A Piscina / Diário De Gravidez / Dormitório

A Piscina / Diário De Gravidez / Dormitório Yoko Ogawa




Resenhas - A PISCINA / DIÁRIO DE GRAVIDEZ / DORMITÓRIO


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Alexandre Kovacs / Mundo de K 01/07/2023

Yoko Ogawa - A piscina; Diário de gravidez; Dormitório: três novelas
Editora Estação Liberdade - 168 Páginas - Tradução de Eunice Suenaga - Lançamento no Brasil: 2023.

A literatura japonesa contemporânea não se limita a Haruki Murakami, prova disso está na obra de Yoko Ogawa que ganhou todos os principais prêmios literários japoneses, incluindo o Prêmio Akutagawa e o Prêmio Yomiuri. No ocidente, ela recebeu o Shirley Jackson e o American Book Award, além de ter sido finalista do International Booker Prize em 2020. Os seus livros são desafiadores ao ponto dela ser comparada a autores modernos já consagrados como Yukio Mishima e Kenzaburo Oe, o qual declarou que Yoko consegue expressar as mais sutis nuances do psicológico humano, sendo gentil e penetrante ao mesmo tempo. Este livro reúne três novelas envoltas por uma atmosfera de sonho e estranhamento, assim como uma certa crueldade de suas narradoras-protagonistas, sempre inadequadas ao papel reservado para elas na sociedade.

Em A piscina, os pais da adolescente Aya administram um orfanato religioso no qual ela é a única criança que não é órfã, mas tendo sido sempre tratada de forma semelhante aos seus irmãos adotivos. Aya mantém uma secreta obsessão por Jun, que já está no orfanato há dez anos. Ela passa longos períodos sentada na arquibancada da escola, observando os exercícios de salto ornamental do rapaz e admirando os detalhes de seu corpo atlético. A narrativa é conduzida no formato de um inocente romance juvenil até que os sentimentos de carência e frustração de Aya são direcionados para Rie, a criança mais nova do orfanato com apenas um ano e cinco meses, que passa a ser atormentada pelas maldades constantes da protagonista. A autora explora, portanto, os conflitos da natureza humana quando a paixão se transforma em crueldade.

"Jun caminha na plataforma de dez metros. Usa uma sunga em tom vermelho que estava pendurada no beiral da sua janela ontem. Ao chegar à extremidade, fica de costas para a água, devagar, e junta os calcanhares. Todos os músculos do seu corpo se mobilizam ao mesmo tempo e ficam tensos. A parte de que mais gosto em seu corpo é a linha dos músculos das pernas, do tornozelo até a coxa. A linha tem a elegância gélida de uma estátua de bronze. / Às vezes tenho vontade de explicar a mim mesma o prazer que sinto desde o momento em que Jun levanta os braços como se fosse agarrar qualquer coisa no espaço até sumir dentro da água. Mas nunca consigo. Será que é porque ele cai no vale do tempo, onde as palavras não chegam? [...] Ele falhou. Seu peito atingiu a superfície da água com um estrondo. Vários respingos brancos jorraram por todo lado. / Se é um fracasso como agora ou um salto perfeito sem respingos, o prazer que sinto não muda. Por isso não torço para que o salto seja um sucesso, não fico desapontada nem pulo de alegria. O corpo maleável e elegante de Jun rompe minha emoção pueril e é absorvido pela parte mais profunda do meu íntimo." (pp. 13-4)

Já em Diário de gravidez, uma novela ainda mais complexa, acompanhamos a rotina de duas irmãs que foram afetadas pela morte prematura dos pais, uma narrativa pouco confiável em primeira pessoa, com base no diário da irmã da grávida, descrevendo em detalhes os inconvenientes provocados na narradora e no cunhado pelas crises iniciais de enjoo da irmã e posteriormente o apetite voraz. Desde o início, algo parece estranho em todo o processo de gravidez na casa onde os três personagens convivem: "Mas será que o fato de minha irmã estar grávida do meu cunhado era motivo para lhe dar parabéns? Procurei no dicionário a definição de 'parabéns'. 'Parabéns: Palavra de cumprimento, de felicitação'".

Por meio de uma série de sutilezas, o leitor começa a questionar se a gravidez é real ou apenas uma fantasia e, neste caso, de qual das duas irmãs: "Não sei que tipo de tratamento o doutor Nikaido ministra na minha irmã. Segundo ela, ele faz testes psicológicos simples e hipnoterapia, e receita remédios. Mas, apesar de se tratar com ele havia mais de dez anos, desde a época do ensino médio, sem nenhuma interrupção, a condição psiquiátrica da minha irmã não indicava nenhuma melhora." Ou nesta outra passagem: "Minha irmã e meu cunhado não falam do bebê na minha frente. Agem como se a gravidez e o fato de haver um bebê na barriga dela fossem coisas distintas. Por isso, para mim também o bebê não parece uma existência palpável."

"Minha irmã já chegou ao quinto mês de gravidez, mas sua barriga não está nem um pouco visível. Ela tem emagrecido cada vez mais, pois só ingeriu croissant e isotônicos nas últimas semanas. A não ser pelas consultas na Clínica M e no consultório do doutor Nikaido, ela fica deitada na cama, exausta, como se fosse uma paciente em estado grave. / A única coisa que eu posso fazer é procurar não produzir nenhum cheiro, na medida do possível. Troquei todos os sabões de casa pelos inodoros. Enfiei todos os condimentos como páprica, tomilho e sálvia numa lata e a lacrei. Mudei todos os cosméticos do quarto dela para o meu. Como ela diz que até pasta de dente lhe causa enjoo, meu cunhado comprou um irrigador bucal. Naturalmente eu não cozinho quando ela está em casa. Quando é imprescindível cozinhar, levo a panela elétrica de arroz, o fogão elétrico e o moedor de café para o quintal e como no chão mesmo, estendendo uma lona." (p. 84)

Contudo, a novela mais sombria é Dormitório sem dúvida. A protagonista recebe uma ligação de um primo mais novo do interior com quem não mantinha contato por quinze anos e decide ajudá-lo a encontrar uma moradia para poder cursar a faculdade em Tóquio. Ela retorna ao dormitório universitário em que viveu durante os quatro anos de estudante e percebe que o local se deteriorou bastante ao longo do tempo ao reencontrar o mesmo gerente de sua época, um triplo amputado, sem os dois braços e apenas uma das pernas. A narrativa assume a forma de delírio ou pesadelo quando o primo se muda e parece desaparecer, fazendo com que a protagonista abandone os seus planos de encontrar o marido que está trabalhando na Suécia, atraída pelo estranho mundo formado pelo zumbido de abelhas e tulipas exóticas do dormitório.

"O aspecto geral não se alterara, porém alguns detalhes, como a maçaneta da porta de entrada, o corrimão da escadaria de emergência, a antena do telhado, evidenciavam a decadência. Talvez fosse um envelhecimento natural, pois vários anos tinham se passado desde que eu deixara o lugar. Contudo, no silêncio que envolvia todo o dormitório havia uma força profunda e misteriosa. Mesmo descontando o fato de ser férias de primavera, esse silêncio absoluto parecia não ter explicação. / Fiquei parada em frente ao portão por um momento, não por uma sensação de nostalgia, mas impressionada pela quietude. Ervas daninhas cresciam no quintal, e havia um capacete jogado no canto do estacionamento de bicicletas. Quando ventava, as ervas do pátio balançavam como se sussurrassem. / Olhei cada uma das janelas à procura de sinais de gente. A maioria estava firmemente fechada, parecendo enferrujada, e das poucas janelas abertas espiavam cortinas desbotadas. O pó se acumulava em todas as varandas, e garrafas vazias de cerveja e prendedores de roupa estavam jogados de forma aleatória." (pp. 128-9)

Sobre a autora: Nasceu em Okayama, Japão, em 1962. Sua vocação leitora foi despertada precocemente por clássicos infantis, graças a um sistema de assinatura de livros de que a família dispunha. Gosta de citar O diário de Anne Frank como uma referência decisiva para perceber a escrita como via possível e necessária de autoexpressão. Estudou escrita criativa e publicou diversos livros, entre ficção e não ficção. A autora vive atualmente em Ashiya, Hyogo — nas proximidades de Kyoto. Arrebatou todos os prêmios referenciais do meio literário japonês, pelas obras "Diário da gravidez", "A fórmula preferida do Professor", "O enterro de Brahman", e por "A marcha de Mina". Pela Estação Liberdade, a autora publicou "O museu do silêncio" (2016), e "A fórmula preferida do Professor" (2017), obra que foi vertida para o cinema, pelo diretor Takashi Koizumi, ex-assistente de Akira Kurosawa.
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Diego Rodrigues 21/12/2023

"Quando nos tornamos adultos, todos encontramos um lugar para esconder nossos medos, inseguranças, solidões ou tristezas, mas as crianças os transformam em choro, sem disfarçar, e os espalham pelo mundo."
Da literatura japonesa contemporânea, Yoko Ogawa é um dos nomes que mais me aprazem. Depois de ter lido o excelente (e estranho) "Museu do Silêncio" e ter sido cativado pelo tratamento que a autora da a temas como a passagem do tempo e a morte, sabia que era só uma questão de tempo até voltar a lê-la. E a oportunidade se deu neste volume recém publicado pela editora Estação Liberdade. A obra compila três novelas publicadas originalmente no início dos anos 90: "A piscina", "Diário de gravidez" e "Dormitório". São histórias que tratam de memórias, a juventude perdida e a efemeridade das nossas relações com tudo aquilo que nos cerca. Abaixo falo um pouco mais sobre cada uma delas.

Ambientada em um orfanato, "A Piscina" narra uma espécie de amor platônico que Aya, filha dos proprietários, nutre por Jun, um dos órfãos ali acolhidos. Mas essa não é só uma historinha de amor, é mais sobre amadurecimento, a perda da inocência e o despertar da vida adulta. Dividindo a casa (e os pais) com inúmeras outras crianças, Aya tem conceitos não muito bem definidos sobre família e lar, e isso acaba refletindo na sua personalidade, ainda em desenvolvimento. Ou seja, ela não é uma criatura das mais agradáveis. E do seu jeito "torto" vai tentando assimilar os meandros e as decepções da vida adulta. É uma narrativa que capta bem o espírito dessa que é uma das fases mais estranhas e tristes da nossa vida, quando percebemos que nossa primavera ficou pra trás.

Em "Diário de gravidez" acompanhamos as percepções de uma jovem a respeito da gravidez da irmã. Morando junto com o casal, ela irá discorrer sobre como o bebê por vir afeta o cotidiano dos três e também mergulhar em profundas reflexões sobre a vida conjugal e a maternidade. Mas a gravidez aqui é totalmente desromantizada: a mãe é desprovida de qualquer sentimento materno, o pai é o típico marido banana, a irmã nutre sentimentos bem confusos em relação ao assunto e o ventre em crescimento parece não passar de um estorvo. É um conto que incomoda e provoca estranhamento, até certa repulsa. Em certos momentos me fez lembrar de "Uma Questão Pessoal", do também japonês Kenzaburo Oe.

Fechando o volume, temos "Dormitório". Novela onde uma mulher ajuda o primo mais novo a se instalar em Tóquio, recomendando ao estudante o dormitório em que morou na sua época de faculdade. Na companhia do jovem, ela retorna ao local que é sinônimo de boas lembranças, mas todas as suas expectativas são quebradas ao encontrar o lugar triste e deteriorado. É uma narrativa melancólica na qual a autora se volta para um dos seus temas corriqueiros: a passagem do tempo e a forma como as coisas e as pessoas são efêmeras. Você até pode retornar a um lugar ou a alguém que te fez feliz, mas pode não encontrar nem rastro dessa felicidade. É só uma coisa que ficou pra trás, nostalgia...

Com uma escrita fácil e envolvente, este é um livro rápido de ser lido e talvez uma boa porta de entrada para a literatura japonesa. A sensibilidade, a melancolia e o trato diferenciado para assuntos cotidianos são alguns dos traços que marcam a leitura e que apresentam o cartão de visitas dessa arte oriental que é tão distinta. Não digo que as narrativas sejam das mais memoráveis, ainda prefiro os romances da autora, mas têm o seu valor. É um livro muito sucinto, mas não desprovido de provocar reflexões.

site: https://discolivro.blogspot.com/
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Silmara 18/11/2023

Eu ficava preocupada se aquela verborragia excessiva não irritava Jun e as outras pessoas. Tinha vontade de prender, com o indicador e o polegar, os lábios sinuosos dela que se mexiam sem parar como duas larvas e amassá-los.
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Lusia.Nicolino 28/10/2023

Excelente para descoobrir Yoko Ogawa
Sou suspeita para falar de Yoko Ogawa porque gosto muito dos seus livros, do seu estilo e, para quem não a conhece, esse livro pode ser um bom começo! São três histórias independentes entre si, mas com um fio condutor: narrado sempre em primeira pessoa por uma mulher. Isso talvez a aproxime do que conhecemos como "romance do eu", uma narrativa da tradição literária japonesa que traz sempre um tom confessional, com pinceladas autobiográficas. São histórias comuns, do dia a dia, mas que expressam solidão, angústia, uma busca por respostas que pode transformar a visão de mundo. Em "A piscina", Aya, vive com os pais no orfanato que eles administram e se apaixona por um dos meninos. Isso progride? Já "Diário de gravidez" é praticamente um diário escrito pela tia do bebê que vai nascer. Todo o processo desde as mudanças do corpo, os enjoos, as ansiedades alimentam a sua solidão se mesclam com a espera. E, finalmente, em "Dormitório" encontramos outra mulher solitária - que enquanto espera as coordenadas do marido que está trabalhando em outro país para se mudar - acolhe o primo que não via há anos em e que busca um lugar para morar já que entrou na faculdade. Que segredos e mistérios esse dormitório guarda?

Quote: "Quando por fim apareci de trás da porta, Rie chorou mais alto ainda e veio me abraçar, fazendo tremer suas coxas, que pareciam manteiga. Ao abraçá-la com força e pegá-la no colo, seu choro se transformou num grito que continha a ira de ter sido deixada sozinha, e ela encostou suas bochechas molhadas de lágrimas e secreção nasal em mim. O cheiro peculiar que só os bebês têm impregnou minha roupa."

site: https://www.facebook.com/lunicolinole https://www.instagram.com/lu_nicolino_le
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Ve Domingues 17/11/2023

Já li quatro livros de Yoko Ogawa e adoro a sensação de estranheza que as suas histórias me provocam. Ela fala sobre memória e ausência de uma maneira muito diferente. Ao mesmo tempo, aborda lados do ser humano que são pouco convencionais.

As três narrativas deste livro mexeram comigo de diferentes formas. Ela é capaz de descrever imagens impactantes sobre um cotidiano que parece meio mágico e meio real.
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Thami 13/12/2023

Meu primeiro contato com Yoko, gostei bastante. Gosto como ela explora imagens para representar sentimentos e abstrações. Já quero ler um romance!
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Camila.Exner 30/12/2023

Frustrante
Achei as histórias bobas e desinteressantes. Parece livro feito para adolescente.
Nas histórias, a autora se vale de figuras de linguagem fracas.
Não gostei.
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