jota 16/02/2015Rumina, ruminante, rumina...Conhecia José J. Veiga (1915-1999) antes deste livro por sua tradução de Pescar Truta na América, o estranho e engraçado livro de Richard Brautigan, onde coisas acontecem e personagens agem sem um mínimo de lógica.
Agora, lendo seu livro, entendo porque ele traduziu o de Brautigan, com o qual A Hora dos Ruminantes parece dialogar em parte, quando coisas estranhas passam a acontecer na pequena e fictícia Manarairema, uma cidadezinha perdida no interior do Brasil dos anos 1960 (a primeira edição é de 1966).
Diferentemente do livro de Brautigan, que é sobretudo divertido, o humor é um tanto escasso em Veiga, e fica mais por conta das expressões que o povo de Manarairema usa em suas conversas, além de seus costumes, que bem podem ser enquadrados dentro de uma “cultura caipira”, típica do estado natal do escritor, Goiás, mas encontrada também, sob outras formas, em Guimarães Rosa e outros escritores regionalistas.
De volta a Manarairema, primeiro chegam e se estabelecem do outro lado do rio que corta a cidade, uns forasteiros mandões, de poucas palavras e de modos grosseiros. Em nenhum momento fica claro o motivo de estarem ali e seus planos. Mas eles se tornam objeto de todas as conversas em Manarairema, claro. Ecos da ditadura militar implantada no país, opressão?
Depois de alguns dias da chegada dos estranhos a cidade é inundada por uma legião de cachorros, não se sabe vindos de onde, embora muitos acreditem que foram mandados pelos forasteiros. Causam estragos na cidade e deixam a população assustada, aborrecida, enfezada.
Mais enfezada ainda (literalmente atolados em fezes) ficam os habitantes quando, depois de algum tempo, a cidadezinha é novamente inundada, mas desta vez por bois. Se um bando de cachorros incomoda, uma boiada sem fim incomoda mais do que uma manada de elefantes, não?
Do mesmo modo que os cães, depois de muito estrago e algumas mortes, também os bois se vão, sem qualquer explicação. Realismo mágico? Nem pensar, conforme o próprio Veiga diz: “A minha literatura é uma literatura realista: nem fantástica, nem mágica”.
Como diz Antonio Arnoni Prado no Prefácio da edição da Companhia das Letras, a literatura de Veiga é “(...) original e estranha sem sair da singular estranheza da nossa própria realidade.” De fato, a realidade brasileira muitas vezes suplanta a ficção em quilômetros.
Naquele Brasil dos tempos de Veiga ou no Brasil de hoje ocorrem coisas que até Deus duvida: se não, como explicar a recente reeleição de uma mentirosa contumaz como Dilma e a verdadeira adoração que grande parte do povo sente por um falsário feito Lula?
Lido entre 12 e 16/02/2015.