amanda 04/07/2021
Eu sempre morro é um convite para refletir sobre si mesma
Comprei os três livros do autor, e apesar de ter gostado mais do "de surto em surto", a minha leitura de "eu sempre morro" foi, digamos, reflexiva. O Kaio consegue fazer você repensar situações cotidianas que muitas vezes passam despercebidas, acho que esse é o grande êxito desse livro. Ele começa com o seguinte texto
"a existência humana em sociedade é complexa, incerta, confusa. viver é uma continua experiência. apesar da idade, dos anos vividos, dos amores perdidos, das frustrações, das conquistas e dos sonhos realizados, há sempre algo por vir, quer queira ou não, há sempre um mistério. o movimento do universo é indiferente a nossa tomada de fôlego. as possibilidades não se esgotam. estamos suscetíveis a uma vastidão de sentimentos e sensações, somos atravessados pela linguagem, significamos e somos significados por ela. nos sentimos inseguros, pois começamos a medir o mundo a partir de nossos umbigos, consequentemente, nos colocamos no centro de um caos que está além de nossa frágil existência. somos perecíveis, um risco de insignificância e instabilidade na imensidão do espaço-tempo. mas para além disso tudo, para além de qualquer pensamento crítico ou reflexão existencial, é importante estar vivo. é só na vida que todas as instabilidades são possíveis. mas eu sempre morro."
E dentro do livro, os textos existenciais e reflexivos se misturam com uns desenhos fofos, mas também reflexivos, meio que eles se complementam.
O livro tem uns texto pequenos, mas muito reflexivos, tipo esses
1.
"tinha pensamentos suicidas
deixava tudo para a último hora
morreu aos 88 anos de idade."
2.
"a gente acabou assim
na base da indiferença
te mandei algo
você não respondeu
por medo ou ansiedade
não busquei saber o porquê
não busquei saber
talvez quiséssemos mesmo sumir
desaparecer um do outro
nada fizemos
não responder era mais fácil
nos omitimos
desaparecemos."
e tem textos maiores, estilo crônica
1.
"sentia-se cansado, mas ao mesmo tempo, sentia culpa, pois o seu cansaço era estrutural, interno, injustificável do ponto de vista lógico. como explicaria que passou os últimos quatro dias à toa, sem nem colocar os pés para fora de casa, mas que mesmo assim sentia-se pesado, inerte, como quem fora atropelado pelas próprias reflexões e incertezas. como confessar isso tudo e ainda poder dizer, hoje não, estou cansado. não dizia nada, não respondia."
2.
"era domingo, acordou cedo. estava cheio de vontades, queria fazer exercícios, ler mais um pouco dos livros que se propôs a ler naquela semana, só consegue ler assim, em pausas, muitos livros de uma vez, mas um pouquinho de cada. queria tomar café, ver o dia crescer pela janela, ouvir música enquanto isso, e quem sabe depois ir à casa dos pais, visita-los, fazia dias que fugia dessa conveniência familiar. era domingo e estava cheio de vontades, inclusive, sentiu falta de acordar e ter alguém ao lado, para quem pudesse olhar e sentir algo de bom, um sentimento do tipo, olha só, alguém realmente conseguiu gostar de mim, e ainda mais, está aqui ao meu lado. mas era domingo, e aos domingos dormia até mais tarde. estava só, permaneceu assim, voltou a dormir."
Enfim, achei a leitura muito interessante, porque apesar de ter um jeito de escrever mais simples, o conteúdo é interessante, deixa a gente pensativa.
Observação: de início me incomodou como o autor não utiliza letras maiúscula no início das frases.