Rodrigo1001 25/07/2017
Memórias ao balanço do mar (Sem Spoilers)
Você já viajou para algum lugar querendo se encontrar?
Vencedor do cobiçado Man Booker Prize, O Mar nos leva em uma viagem pela vida de Max Morden, que, revisitando lugares e momentos da sua infância e adolescência, faz um relato singelo sobre sua vida, procurando viver o presente e o futuro no passado, em uma explosão de lembranças.
Este é o segundo livro que leio esse ano com a temática de memórias. Assim como em Os Escritos Secretos, de Sebastian Barry, as memórias do protagonista passeiam, de modo refinado, pelos personagens da cidade onde vivia quando jovem, um lugar à beira-mar, com descrições de episódios e de lembranças adormecidas há mais ou menos cinco décadas.
Falando assim, pode-se ter a impressão de que o livro é monótono, mas, caro amigo, não se engane, a escrita de John Banville é uma das mais refinadas que já tive contato! O livro é absurdamente bem escrito, estruturado e fluído. Absurdamente! Oscilando entre passado, presente e futuro, as memórias de Max acabam por se confundir com as próprias memórias do leitor visto que algumas situações pelas quais ele passa são quase como um solo comum para nós, experiências compartilhados por todos. O primeiro beijo, as descobertas do sexo, a turbulência da adolescência, a morte e os vazios e os medos da vida adulta estão todos ali. A fluidez com que o autor se movimenta entre o passado e o futuro é impressionante. As palavras dançam e formam um lindo bordado, sem o menor esforço... tão fluídas quanto as ondas do mar, ouso dizer.
O livro é uma fonte inesgotável de analogias espetaculares e adjetivos muitíssimo bem empregados. Imagino que John tenha tido uma epifania literária ao produzir esse livro, conseguindo tornar legível aos leitores o que só ele compreendia, um entendimento completo das suas ideias.
Por ter sido tão bem escrito, O Mar acabou despertando lembranças de infância em mim, como quando subia até o topo das árvores e lá ficava agarrado, destemido como um marujo pendendo do cordame, com um convés de folhas verdes logo abaixo, sendo balançado pra lá e pra cá ao sabor das ondas do vento. E isso é claramente um efeito colateral da leitura, já que ela tende a te levar para um estado de introspecção agitada e às vezes melancolia.
Por fim, as referências náuticas estão lá, mas não como em O Velho e o Mar ? no livro de John Banville o mar me pareceu ter um papel mais poético, com menor relevância, enquanto no livro de Hemingway, o mar , o peixe e o velho formam a tríade onde todo o enredo se apóia. Não menos lindo, no entanto.
Sem medo, eu recomendaria O Mar para leitores sensíveis, saudosos, apreciadores de uma escrita belíssima, super requintada, sem excessos, sem clichés. Neste livro, as palavras vagueiam para diferentes portos, de forma não linear.
E é um amor em cada porto, com certeza.