Dia um

Dia um Thiago Camelo




Resenhas - Dia um


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Alexandre Kovacs / Mundo de K 18/02/2023

Thiago Camelo - Dia um
Editora Companhia das Letras - 208 Páginas - Capa e Imagem: Flavio Flock - Preparação: Willian Vieira - Lançamento: 2022.

O romance descreve a trajetória de uma família de classe média carioca que precisa lidar com o suicídio de um de seus membros e de como essa tragédia influenciou a vida de todos. A condução da narrativa é feita em segunda pessoa, utilizando o pronome 'você' e nomeando os personages apenas como: 'seu pai,' 'sua mãe', 'sua avó', 'seu irmão do meio' e 'seu irmão mais velho', uma estratégia que mostrou-se apropriada neste caso ao provocar um certo afastamento e um olhar impessoal, protegendo, assim, o protagonista-narrador (irmão mais novo) e o próprio autor que também passou por experiência semelhante ao ter que assimilar o suicídio do irmão mais velho. Para os que ficam, a vida precisa prosseguir, contudo o dia um do título é o dia que não quer passar, o dia que dá início ao livro.

Antes da tragédia, todos convivem em função da doença e das variações de humor do irmão; por meio de saltos temporais, o autor demonstra o esforço coletivo da família para minimizar os efeitos da depressão em um constante estado de tensão ou relaxamento, de acordo com as crises do personagem e, posteriormente, lidando com o suicídio, cada um ao seu modo, lutando para superar o luto e voltar ao cotidiano. A literatura, às vezes, parece insuficiente para expressar tamanha dor, mas a franqueza e sensibilidade do texto emocionam: "Até hoje apesar de tudo, tudo, você acha que pode de fato ter sido um acidente. Que ele pode ter acordado bem, ido olhar o sol, o brilho, ter tropeçado e caído. / O suicídio é uma espécie de deus das culpas. O suicídio é uma espécie de deus das saudades."

"Você é um dos que mais choram. Sua mãe é a que mais passa mal. Um buraco aguarda seu irmão. Nada mais distante dos enterros cinematográficos, em que o caixão desce e depois se jogam terra e flores, e repentinamente em cima daquela terra já há grama, e em cima da grama mais flores, uma lápide bonita e imaculada, às vezes uma foto, uma frase de amor; um lugar para visitar de tempos em tempos. O que deu para arranjar no São João Batista foi um acanhado espaço muma parede repleta de caixões, cavidade que depois seria preenchida com tijolos, madeira e pregos e amassada sabe-se lá com quê. Sem data e sem nome, acima de milhares de túmulos, abaixo de milhares de túmulos, entre centenas de lances de escada, escondido por horizontes e horizontes de cimento, mesmo que você quisesse visitar seu irmão no cemitério nos anos seguintes, o que você nunca quis, seria difícil, você teria que perguntar ao seu pai, ou pedir alguma identificação no próprio cemitério, um número gigantesco que equivaleria, no fundo, ao seu irmão e aos palmos de parede nos quais ele está encaixotado. [...]" (p. 45)

O livro de Thiago Camelo não deixa de ser também um romance de formação, ao mostrar o desenvolvimento da personalidade dos três irmãos desde a infância em Jacarepaguá, a forma como o ambiente no bairro marcou de forma diferente cada um deles, para o bem ou para o mal, fazendo com que este foco local tenha tornado, por oposição, a narrativa mais universal, como é comum nos bons textos literários. Apesar do esforço para ajudar o irmão em vida, a culpa é inevitável, um fantasma que persegue os personagens, a sensação de que podiam ter feito mais : "Você meio que não queria vivenciar certos constrangimentos, nem mesmo a expectativa de um possível constrangimento; você tinha um pouco de vergonha prévia, e isso o mata por dentro hoje."

"Dois anos antes, talvez três, você percebeu pela primeira vez que algo estava errado. Era uma festa, um aniversário? Uma conversa do seu irmão com sua tia, o corpo deleum pouco mais curvado, uma tristeza exposta na pele, uma náusea estranha e distante e, ao mesmo tempo, ameaçadora e palpável: o que estava acontecendo? Você não lembra se ouviu algum 'não estou bem', 'ando triste', acho que o meu...'. Nada. Só recorda de olhar de longe e pressentir a tristeza, o prenúncio da tempestade que ainda caminha leve entre os espaços, uma brisa aterradora. Dali até o fim, você nunca mais observaria ou trataria seu irmão da mesma forma; ele tinha alguma coisa, um tipo de mal que andava e crescia, andava e crescia; e estava chegando. Mesmo à distância, mesmo refreado pela perspectiva adolescente, já era violento e perturbador. / Algum problema com ele, mãe?" (p. 111)

O grande mérito do autor foi contar uma história tão difícil e equilibrar o sofrimento que envolve o luto e da depressão de forma sensível e verdadeira (difícil não se identificar em algumas passagens), sem necessariamente martirizar o leitor. Destaque para a rara e difícil condução em segunda pessoa, uma opção arriscada que geralmente funciona em textos de menor extensão como contos, mas que pode se tornar cansativa em romances mais longos, não agradando a todos os leitores. No final, acho que combinou muito bem com a proposta da obra, um distanciamento que preservou o autor e o protagonista, que ficariam muito expostos em uma narrativa tradicional em primeira pessoa.

"Você nunca vai a missas, mas supõe que os cumprimentos sejam comuns. Então é assim. É como num casamento. Abraços e beijos por todos os lados. Há quase um sorriso. Há quase um sorriso franco no canto dos seus lábios. Os dentes. Amigos de outra vida aparecem. Um deles está louro, ou melhor, com o cabelo descolorido. Você não o vê há anos, ele está mais gordo também. Você momentaneamente se sente leve. Anestesiado como no fim de um canto de parabéns. Você está quase feliz. Um debutante em enterros, um debutante em missas. Um debutante merece respeito e atenção. As filas lhe proporcionam isso. / Enquanto desce a rampa elíptica com seus pais, você tira o celular do bolso, abre o aplicativo e pede um carro. A casa deles é ao lado da galeria, mas andar requer algum esforço e ninguém aguenta mais nada, ou, você pensa, toda a família quer conservar a energia estranha e revigorante que inevitavelmente vai se perder. O desespero vai voltar. O dia vai voltar." (p. 134)

Sobre o autor: Thiago Camelo nasceu em 1983, no Rio de Janeiro. Formado em Jornalismo e Cinema pela PUC-Rio, publicou os livros de poesia: Descalço nos trópicos sobre pedras portuguesas (2017, Editora Nós), Verão em Botafogo (2010, Editora 7 Letras) e A Ilha é ela mesma (2015, Moça Editora). Dia um é seu primeiro romance. O autor também é letrista e a canção Espelho d’água, escrita em parceria com seu irmão Marcelo Camelo, vocalista e multi-instrumentista da banda Los Hermanos, foi gravada por Gal Costa no álbum Estratosférica.
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Thais645 09/01/2024

O primeiro dia do resto de nossas vidas
"Dia Um" é o romance de estreia de Thiago Camelo. Acima de tudo, é uma obra que fala de luto, depressão e suicídio.

É uma obra com uma atmosfera bastante melancólica, que dói até nos ossos, como bem observou Natércia Pontes.

Ao longo da trama, somos conduzidos pelo olhar triste e aguçado do nosso narrador, em segunda pessoa. São lembranças, momentos que não voltam mais.

Como você lidaria com a perda de um ente querido?

Thiago é irmão de Marcelo Camelo, do grupo Los Hermanos.

É uma leitura pesada, como um grande baque, e ao mesmo tempo de uma delicadeza sem igual. Às vezes, chega a ser exaustiva.

Espero ler mais livros desse autor, que tão bem lida com as palavras e com as dores de uma perda inestimável.
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Gabi 05/03/2023

O irmão mais velho do Thiago se suicidou e a partir daí começa o livro. Mas não é só sobre isso que o livro fala.
Tem também Rio de Janeiro, Vasco, Jacarepaguá, a vida de um escritor como ela é, os laços entre irmãos, naquele ar de crônica no meio de um fio duro de desenrolar.
Os episódios de depressão e crises de ansiedade e de pânico que o próprio Thiago enfrenta te mostram quantas nuances tem por trás da psique humana.
Dia Um é um livro denso, generoso, triste, com episódios engraçados, mas acima de tudo, profundamente honesto.
dica de livro da minha querida Zi
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Lucas 31/12/2023

Livro pesado e denso, mas muito tocante e bem escrito. Vale uma segunda leitura para apreender os sentimentos suscitados pela história. Não é uma leitura de passatempo.
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MãeLiteratura 04/01/2023

Baita livro!
DIA UM me comoveu do início ao fim.⁣
Um livro bonito, triste, terno e nostálgico. ⁣
Vamos acompanhar as impressões do protagonista, ao saber do salto do seu irmão mais velho para a morte.⁣

Mais do que um livro sobre morte é um livro sobre a vida, sobre re(descobrir) seus sentimentos e sensações, que com o tempo parecem ficar meio embotados.⁣

Narrado em segunda pessoa, ao mesmo tempo que traz ao leitor um maior distanciamento do personagem, parece ser o que permite ao protagonista observar e analisar não só a sua configuração familiar, mas também seus sentimentos, sensações e pensamentos.⁣

Criado numa família nos moldes tracionais, com mãe, pai e dois irmãos (ele é o filho caçula), cresceu numa rua tranquila do Rio de Janeiro, que era o centro da sua vida social. Suas lembranças surgem como um delicado caleidoscópio no texto.⁣

No decorrer do livro, o protagonista observa e narra suas dificuldades, vivências, seus relacionamentos.⁣

Este monólogo me trouxe reflexões interessantes sobre vida, morte, pertencimento.⁣
Numa das cenas finais, a descrição de uma foto dos irmãos me deixou muito emocionada. Linda!⁣

Adorei a capa, revisão impecável.

site: https://www.maeliteratura.com/2023/01/resenha-dia-um-de-thiago-camelo.html
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Erick.Jonathan 07/08/2023

Luto como substância de boa literatura contemporânea
Narrado em primeira pessoa, se usando da fórmula 'você' levando o leitor a se imaginar nas situações vivenciadas pelo narrador. Que nos conta sua vida de forma não cronológica, em torno da morte de seu irmão. Escrita fluída, poética sem ser muito elaborada. Livro de tema forte, sobre luto, superação da perda, pelo qual somos levados ao contexto familiar do narrador, sua lembranças do convívio com os irmãos, senti que o narrador ,de alguma forma, tenta entender o que aconteceu através de várias lembranças da relação com o irmão e seus familiares, numa tentativa talvez de superar tudo aquilo, algo meio catártico, conhecemos seus pais e suas angústias, principalmente a figura da mãe, de como conduziram suas vidas. O personagem pai do narrador é adorável. Aquele pai que todos gostaríamos de ter. Enfim, o livro nos entrega boa literatura, a escrita cativante, o narrador é bem interessante, seus medos, dilemas, muito real, muito humano, seus defeitos e suas qualidades. É informativo principalmente pra gente que nunca passou por isso, passamos a conhecer os meandros emocionais, burocráticos e sociais desse tipo de perda. Adorei prestigiar o primeiro romance do Thiago Camelo.
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Pdrmcd 18/01/2023

O luto pelo o que ele é
Antes de tudo, parabenizo o autor Thiago Camelo pelo seu primeiro romance. Como livro de estreia, ele coloca a carreira do escritor em uma crescente e, com certeza, vai se destacar mas mais diversas feiras de livros e premiações.

O que eu mais gosto do livro é que ele fala sobre um assunto (o luto) da forma como ele é de verdade. O autor não economiza nas descrições sinceras e verdadeiras sobre o que é realmente perder alguém e como isso impacta na vida de uma família. Acho extremamente corajoso a forma como ele transmite essa mensagem sem basicamente nenhuma romantização da saúde mental, do suicídio e do luto.

Minhas únicas observações em relação a obra se baseiam na escrita em segunda pessoa, que talvez tenha me cansado depois de um tempo com tanta repetição da palavra ?você?, alguns trechos que foram escritos de forma elegante além do necessário com palavras muito cultas para o contexto. Bem como a sensação de que em algumas partes o livro fica preso na mesma história e não vai a lugar nenhum. Acredito que são pontos na narrativa que talvez poderiam ser diferentes e que valeriam uma nota maior.

Mas, no geral, o livro é incrível e eu não posso esperar pra ver o que Thiago Camelo irá produzir no futuro.
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@emedepaula 18/02/2023

Sensível e impactante
Que livro intenso. É bem verdade que a primeira parte vem com muita força, e uma brutalidade chocante. Mas depois o livro vai mais sereno, navegando uma gama ampla de emoções. E esse é um assunto difícil, mas o autor o conduz com muita firmeza e determinação. E melhor: sem medo. Essa talvez seja a maior qualidade desse livro. Trazer a coragem de abordar o suicídio e ter uma sensibilidade e atenção voltada para as consequências que esse ato traz na vida das pessoas que ficam. Demorei um tempo pra terminar, mas isso se deu ao fato de que me impactou imensamente, e fiquei bastante reflexivo, já que a depressão é algo que também me atravessa. Lindo o livro. Parabéns ao autor, não sei como ele tomará isso, mas ouso dizer que nem parece o primeiro romance. Coisa de gente que manuseia as palavras com o maior dos cuidados. Foda.
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FellipeFFCardoso 28/02/2024

Um livro que parece ser ter sido escrito como um lembrete, porque é disso que a depressão se trata: repetir, repetir, repetir e elaborar a própria história porque é fácil perder referência de passado e esperança de futuro quando tudo o que há é a dor do presente. O narrador, inclusive, escreve assim, como se fosse primordial não perder a memória da dor, porque o depressivo não se entende como indivíduo sem ela. A partir do evento trágico envolvendo o irmão, a história faz um repasse sobre como questões de saúde mental fazem parte de uma teia intrincada que consome todos os que estão ao redor. É um livro cru, melancólico, mas jamais comiserado. Muito bom!
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tavim 30/03/2024

Dia Um, de Thiago Camelo
Afinal, vem do fim e aflui ao tronco todo, que tortura; são dias vários dentro de um único, então corpo e tempo, em desalento, pactuam refúgio: o agora para, e passado toma o turno. nisso, no de vai de-trás-pra-frente, faz ausente aquela gente que tenta entrar --- é ida solo e somente um segue esse percurso, uma romaria aos remorsos e memórias a velar. vez ou outra se assente aí ao rosto uns sorrisos, mas sabe-se ser só escape do corpo, que ainda respira, que ainda tenta suscitar.

de uma densidade angustiante e primorosa, dia um traz um narrador que carrega consigo as dores do luto pelo irmão mais velho, que pôs fim à própria vida. thiago camelo aborda temas sensíveis com tanta delicadeza, com uma escrita tão bonita, que há muito, muito tempo eu não lembro de chorar com um livro (feliz, de férias na praia, nem imaginava que a viagem ganharia esse tom compassivo --- que não foi nada ruim). a narração em segunda pessoa alcança ainda mais identidade ao romance. faz ao personagem se olhar no espelho o tempo todo, se aprofundando tanto em si mesmo que, por vezes, é difícil voltar ao presente, bem como faz a depressão. só então, entre saltos da sua própria ausência, se percebe --- é sim, ida solo, mas do lado o luto e do outro a dor tendem, com tempo, ter atraso. o dia seguinte demora, mas chega.

é o primeiro romance do autor e espero ansioso por muitos outros.
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No Instagram, publico mais resenhas e ilustro todas as capas dos livros que leio.
Acesse @tavim para ver.
tavim.com.br

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