar a falar do livro, do Louis Armstrong e das escolhas do Terry Teachout na feitura dessa biografia.

Antes da leitura de "Pops" só conheci o Armstrong pela famosíssima canção "What A Wonderful World", seu sorriso cativante e a vaga sensação de sua importância para a música negra americana. Me escapava o conhecimento sobre a vida desse homem, sua trajetória e lugar no tempo. A leitura dessa biografia se revelou não só uma viagem pela história de um homem, mas uma viagem pelo mercado fonográfico negro americano do inicio do século XX, a história da música negra e de como os artistas, nas palavras do Louis, "bastardos desde o inicio" conseguiram ascender numa sociedade na qual o racismo não só era estrutural como legalizado.

Criança negra nascida em Nova Orleans, filho de mulher que ganhava a vida com serviços sexuais e de um pai inexistente, nos primeiros anos do violento pós-abolição americano a escolha de Louis para lidar com o racismo da orgânico, estrutural e legalizado dos Estados Unidos não foi o conflito e sim a negociação. Ele jogava com os racistas com as regras deles e assim ocupou vários espaços na TV, no Teatro e no Cinema; gravou seus discos; cantou suas canções; escapou da Máfia de Chicago; fez sua fortuna; e segue sendo, mesmo depois de sua morte um artista ouvido por milhões de pessoas.

Infelizmente a personalidade midiática do Louis, seu dialogo com a mídia branca, marcado muitas vezes pela aceitação de relações racistas/subalterna, seu silêncio em boa parte dos episódios que marcaram a luta por direitos das pessoas negras nos Estados Unidos fez dele persona non grata para algumas pessoas e, me parece, obscureceu seu papel na história da música negra.

Terry Teachout como músico profissional, além de jornalista, tomou para si o papel de biografar o Louis Armstrong tendo como fio condutor seu trabalho musical desde os primórdios em Nova Orleans até sua morte. Ele revirou documentos, registros oficiais, fotos, discos e mais discos, apresentações e mais apresentações para compor um panorama da história musical fenomenal do Armstrong. O próprio Louis ajudou bastante pois era dado a escrever longas cartas; fazer registros sobre si e sobre os seus; livros autobiográficos além de gravar várias fitas nas quais registrou sua vida privada e pública

Durante a maior parte do livro fiquei me perguntando para onde o Teachout queria me levar ao se deter longamente falando sobre os discos de Armstrong, suas parcerias, determinadas músicas em especial, descrevendo minunciosamente determinados arranjos, a entonação da voz do cantor, o som saído do trompete, as bandas de apoio e derivativos. Eu louca para saber detalhes sórdidos e não tão sórdidos do momento histórico no qual o Louis viveu e como dialogou com esses momentos e o Terry Teachout comentando um álbum tão detidamente que eu ia no aplicativo de música ouvir. Nunca ouvi tanto blues, jazz, hot jazz na vida.

Em meio ao silêncio imposto pela debilidade na qual a covid jogou todo meu núcleo familiar o jazz e blues encheram os espaços dos meus ouvido e do meu coração... Essa foi uma leitura lenta e margeada por muitas pausas para ouvir e ouvir mais um pouco. Dormir e acordar ouvindo uma voz rouca vinda de longe e sabendo se colocar tão perto. As vezes mergulhar com o Teachout nas minucias da canção era muito cansativo, mas quando a canção tocava era refrescante. Me dava esperança e folego.

Só no fim do texto percebi com clareza a intencionalidade do autor, a saber: reforçar não a personalidade midiática e sim a genialidade do músico. Resgatar a memória do responsável por abrir caminhos onde só havia mato e racismo. Colocar luz sobre uma mente criadora de inovações musicais fundamentais para a música como um todo. Essa biografia deseja ressaltar o valor do talento musical de um homem que poderia ter se perdido desde menino em uma vida de violência, mas não se perdeu e caminhou pelo mundo como trompetista/cornetista/saxofonista, compondo, sofrendo, cantando, tocando e encantando multidões.

Apesar de sua intencionalidade, "POPs: a vida de Louis Armstrong" não é um texto apologético. Esse é um texto sóbrio, muito descritivo, dotado de uma vastíssima bibliografia, tem até índice remissivo. As vezes se torna uma leitura cansativa e então nos pega de novo quando encerra um arco da do Louis e começa outro. Foi uma viagem e por incrível que pareça, apesar de não ser um livro com arcos dramáticos, terminei a leitura chorando, sei lá... Um homem como Armstrong bem poderia ser imortal.
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Ana Seerig 18/02/2018

Para conhecer Louis Armstrong
Em algum momento da minha infância, o rádio tocou What a wonderful world, de Louis Armstrong, e meu pai me disse que meu avô adorava aquela música. Como meu avô paterno faleceu antes mesmo de meu pai pensar em casar, essa música, de alguma forma, permaneceu sempre como uma espécie de lembrança dele. Exatamente por essa razão, não pude resistir quando encontrei Pops: A vida de Louis Armstrong, escrita por Terry Teachout, em um balaio da Feira do Livro de Caxias do Sul de 2015. Afora a música citada, não conhecia mais nada de Armstrong, então talvez por isso não tenha colocado a biografia no topo da minha lista de leitura. 2018 chegou, me levou às terras paulistas e, quando olhei para minha estante, Louis pareceu o companheiro de viagem perfeito - e realmente foi.

Armstrong faleceu em 1971 aos 70 anos (mas achando que tinha 71, tudo bem, o enganaram desde a infância quanto à sua data de nascimento), mas Pops só foi lançada em 2009. Isso pode parecer muito tempo e nos faz pensar que, durante esse período, muito já havia sido escrito e dificilmente o trabalho de Teachout seja significativo. A verdade, porém, é que, no fim de sua carreira, Armstrong recebeu muitas críticas, soando ultrapassado para muitos, além de, claro, ter sido eternamente criticado por sua alegria no palco, parecendo uma espécie de 'fantoche dos brancos'. Então, logo depois de sua morte, apesar dos comentários sobre a importância de sua carreira, poucos se aventuraram a pesquisar e analisar sua obra. Em 1994, o surgimento da Queens College's Louis Armstrong Archive assumiu o papel de maior conservador público da memória de um músico de jazz, afinal lá estão gravações em estúdio, fotografias, partituras, além das dezenas de cadernos de anotações e documentos pessoais do músico - e, claro, cinco trompetes.

Ou seja, Teachout teve acesso a muito mais material do que biógrafos anteriores do músico, inclusive às fitas em que Armstrong gravava encontros com amigos e suas memórias, tornando Pops uma obra completa, já que traz citações da mídia, depoimentos de músicos que conviveram com ele e, claro, palavras do próprio músico (tiradas das anotações e das gravações). Não é à toa que cerca de 100 páginas no final do livro são dedicadas às referências, citadas por capítulos e com alguns comentários extras. Além de tudo, o biógrafo nos traz uma lista de 30 gravações essenciais do músico, a qual eu fiz a gentileza (para mim e para vocês) de transformar em playlist no YouTube (https://www.youtube.com/playlist?list=PLD_J7tFTN07vnsSCA2JtVjgCZIyPaEYof - Não há de quê!). Em resumo, para quem (como eu) não sabe nada sobre Louis Armstrong, o trabalho de Terry Teachout é uma aula - e não apenas sobre o músico em si ou sobre a história da música, mas também por nos trazer em detalhes a vida em um país segregado, onde um músico negro tocava em hotéis em que não poderia se hospedar e era proibido de usar o banheiro de alguns lugares (para não dizer que não era atendido em outros tantos). Não foi à toa que a alegria com que Armstrong tocava no palco e com a qual regia sua vida foi criticada por outros tantos artistas negros, mas ele tinha sua maneira de lutar contra isso:

"Anos atrás, eu estava tocando em uma cidadezinha de Lubbock, Texas, quando esse gato [termo usado por Louis, equivalente a 'cara'] branco me agarra no final do show - ele está cheio de uísque e problemas. Ele bate no meu peito e diz: 'Eu não gosto de pretos!'. Esses dois gatos que estavam comigo queriam usar a faca de cortar carne do Dia de Ação de Graças nesse cara. Mas eu disse: 'Não, deixem o homem falar. Por que você não gosta de nós, Pops [termo usado por Louis para se dirigir às pessoas, algo tão típico dele que se tornou título da biografia de Teachout]?' . E você acredita que o gato não conseguiu explicar? Então, ele se desculpa - chorando e se afastando... E adivinhe só: aquele fella [companheiro] e toda a sua família acabaram se tornando meus amigos! Sempre que eu ia a Lubbock, Texas, por muitos e muitos anos, eles recebiam e tratavam o velho Satchmo [apelido de Louis] como um rei." (p. 391-2)

Também vale lembrar que Armstrong tocou em bandas mistas por boa parte de sua vida, o que era proibido em alguns lugares dos Estados Unidos, impedindo assim a apresentação do 'melhor trompetista do mundo' (título que recebeu ainda jovem): "Essas pessoas que criam essas restrições [...] não sabem nada sobre música, não é nenhum crime gatos de qualquer cor se reunirem para tocar." (p.27). Outro marco foi a entrevista na qual chamou o presidente Einsenhower de 'duas caras' e 'covarde' por não decretar o fim da segregação racial nas escolas públicas do país. De sua forma, Satchmo provou que, com um sorriso no rosto e dedicação ao que se faz, também é possível lutar contra o preconceito. Como bem escreveu Teachout, "Confrontado pelas terríveis realidades do lugar e da época em que nasceu, ele não se afligiu, mas retribuiu ódio com amor e procurou a salvação no trabalho" (p.392).
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