Lucas1429 01/09/2023
A confidente
Romance constitui-se de pequenas histórias poéticas. Num conjunto, nomeiam-nas de Romanceiro. Tal qual o de Cecília, referentes a uma coletânea específica, a trajetória da antiga Vila Rica imperial, hoje Ouro Preto, no sul de Minas. Famosa pelo seu solo protuberante em mineração, foi explorada e desviada de suas entranhas para sustentar como tributo do Brasil colônia à Portugal. Nesse interim, os modelos de Cecília ganham forma, os (seus) inconfidentes à famosa insurreição de 1789.
Fugindo ao modelo rítmico da poesia convencional, presente do também Modernismo, preza à reconstituição da formação de um lugar; vindouros, ícones da tradição oral: Chica da Silva, João Fernandes, Visconde de Barbacena, e os mártires futuros, Tiradentes, Tomás Antônio Gonzaga (o Dirceu de sua Marília) e a demais turba de conspiradores. Os romances são episódicos na linearidade pertinente à autora, que resvala pela parcimônia de seus conjurados, não obstruindo nenhum passo relevante para a tentativa infrutífera de independência dos revolucionários, encabeçados por Joaquim José da Silva Xavier, herói nacional contemporâneo, revisto nesta epopeia ao lado de triviais vilões.
Seus mais de 80 poemas nos conquistam pela versatilidade e condução dos versos e estrofes, fluídos e dependentes do mergulho do leitor, atraído pela historicidade simples de Cecília e de um período do país, tão disseminado, impossível de não se engatar. Fruto de longa pesquisa da autora, inspirou-a quando de uma visita a trabalho à cidade na década de 40. Partiu de Cecília num “contato” com os antigos fantasmas do local remendar estes seres passados, para se cercar dos verdadeiros destemidos.
Nos dezenove romances iniciais é prevista a alusão objetiva da poeta, que utiliza da técnica literária para compilar o ciclo do ouro, a transformação dos costumes sociais de Vila Rica, seus habitantes ecumênicos, seus servidores (a era da escravatura em voga), à missão abortada de Tiradentes por Joaquim Silvério, seu xará traidor. “Da Bandeira da Inconfidência (romance XXIV)” é a transcrição de uma testemunha que de fato nada viu, mas que sentiu como honrosa a justiça aos intencionados por uma salvação patriótica regurgitados na febre alienada de poderosos inescrupulosos, para hoje reconsiderarmos o não apenas drama social à época, mas as contingências de um Brasil república posterior. Ainda soamos ilusórios, Ciça.