Marcus Oliver 26/10/2023
O que sobra de um indivíduo depois da Revolução?
É com essa indagação que melhor se compreende a obra de Arthur Koestler.
Aqui há uma narrativa introspectiva em que se acompanha os relatos e reflexões do personagem Nícolas Salmanovich Rubashov (que está preso) e interações com seus interrogadores e um ou outro detento (com conversas rápidas e/ou batidas na parede com o alfabeto quadrático, uma espécie de código Morse).
Apenas com essa premissa podemos fazer algumas relações com este. Primeiro, a detenção de Rubashov e o jeito que seu processo é levado nos lembra o que ocorre com Joseph K. (?O processo?, de Franz Kafka, de 1925) em que não há nada que o protagonista fale, demonstre ou tente que mudará sua sentença. Segundo, trata-se de uma narrativa de cárcere em que se mergulha na psicologia do ser humano, lembrando obras como ?Escritos da casa morta?, de Fiódor Dostoiévski (1862), e ?Memórias do cárcere?, de Graciliano Ramos (1953), sendo estes dois bem relacionáveis com a narrativa de Koestler por conta da questão comunista e a União Soviética.
E sim, esta obra é uma das que Orwell cita como fundamental para a criação de ?1984? e ?Revolução dos bichos?.
Apesar de alguns rotularem como distopia, não se trata de uma por falta de um componente: uma tecnologia avançada em prol do controle e opressão das massas. Na realidade, esta obra é mais para um experimento ou retratação muito possível do que se ocorre, e ocorrerá, em prisões de Estados despóticos.
Rubashov fora preso por ser um opositor político de um país que fez a Grande Revolução do povo (paralelos aqui com a URSS) e em muitos momentos se dá a entender que se trata da Alemanha por conta de alguns detalhes narrativos, mas os nomes dos personagens são todos russos (o que causa alguma dificuldade em determinar o local desse país fictício).
Rubashov era um dos grandes figurões do Partido que fez a Revolução das Massas, mas por conta de algumas ideias suas (levar a Revolução para outros países europeus) foi preso sob falsas acusações. Será no período de sua detenção, três interrogatórios e momentos antes de sua sentença (não direi qual foi, é claro) que Rubashov irá pensar na sua vida, no país da Revolução e os ideais que consumiram sua vida.
Koestler, um ex-membro do Partido Comunista, que notou quando a União Soviética parou de ser um sonho utópico e se tornou um dos maiores estados-policiais da história sob o comando stalinista.
As reflexões de Rubashov são o ponto alto da narrativa, pois, mesmo não sendo culpado dos crimes que o acusam, ele ainda é culpado, pois ele sacrificou antigos camaradas em prol da Revolução e do Partido, por isso, a indagação do título: o que sobra de um indivíduo depois da Revolução?
Como todas as Revoluções, em especial a socialista, se cometeram atrocidades dos mais diversos tipos e todos os envolvidos, assim como Rubashov, utilizaram a justificativa que o futuro os absolviria por fazerem tudo aquilo em prol do estado comunista e das massas; mas a realidade se tornou outra: criaram um estado burocrático, despótico e policial.
Lembrando, apesar do autor escrever esse livro como uma crítica ao stalinismo de sua época, a obra serve com a mesma tônica de ?1984?, de Orwell, uma crítica aplicável a qualquer governo despótico (fascismo inclusive), mas pelo contexto histórico não haveria melhor palco que o contexto soviético, pois o personagem Rubashov é o ideal revolucionário pré-revolução e estabilização do país da Revolução, mas novamente a que custo, pois todos fazem o que é bom para o Partido, independente dos meios utilizados.
Todas as atrocidades foram cometidas por ideais que levariam a futuros melhores, o socialismo foi um deles. Houveram guerras santas (cruzadas e jihads), fascismo, guerras de sucessão, revoluções (francesa, por exemplo), guerras civis e golpes; mas uma vez atingido o objetivo quem toma o poder faz de tudo para mantê-lo e é aí que idealistas, como Rubashov, e os que estão no poder entram em conflitos de perspectivas e isso leva a mais violência.