Silênncios Infinitos

Silênncios Infinitos Nikelen Witter




Resenhas - Silênncios Infinitos


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Jessica Pertile 27/09/2023

Me surpreendeu
Eu fui pega de surpresa nessa nova proposta da escritora em trazer uma sci-fi com uma pegada muito ousada.

A escritora ela não teve receio em trabalhar o livro sobre muitos tabus ainda existentes na nossa sociedade. Quando nos pensamos em sci-fi nós pensamos em uma construção de mundo que vai superar as dificuldades que nós temos nesse mundo, nesse “projeto” que falhou e então fomos à procura de algo que aos nossos olhos seja perfeito.

E aqui, em Silêncios Infinitos, a escritora de certa forma, desconstruiu isso.

Somos apresentados a um planeta terra colapsando e seus governantes buscando incessavelmente alternativas para manter a vida.

Em um espaço de tempo é desenvolvido inteligências artificiais que tem como objetivo manter a vida no espaço e também a criação de clones para preparar um novo lugar habitável.

São enviados ao planeta próxima B, 26 clones embriões, que são 13 mulheres e 13 homens.

Eles são carregados durante todo o seu desenvolvimento com memórias de seus originais para dar inicio ao desenvolvimento da civilização.

Liu que é o protagonista da história vive em uma angustia palpável.

Tem algo de diferente nele e ele sabe disso.

Ele conhece os códigos, conhece o projeto da próxima B e conhece o seu papel no desenvolvimento de tudo isso.

Só que ele sabe que dentro dele habitam dois corpos. E fique tranqüilo, isso não é um spoiler, está nos primeiros capítulos.

Ele sabe de quem é a outra consciência implantada dentro dele. E é a partir disso que lemos como Liu vive em uma grande pressão por não saber quem ele realmente é, por ter tanto o Liu, com a vida, as memórias do seu original quando com a vida e com as memórias da original Dira.

Essas duas consciências habitam dentro do Liu e ele vive a pressão de não entender o porquê de ele ser assim, porque de somente ele ser diferente de todos os colonos.

Além do desafio pessoal que Liu vive, assassinatos sem precedentes começam a acontecer e desafios do próprio planeta ameaçam a existência desses clones.

E o que deveria ser um lugar seguro para tornar habitável a próxima B acaba sendo um lugar cheio de mortes e de medo.

Silêncios Infinitos me trouxe a sensação de que por mais que sonhemos em um lugar novo, habitável, perfeito, que seja a manifestação dos nossos desejos mais profundos de sociedade sempre haverá a possibilidade de falha.

Lembrando que: nós nunca sabemos se todas as pessoas trabalham com o mesmo objetivo.

A escritora ela trouxe nessa história uma desconstrução,e do desafio de que nós consigamos sair do mito da caverna.

Considerando que tudo o que nós sabemos e enxergamos é o que nos permitem ver e, quando ousamos desafiar os limites, descobrimos que há muito mais. Mais liberdade, compreensão e acima de tudo aceitação.

Ela nos mostra que o que sabemos do mundo exterior é exatamente o que os outros querem que nós saibamos. E isso foi muito insano de observar durante a leitura de Silêncios Infinitos.


Nessa Sci-Fi nós temos a implantação de memórias dos originais nos clones, só que muitas vezes na nossa mente nós achamos que todas as probabilidades que nós traçamos em um projeto sejam favoráveis a nós, porém, as probabilidades sempre nos surpreendem.

É isso o que acontece com esses clones, mesmo que eles tenham as memórias de seus originais, eles vivem experiências diferentes das que eles viveram.

E será que isso não afeta os desejos, os comportamentos e a mente desses “novos” humanos?

A idéia de perfeição foi a que mais mexeu comigo, porque dentro da apresentação inicial da leitura, você lê a informação exata de que foram 13 homens e 13 mulheres para colonizar o novo planeta, e nessa equação estava tudo equilibrado e é por isso que eu comento como o personagem Liu sofreu por ser tão diferente das pessoas que estavam com ele, seus desafios, suas descobertas e também a sua própria aceitação.

O plot do livro foi muito bom gente. A inteligência artificial que é uma parte importante da história foi muito bem desenvolvida, as características das pessoas, as reações em cadeia vivida foram bem exploradas.

Algo que eu quero comentar com vocês é que eu me senti sufocada durante a leitura do livro e isso não é algo negativo, na verdade é um elogio, porque a escritora conseguiu passar não só o sentimento do Liu na situação em que ele vivia, por ser um ser não binário, mas sim na sensação de todos os colonos em viver uma vida que não pertencia a eles, em um lugar cheio de experiências novas, com um sol novo, com uma terra nova, mas carregando as memórias de uma vida que não pertencia a eles.

Foi sufocante.

Esse livro me lembrou um filme antigo, mas que eu adoro, que se chama a ilha, com a Scarlett Johanssons e
Ewan McGregor, lançado em 2005 que traz esse ponto dos clones e um conto do talentosíssimo escritor de sci-fi, André Carneiro que é diário da nave perdida, onde vemos o uso de medicamentos pra controle de emoções.

O final me deixou de queixo caído com as referencias e eu adorei.

A única observação que eu faço sobre o livro é que ele ainda tinha mais a ser desenvolvido, o que me deixa na dúvida se foi algo proposital da escritora pra fazer com que nós imaginemos várias possibilidades a partir daquele final.

Silêncios Infinitos é um livro que qualquer pessoa que deseje iniciar na leitura do gênero de sci-fi vai conseguir ler com tranqüilidade.

A escritora ela é muito cuidadosa em apresentar todo o universo pra que possamos entender com facilidade então fica a dica pra quem quiser iniciar a leitura de sci-fi por ele.

Se você gosta do gênero ou quer começar nesse gênero esse livro com certeza é pra você.

site: https://www.instagram.com/bibliotecadebolso.br/
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Paulo 26/12/2023

Talvez a melhor palavra que defina esse livro seja definições. Como definimos uma vida? Um gênero? Uma pessoa? Nesse romance scifi que se passa em outra galáxia, Liu, um clone criado com incríveis habilidades de programação, precisa lidar com uma realidade: dentro de seu corpo, habitam duas consciências. Uma que pertence a ele mesmo e outro que deveria pertencer a Dira, uma das outras clones que tem a incumbência de ser uma das biólogas do projeto. De algum jeito, suas memórias e experiências foram implantadas na cabeça de Liu enquanto que seu corpo permanece inerte na ala médica do projeto. E Liu precisa lidar com a realidade de não saber se é um homem ou uma mulher, ou alguma outra coisa. Isso sem falar na necessidade que tem de esconder esse problema do resto dos outros clones. Teo, o médico do projeto, quer saber por que Liu visita quase que diariamente o local onde Dira se encontra. Que relação eles tinham antes de serem enviados nessa jornada? A pressão de Teo se torna um incômodo cada vez maior, esquecido apenas após o início de uma série de assassinatos dos líderes rotativos do projeto. Quem estaria cometendo tais atrocidades e o que Liu e Dira tem a ver com isso?


Como dizia acima, definições é o que move a narrativa adiante. Liu se perde em uma série de indagações tentando entender quem é. Seria ele como o seu original na Terra, um racionalista pragmático ocupado com a vistoria das IAs que administram o projeto? Ou seria como Dira, quente, emotiva e genial, buscando realizar aquilo que ela entende como justiça? Seu coração não consegue chegar a um consenso e essa batalha, Liu/Dira levará ao longo da narrativa. O que fica claro na escrita de Nikelen é que parece que buscamos rotular as coisas com uma necessidade obsessiva. Tudo precisa fazer parte de uma listinha de característica, parecendo que desejamos atender às previsões de um horóscopo. Só que nos últimos anos e com uma maior liberdade para discutir gênero e sexualidade, passamos a compreender a fluidez envolvida nisso. Não é possível mais ficar em um maniqueísmo de gênero sendo que é possível expressar sua real natureza de inúmeras maneiras possíveis. No caso vivido por Liu/Dira não importa qual a expressão sexual delu, até porque não faz muito sentido lógico. É um personagem que não se enquadra em nenhuma das definições de homem/mulher, sendo algo completamente não definido, e está tudo bem não poder definir. Nikelen consegue passar muito bem essa dúvida do personagem, e é um dos pontos altos da narrativa de Silêncios Infinitos. Essa dúvida que corrói a alma de Liu/Dira e que no fim das contas não era necessariamente uma dúvida. Quando a dúvida deixa de ser uma dúvida e dá aquele estalo de "por que estou realmente me preocupando com isso?" é que o personagem consegue se livrar de seus grilhões.


Mas, a definição não está apenas na questão de gênero, mas no que é uma vida. Um clone pode ser considerado uma pessoa independente? Uma vida por si só ou é apenas a cópia de uma vida? Os clones do projeto possuem essa dúvida e tentam emular comportamentos de seus originais. Aliás, para o benefício do projeto, os clones masculinos passaram por toda uma reprogramação contendo seus espíritos mais violentos. Com exceção dos clones femininos porque se entendeu que um espírito mais livre delas ajudaria em sua criatividade. O que vemos é uma existência bastante robótica, desprovida de traços de criatividade e livre-arbítrio. Liu/Dira, por terem uma quebra em sua programação, servem como pontos de inflexão apontando as contradições. Quando o enredo do assassinato toma forma, vemos como os demais clones se perdem tentando entender o que está acontecendo, já que isso fugia à programação original. Mesmo Liu/Dira tenta se fazer parecer mais com seus originais, mas percebe o quanto isso é inútil. Entender a si mesmo como algo diferente, até porque todos eles vivem em outro ambiente que não é o da Terra, construindo novas existências. É possível pensar até mesmo no fato de a colonização de Proxima B ser um fruto mais dos clones do que de seus originais.



Para mim, o romance poderia ter permanecido mais no estudo dos personagens. Nikelen faz uma ótima contextualização, mas às vezes nos perdemos em informações que não necessariamente são importantes para o enredo principal. A história de Teo, Dira e Liu é tão mais interessante do que detalhes de terraformação ou de acidentes ocorridos no planeta. Por outro lado, os demais personagens foram esquecidos muito rápido da metade para o final. Tem um momento na narrativa que não ouvimos falar dos demais colonos por mais de vinte páginas. E um dos conflitos mais interessantes no romance é essa análise íntima da interação entre eles. A monotonia, o tédio, a falta de criatividade. Eram temas bem legais a serem explorados, principalmente após a descoberta das sabotagens. Daria mais corpo à narrativa se pudéssemos desconfiar de todos, sem exceção. Ao destacar as contradições de comportamento, o que escondemos no nosso íntimo, o aspecto do suspense seria elevado à máxima potência. Sem mencionar que isso contribuiria para o debate de definições que vimos permear ao longo de toda a narrativa.


Também achei o final um pouco apressado. Existe a progressão de tensão até a revelação do que está acontecendo desde o começo. Nikelen opta por dois desses momentos: um mais ou menos na metade quando as intenções são meio clareadas e outra no final com a virada narrativa que revela o antagonista. E concordo que a revelação é bem Agatha Christie mesmo. Não era algo de todo inesperado porque o antagonista é sinalizado durante toda a narrativa. Por isso mencionei que seria melhor dar mais tempo de tela aos demais personagens para criar a dúvida. Talvez pelas constrições do tamanho (Silêncios Infinitos é uma novella, que se enquadra em uma quantidade limitada de palavras) a autora não pôde dar a devida atenção a esses problemas dentro do projeto. É uma história que se beneficiaria de mais espaço. O final semi-aberto foi aquele copo meio cheio, meio vazio para mim. Não me incomodou em si, mas não fiquei completamente satisfeito. Não houve tempo hábil para explorar as consequências, no epílogo, das decisões tomadas durante os momentos climáticos da história.


Contudo, Silêncios Infinitos é uma ótima história. Me prendeu do início ao fim. O suspense criado pela autora funciona e ela consegue passar bem o dilema vivido por Liu/Dira. O tema de um personagem não-binário precisando descobrir a si mesmo foi colocado de uma maneira bastante corajosa, pensando no fato de que esse é o motor da história. Os elementos de ficção científica são bem simples de entender e vão agradar tanto a quem gosta quanto a quem não curte tanto o gênero. Fica o meu convite para que vocês possam conhecer mais um trabalho competente da Nikelen Witter.

site: https://www.ficcoeshumanas.com.br/post/resenha-sil%C3%AAncios-infinitos-de-nikelen-witter
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