Ari Phanie 26/08/2021“"The key to staying lost was to never love anything."”
Eu sempre menciono isso: livros com personagens complexos sempre me ganham. Eu amo ler histórias em que o autor cria pessoas labirínticas, intrincadas, multifacetadas, tão perturbadoras e difíceis de entender que quando você acha que sabe exatamente quem é aquela personagem, ela vai lá e te surpreende. É exatamente assim na vida real. As pessoas possuem mil camadas, e em The Vanishing Half da Brit Bennett não é diferente.
A história gira em torno de duas irmãs gêmeas, tão semelhantes que às vezes uma sentia que a outra não era um indivíduo diferente, mas uma versão de si mesma. No entanto, as gêmeas são diferentes. Desiree é descrita como a rebelde, aquela que quer escapar do lugar onde cresceu, a "ovelha negra da família". Stella é a quieta, que faz as coisas certas e não procura problemas para si mesma. Um dia as duas resolvem fugir e ir para Nova Orleans, onde podem ter melhores chances do que naquela cidadezinha de negros claros que não suporta negros escuros. No entanto, em Nova Orleans, uma irmã abandona a outra.
Desiree encontra um trabalho e depois se casa. Mas as coisas dão errado e ela volta para casa carregando consigo uma criança negra de tom escuro como a noite. Sua filha Jude enfrenta o colorismo daquela pequena sociedade de pretos que se acham brancos. Em outro canto do país está Stella, muito bem casada e também com uma filha. O que surpreende é que Stella agora é branca. Vive como branca, casada com um branco, morando em uma comunidade branca. A história de Stella começa a ser narrada no final dos anos 60, então você sabe que tem alguma coisa errada. Logo você percebe que Stella criou um personagem muito bem sucedido. Ela finge ser branca já que é clara o suficiente pra isso. Como se isso já não fosse ruim o suficiente, Stella não quer contato nenhum com outros negros, na verdade, até segrega outros negros. Quando você começa a ler sobre a Stella é muito difícil não odiar ela. Não dá pra entender de imediato as motivações dela. Mas assim que ela conhece sua nova vizinha negra, a autora vai removendo as camadas da personagem. Você entende algumas coisas sobre a Stella. O trauma dela é o alicerce da criação da fachada de branca. Brancos tem tudo, certo? Nunca correm o risco de serem mortos pela sua cor. Conseguem as coisas muito mais rápido e fácil do que qualquer outro indivíduo de cor. Então, se você pode ser outra pessoa, por que não? Você compreende esse raciocínio, mas não digere. Stella é uma dessas personagens marcantes que você odeia, entende, sente pena, torce por ela, torce contra ela, quer ler mais sobre ela. É a melhor personagem da história, mas é também a pior. Sem dúvida, ela é inesquecível.
Além das irmãs Vignes, nós conhecemos as primas Jude e Kennedy, filhas de Desiree e Stella, respectivamente. Jude escapa de Mallard na primeira oportunidade que aparece indo para a faculdade, onde encontra mais preconceito. E encontra também o lindo Reese. A relação dos dois é linda, e eu queria que tivesse tido mais espaço na história. Eu leria tranquilamente um livro só sobre Jude e Reese porque o relacionamento deles é fofo e sendo Reese um homem trans, eu queria muito ler mais sobre a trajetória deles juntos e separados. Já quando se trata de Kennedy não posso dizer que algo nela seja interessante. Ela tem problemas de identidade por causa da mãe, e também problemas de pertencimento pelo mesmo motivo. Muitos mommy issues. E tudo bem, ela poderia ser uma personagem tão complexa quanto Stella, mas acabou soando apenas como uma garotinha mimada tentando chamar a atenção da mãe e/ou feri-la, o que é compreensível já que a mãe dela mente sobre tudo, mas mesmo assim, peguei ranço dela.
Ok, resumindo, a história que gira em torno das gêmeas idênticas dá muitas voltas e cobre muitas épocas, e fala sobre família, identidade, colorismo e racismo. É um livro denso que traz muita, muita reflexão, e também muita indignação. Gostei de todos os personagens, são todos bem construídos e a história ressoa em você. É difícil digerir tudo imediatamente. Só não leva cinco estrelas por causa de todo o drama e vai-e-volta da Kennedy. Mas está super recomendado.