Carol 23/03/2024Impressões da CarolLivro: A tirania das moscas {2021}
Autora: Elaine Vilar Madruga {Cuba, 1989-}
Tradução: Carla Fortino
Editora: Instante
224p.
É entusiasmante ler uma autora contemporânea com um domínio tão absoluto da escrita. Terminar a leitura, olhar pro teto e dizer fininho: "é isso, caras, literatura é isso!". Minha exata reação ao ler Elaine Vilar Madruga e sua fábula crítica aos autoritarismos - familiar e estatal - intercambiáveis entre si.
Papai, mamãe, Cassandra, Caleb e Cália. A família como símbolo da sociedade, um microssistema. Fonte de conflitos, geracionais e de gênero, repressões, interdições, berço das pequenas tiranias. Família disfuncional. Estado disfuncional. Tiranias.
Diz Cassandra, a adolescente quem conduz a história:
"Cada família é diferente e estranha à sua maneira, mas a nossa ganhou medalha de ouro na competição olímpica de disfuncionalidade.
(...)
Eu sou a primeira semente do mal. Isto é, a primogênita. Não quero confundir ninguém com minhas palavras. Começarei de novo. É difícil falar em primeira pessoa e contar a própria história." p. 21
Já as moscas, do título, são onipresentes nessa pequena ilha, quente e úmida, do Caribe - da qual sabemos bem pouco: ilha governada pelo General Bigode, na qual métodos insidiosos, de traição e espionagem, mantêm o povo dominado, alienado. As moscas estão por toda a parte, veem tudo, a todos molestam. Como o General Bigode.
O elemento fantástico surge nas características "estranhas" dos filhos: Cassandra, Caleb e Cália. Cália vive num mundo só seu, livre, a desenhar animais hiperrealistas, como se vivos fossem. Caleb, em quem os animais buscam encostar-se a fim de "se suicidarem", transformados em peças de um quebra-cabeça macabro. E, por fim, Cassandra. Cassandra que se rebela, que deseja sexualmente objetos. Cassandra que, com seu corpo, transgride qualquer valor familiar ou social.
Um romance sensacional, de uma jovem escritora cubana. Recomendo demais. Recomendo com força.
"Eles a convenceram: qualquer trauma pode ser superado com a ajuda da ciência. (...) Não há nada neste mundo que a lógica não possa explicar. Não há nada neste mundo que a palavra trauma não possa cobrir." p. 113