Safira com alabastro

Safira com alabastro Renata Py




Resenhas - Safira com alabastro


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Krishnamurti 20/11/2022

Vida, amor, Vida
A escritora Renata Py escreveu, e a Editora Laranja Original publicou recentemente um pequeno romance que tem como cenário algum ponto difuso localizado na confluência das ruas Safira com a rua Alabastro no bairro da Aclimação, Zona Sul de São Paulo. E é precisamente neste ponto, em um tempo indeterminado do século XX, que ocorre também a convergência, o encontro e o entrelace das histórias de duas famílias vizinhas.

Famílias que por três gerações, o destino (?), envolveu em uma trama de encontros, desencontros, amores, dúvidas, desconfianças, sentimento de culpa e outros traumas terríveis. Nem mesmo o adolescente Francisco que inaugura a narrativa de “Safira com Alabastro” a espreitar sorrateiramente a janela da casa vizinha onde espera por um segundo que seja ver sua amada Luísa, poderia avaliar quais as verdadeiras razões que levaram a mãe dela a abandonar a família. Luísa por seu turno, não faria neste ponto do tempo, a menor ideia de que o avô de Francisco, o maestro Carlos Alberto Silvério em tempos passados andou perdido de amores por sua avó Heloísa. E que havia rusgas veladas entre os dois avós, o de Francisco e o de Luísa, (que acabaram por criar os dois jovens enamorados), por conta desse quase triângulo amoroso recuado no tempo.

A autora presenteia o leitor, com uma acertada escolha do ‘ponto de vista’ com que desenvolve sua trama romanesca. Este elemento de especial importância na estrutura da narrativa, porque estabelece a adequação íntima, necessária, entre o foco escolhido e a história que se desenrola. Afinal, quem conta a história? Os 17 breves capítulos do romance são narrados alternadamente pelos vários personagens. Optou-se por não focar em um individualismo que comprometeria a plausibilidade psicológica da história. Ao não privilegiar a narrativa exclusiva deste ou daquele personagem (o que poderia incorrer em uma interpretação muito pessoal, e levar a uma visão reduzida dos acontecimentos), a narrativa ganha aos olhos do leitor, maior verossimilhança, visto prescindir de intermediários. A personagem que viveu diretamente tal ou qual episódio, conta-o diretamente ao leitor, de sorte a anular a distância entre ambos e a dar a este, a impressão de ser seu confidente. Este um ponto positivo. Outro, que decorre justamente desta vantagem, é que os dramas individuais adquirirem para nós, eloquente força. E revela ainda uma intencionalidade subjacente que é a de realizar registros mais amplos e profundos de como nossos comportamentos, atitudes, escolhas e/ou omissões, podem inclusive influir no curso de outras vidas. Um recurso narrativo que imprimiu ao romance uma dinâmica de fabulação que permite que ele fale por si.

O avançar da narrativa vai iluminando paulatinamente situações nebulosas ao tempo em que expõe o mistério das personalidades envolvidas dentro de uma retrospectiva dos acontecimentos. Mas com um diferencial. São depoimentos amadurecidos pelo tempo. Onde entram ponderações sobre o que aconteceu, o que poderia ter acontecido e o que deixou de acontecer por pura falta de atitude, por medos e inseguranças ou onde faltou apenas um gesto decisivo. Tal perspectiva confere ao texto de Renata Py o descortinar de verdades que não dependem exclusivamente dos acontecimentos relatados, e sim, da veracidade interior e amadurecida dessas personagens. Verdades plasmadas por personalidades que tanto se deixaram influir por fatores extrínsecos, quanto alternam a interpretação da realidade vista sob diversos pontos de vista. E melhor, repetimos: pontos de vista amadurecidos pela ação do tempo.

A larga capacidade de inquirição existencial revelada na fala dos personagens lavra flagrantes, surpreende-os em instantes em que se consultam, se olham, se flagelam ou se redimem. Seguem refletindo sobre fatos marcantes sobre os quais o tempo deixou uma pátina responsável pela visão nova de um objeto, de uma pessoa, da situação ou do conflito básico. Exemplo luminoso é o pensamento do avô de Francisco, o maestro Carlos Alberto, que criou o menino: “Nunca podemos dizer que a vida nos sabota, ela dá todas as oportunidades. Se olharmos para trás de maneira detalhada fica fácil perceber. Nós a sabotamos, com uma ignorância impressionante. Nossa cabeça não se atenta aos detalhes, aos indícios, ao momento presente. Em vez disso, se ocupa com a preocupação do julgamento. Esse, o maior calabouço de todos, que nos faz prisioneiros de nós mesmos.” Pg. 88.

Com efeito: a autora conseguiu habilmente introduzir na trama elementos de um lirismo, dramaticidade e sugestão que fazem a história adensar-se e transbordar de significados ante a variedade de focos narrativos registrados e do vigoroso poder de sugestão: Faz-nos pensar até que ponto uma sociedade repressiva bloqueia inteligências e sentidos e faz da vida um jogo de autômatos; desperta-nos da paralisia existencial quando enfrentamos de peito aberto as penosas contingências da vida; alerta-nos para o fato de que não se pode deixar jamais de abdicar do esforço individual em ver cada vez mais e melhor, a despeito de qualquer coerção, censura ou limitação. E finalmente, sugere ao leitor a possibilidade de conhecer o espaço profundo do autoconhecimento e a intensidade de algo apresentado como vida verdadeira. Falam por si mesmas as personagens. O testemunho está na vida, a vida é as consequências são as provas dos testemunhos.

TRECHOS:
PG 80. Pela voz de Luísa:
“O corredor da entrada ficou à espera das suas chegadas esfuziantes. Da correria dos cachorros para recebê-lo. Das cartas a serem abertas na cristaleira. Dos seus casacos largados no cabide. Do carinho na cabeça das crianças, atentas para os docinhos do seu bolso ou algumas moedas dos trocos do dia a dia.
O banheiro ficou à espera dos nossos murmúrios matinais, na tentativa de organizar os afazeres diários. Do beijo com hálito íntimo todas as manhãs. Dos choros pelas brigas bobas e abortos espontâneos sofridos ao longo da vida. Da fumaça do cigarro escondido sumindo por essa janela pequena. Dos banhos calorosos, pegos desprevenidos nas horas das reconciliações. Do cheiro do sabonete que identifica o seu corpo. Dos pelos de barba pela pia. Da alegria do exame positivo.
A grama do quintal ficou à espera dos pezinhos da menina, rodando pra lá e pra cá, dançando com suas saias de filó e tiara de anteninhas na cabeça. Dos cachinhos ao vento.”

PG 86 > pela voz de Francisco:
“Hoje, Luísa, passo os restos dos meus dias com a lembrança adocicada do beijo num parapeito chuvoso. Nunca outra alma chegou perto de preencher a minha como você fazia, como somente as cortinas da sua mãe me brindavam, dançando ao vento, e em pequenas vezes dando espaço para as minhas fantasias ao ver sua sombra, de relance. A sua sombra, Luísa, agigantou-se e toma conta de mim, minha menina.”

O desfecho inusitado do romance, de efeito perdurável na sensibilidade do leitor, liga-se à função primordial da vida. A de gerar sempre a própria vida. Não importa como, não importa quando. Vida, sempre vida. Ainda que tenhamos contrafeitos (alguns), de admitir que nessa seara o amor é tudo. O amor em todas as suas formas e manifestações. Talvez a mais significativa sugestão para os leitores ao cabo dessa pequena grande obra da senhora Renata Py, seja a de refletir sobre aquilo que Goethe tão bem realizou em seu Afinidades Eletivas. “Safira com alabastro”, permite intuir que a natureza (a única verdadeira mãe que possuímos todos), também nos ensina das imensas e múltiplas possibilidades do amor, aquele de autêntico sentir, e que não está limitado exclusivamente a laços carnais. E quem já teve um primeiro grande amor, mesmo que não plenamente correspondido, vivido e consumado, sabe muito bem. Ao cabo das quase cem páginas do livro, ficamos também a pensar em afinidades de almas. E isto é primordial em tempos de um materialismo carnal tão exacerbado como o nosso.

Livro: “Safira com alabastro”, Romance de Renata Py – 2ª edição Editora Laranja Original São Paulo– SP – 2022, 96 p.
ISBN: 978-65-86042-53-5
Links para compra e pronto envio:
https://www.laranjaoriginal.com.br/product-page/safira-com-alabastro-renata-py
ou:
https://www.facebook.com/renata.py2
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Maria Tereza 27/12/2022

Safira com Alabastro
Para essa leitura, não tive tempo de encontrar uma trilha sonora. Eu a iniciei numa noite e terminei na manhã seguinte.
Essa experiência me fez retornar ao meu ponto de equilíbrio novamente, do qual estive um pouco fora na última semana.
Que importante foi essa história para mim. Saber que as coisas podem não ser para sempre e, mesmo assim, inesquecíveis.
Ou esquecíveis até.
Mas que isso não anula a magia do momento, a importância, o especial da ocasião.
É maravilhoso como Deus sempre sabe do que eu preciso.
Essa semana eu precisava dessa história.
Obrigada, Renata Py.
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Paola 22/12/2022

uma boa companhia
os livros da Renata são maravilhosos! gostei demais demais. da mesma forma que com Firmina, os personagens foram minha companhia numa tarde chuvosa e me senti lá dentro com eles olhando as pedras brilhantes da rua.

é muito gostoso de ler. e ela da palavras à sentimentos específicos que eu ja vivi mas nunca soube expressar.
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