Coruja 11/05/2011Encomendei esse livro na empolgação, quando estava escrevendo meu especial O Único e Eterno Rei, sobre o ciclo de lendas arturianas, seus antecedentes e desdobramentos. Infelizmente, o volume só chegou depois que já tinha terminado de escrever – e depois de passar semanas em cima de textos e iluminuras medievais e duzentas mil versões diferentes de uma mesma história, precisava de algo diferente.
Joguei então o volume para a lista do Desafio Literário 2011 – alguns meses e certamente eu estaria curada da minha ressaca arturiana. Contudo, quando o livro chegou, de cara fiquei com o pé atrás ao ver a propaganda na capa: “a verdadeira história de Merlim, que os cristãos primitivos ocultaram”.
À medida que ia lendo, ia ficando com os dois pés atrás.
Eu teria adorado o livro que Adam Ardrey tivesse apresentado sua história como uma nova hipótese, procedendo então a revelar suas descobertas, relacionando-as com os textos mitológicos, os romances, as coletâneas canônicas.
O livro assume, contudo, um tom sensacionalista – algo como aqueles testes de paternidade e programas de auditório. Ele começa a metralhar acusações para todos os lados, formando uma grande teoria da conspiração que não é apenas óbvia, como já muito martelada e cansativa.
Seguinte... a Igreja Católica sempre foi manipuladora. Estudantes de marketing deveriam estudar a fundo as técnicas dela de manipulação e propaganda, porque, sejamos sinceros, eles são Ph.D no assunto.
Mas a sublimação da cultura celta – e druídica – correu por obra e graça dos romanos, numa época em que os cristãos faziam parte da indústria de entretenimento do Império, servindo como ração para as feras no Coliseu.
Não podemos esquecer também que a cultura desse povo era fundamentalmente oral. Eles não deixaram para trás nem mesmo um alfabeto estranho que pudesse eventualmente ser desvendado com uma Pedra de Rosetta.
Assim, tudo o que sabemos sobre os celtas, os druidas – e por tabela, Merlim, que, acredita-se, pertencia a essa cultura – é baseado em relatos de segunda mão... de romanos. Os monges cristãos só aparecem na figura um pouco mais tarde, de modo que os relatos dele já são relatos de terceira mão – o processo já tinha começado e estava bem adiantado.
Além disso, há o detalhe de que, a despeito de todas as figuras históricas que se apontam como sendo “O Verdadeiro Arthur” – e, por conseqüência, o verdadeiro Merlim – existem relatos sobre nosso querido rei muito anteriores a Monmouth, parte do ciclo de lendas celtas que antecede as datas que Ardrey usa em seu livro.
Essa, porém, nem é a questão mais problemática. Uma vez que tais fatos – se são fatos – ocorreram há tanto tempo que perderam suas origens, qualquer teoria pode ser apresentada. Mas veja bem, qualquer teoria, não verdade absoluta. Historicamente falando, as afirmações absolutas de Ardrey só poderiam ser feitas se ele tivesse encontrado documentos escritos pelo próprio Merlim – e mesmo assim com muitas ressalvas, porque não há ninguém que possa comprovar porque esteve lá que tal documento é verdadeiro.
Ok, esqueça isso. Se Merlim era druida e druidas não transmitiam seus conhecimentos de forma escrita, um livro escrito por Merlim seria uma completa contradição.
A teoria levantada por Ardrey em seu livro é válida; interessante o suficiente para levarmos em conta. Mas é, como não deixei de repetir, uma TEORIA, não a verdade revelada por ordem e graça divina – que é a impressão que temos pelo tom empregado na narração da pesquisa do autor.
Eis um Merlim possível, enfim. Se verdadeiro, porém, aí já é uma ouuuutra história...