Tiago Doreia 18/06/2021Uma das minhas leituras brasileiras favoritas?Cumpriu sua sentença, encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.?
Li essa incrível obra a primeira vez no ensino médio, e tenho uma recordação de ter apreciado bastante, mesmo não tendo a maturidade literária que tenho agora, que por consequência me fez apreciar muito mais nessa segunda leitura.
O auto da compadecida é uma incrível sátira social, do nosso amabilíssimo Ariano Suassuna, em formato de peça teatral que abrange um estudo muitíssimo bem humorado sobre os diversos grupos que constituem nossa sociedade.
Apesar de ser uma obra relativamente curta, aborda tantos pontos relevantes que seria necessária uma análise completa para abordar todos. Mas somente para citar algumas: a maneira como cada um age única e exclusivamente pensando em seus interesses e como tal atitude de um ou de outro vai beneficiá-lo. O interesse em lucrar, seja literal ou figurativamente é tamanho que muitos esquecem seus princípios (se é que já tiveram algum) de maneira a cegar-se propositalmente a fim de lograr êxito em extrair benefício daquela situação.
A religião entra fortemente tanto no enredo como na análise do indivíduo e da sociedade, visto que este é um elemento forte na vida das pessoas, principalmente nesse contexto de sertão nordestino do século passado.
É incrível como Ariano consegue trazer um equilíbrio pra esse elemento religioso, tanto na hora de exaltar a importância da religião como uma forma de salvação, de seguir e praticar as boas condutas; quanto pra expor suas fragilidades e sua face mundana e pecaminosa, representada pelas falhas de homens do mais baixo ao mais alto clero, todos corrompidos em maior ou menor nível.
O autor ironiza mais uma vez com um personagem, o do frade, que aos olhos de todos era um ?débil mental? mas que no fim foi o maior merecedor de honrarias religiosas.
Outro ponto muito interessante é a maneira como Ariano Suassuna quebra a 4ª parede, em um certo momento que o palhaço chama os atores para frente do plano e há um diálogo muito interessante que destaca essa questão. Vale a pena prestar atenção nessa conversa!
Um plus muito interessante é como o ilustríssimo Suassuna valoriza a cultura do sertão nordestino. Além de todos os elementos que ambientalizam a história, é interessante notar que algumas das incríveis histórias contadas na peça, como o gato que descomia dinheiro por exemplo; foi tirada de uma literatura de cordel.
Há inúmeros outros assuntos que valem uma ótima discussão, como a postura de alguns personagens, arrogantes e prepotentes diante de um pequeno, mas submissos e ordinários diante dos grandes, além de adultério, confiança (ou a quebra dela), suborno, calúnia, mentira, roubo, e assassinato. Mas para não me estender demais, queria deixar somente elogios pra essa maravilhosa obra que me arrancou reflexões e risadas durante todo o percurso de leitura.
Recomendo fortemente essa obra-prima da literatura brasileira!